Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise do sistema de cotas para estudantes negros.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Análise do sistema de cotas para estudantes negros.
Aparteantes
Antero Paes de Barros, Mão Santa, Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 23/02/2006 - Página 6177
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, SISTEMA, COTA, CLASSIFICAÇÃO, NEGRO, CANDIDATO APROVADO, EXAME VESTIBULAR, UNIVERSIDADE FEDERAL, COMPENSAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, HISTORIA, BRASIL.
  • DEFESA, SISTEMA, COTA, ALUNO, ESCOLA PUBLICA, ACESSO, ENSINO MEDIO, ANALISE, INSUFICIENCIA, PROVIDENCIA, NECESSIDADE, POLITICA, EDUCAÇÃO, AMPLIAÇÃO, OFERTA, GRATUIDADE.
  • ANALISE, POLITICA FISCAL, FAVORECIMENTO, LOBBY, AUSENCIA, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO CARENTE, PREJUIZO, PAIS, LONGO PRAZO, CRITICA, DIVISÃO, BRASIL, GRUPO, INTERESSE.
  • DEFESA, MODERNIZAÇÃO, EDUCAÇÃO, DISTANCIA, UTILIZAÇÃO, TECNOLOGIA, BENEFICIO, DEMOCRACIA, AMPLIAÇÃO, ACESSO, CRITICA, OPOSIÇÃO, UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES (UNE).

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu já vim aqui diversas vezes manifestar meu apoio, minha simpatia a programas de cotas, mas hoje quero manifestar - ao mesmo tempo em que reitero minha posição a favor das cotas nas universidades - a minha preocupação ao ver o Brasil ser tratado como um país de cotas, como um país corporativizado, dividido em pequenos pedaços, sem uma visão nacional global.

Continuo defendendo que, como forma de mudarmos a cor da cara da elite brasileira - que, depois de 120 anos da Abolição da Escravatura, continua branca em um país onde há negros -, se justifica sim a cota para estudantes negros que passem no vestibular. Muitos acham, Sr. Presidente, que a cota é para aluno que não passa no vestibular, mas não: a cota é para aluno que passa no vestibular e não se classifica. Na minha proposta inicial, essas pessoas entrariam na universidade graças a um aumento no número de vagas para absorver esses alunos.

Sou favorável, Senador Sibá, porque acho que temos de pagar essa dívida com a raça negra, mas também temos de, por uma questão de dignidade de todos nós, negros e não-negros, mostrar ao Brasil que neste País não há mais escravidão e que aqui os negros fazem parte da elite intelectual.

Sou favorável também às cotas para as escolas públicas, porque elas vão provocar uma melhoria na qualidade dessas escolas. Isso porque, com a cota, muitos alunos da escola pública que jamais pensariam em universidade começam a pensar nessa possibilidade, e estudam mais. Além disso - pode ser até perverso do ponto de vista social -, as classes médias e altas vão transferir seus filhos das escolas privadas para as públicas e, com isso, a escola pública vai melhorar porque aumentará o poder de pressão sobre as prefeituras, sobre os governos estaduais e sobre o governo federal em favor da melhoria da qualidade.

Apesar de reconhecer os benefícios que as cotas podem trazer, não posso deixar de manifestar a minha preocupação ao ver o Brasil resolvendo seus problemas apenas por cotas, porque a verdadeira solução não é o jeitinho das cotas, mas a escola pública gratuita e de qualidade para todos, desde a primeira série. Se assim fosse, não seriam necessárias as cotas. Um país que necessita de cotas é um país semijusto; um país que se nega a estabelecer cotas é um país injusto; e um país que não precisa de cotas é realmente um país justo. São jeitinhos, mas não sou contra.

O que me preocupa é que estamos ignorando outras cotas que este País diariamente vê esta Casa e o Governo aprovarem. Por exemplo: quando aumentamos o valor das rendas sobre as quais incide o Imposto de Renda, estamos beneficiando um grupo da classe média - classe média mais baixa, é verdade, mas mesmo assim não são os pobres. Para beneficiar os pobres não se reduz Imposto de Renda, porque eles não pagam esse imposto. Essa é uma maneira de tratar corporativamente o problema fiscal neste País. Os que têm força para pressionar obtêm resultados.

Há poucos dias, aprovamos aqui um desconto para um grupo de fazendeiros. Não vou discutir o mérito do projeto, mas ele foi aprovado porque aquele grupo tinha força de pressão. Outro dia, aprovamos redução de impostos para investidores estrangeiros. E assim vamos tratando o Brasil como se fosse não uma nação, mas um quebra-cabeça de corporações.

Isso não dá certo por duas razões: primeiro, porque a corporação não tem a visão de longo prazo que o País tem de ter; segundo, porque quando essas reivindicações se somam alcançam dimensões a que o País não pode fazer frente. Com isso, geramos conflitos que terminam beneficiando ainda mais essas categorias, como acontece quando se concede aumento de salário para categorias que já ganham muito - concedendo a essas categorias, fugimos de dar aumento de salário para as categorias que ganham pouco.

Eu sou favorável às cotas, mas não sou favorável a um país de cotas.

Concedo um aparte ao Senador Sibá.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador Cristovam, temos muitas concordâncias em relação a esse tema. Concordo com V. EXª. Acho que o estabelecimento de cotas é uma medida transitória e, como tal, não pode virar uma política generalizada e permanente, o seu objetivo é dar fim a um problema. Se as cotas se perenizam, temos um sinal de que não estão sendo eficazes. Acho que iniciativas não têm faltado ao Brasil, embora reconheça que estejam muito aquém da capacidade de solução dos problemas - solução que passa pelo fortalecimento do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Aliás, estou descobrindo meu interesse nessa área, estou bastante interessado na área da educação. A minha vida, a minha cara, a minha marca eram as questões agrárias, mas hoje tenho me preocupado bastante com a educação. Percebo que um dos gargalos desse setor é a qualificação do profissional que leciona desde o Ensino Fundamental à conclusão do Ensino Médio. Como eu disse ontem, apresentei um projeto visando a acabar com o vestibular. Para que isso aconteça, porém, é preciso fazer uma consideração sobre a forma de fazer o aluno chegar ao final do segundo grau minimamente preparado. V. Exª é muito feliz quando diz que é preciso que o nosso Ensino Médio prepare, de fato, os alunos para o ingresso no ensino superior. Digo isso a V. Exª porque também considero ser da maior importância a boa qualidade do Ensino Fundamental e do Ensino Médio para a formação de profissionais bem preparados. E me preocupo especialmente com a formação do profissional da área rural. Muitas vezes o professor está mal preparado; outras, apesar de bem preparado, insiste em fazer de sua matéria um mistério. Comecei a trabalhar aos onze anos de idade, mas continuei indo à escola. Saía do trabalho às 18 horas e, às 18 horas e 40 minutos tinha de estar na sala de aula. Nas quartas e quintas-feiras, muito cansado, tinha de assistir a uma aula de matemática às 21 horas - na minha sexta série, era esse o horário. Ainda bem que peguei um professor que fazia do ensino da matemática uma forma de brincar conosco, ele conseguia apresentar as fórmulas matemáticas, as equações em forma de brincadeira. Estou dizendo isso para ilustrar que, ao lado das grandes barreiras, temos os pequenos problemas. Para resolver isso é preciso uma movimentação nacional, tem de ser uma coisa sentida. A propósito, desafio os sindicatos da categoria de profissionais da educação a saírem um pouco mais da luta pela questão trabalhista, pela questão de direitos - direitos que considero vitais - e dar mais ênfase à qualificação do professor. A questão dos salários é importante, mas é preciso que os sindicatos façam um movimento nacional em prol da qualidade do ensino e que isso não fique apenas no chavão. Se não avançarmos nisso, Senador Cristovam Buarque, pouco mudará. Acredito que a solução desse problema não está restrita à esfera governamental: toda a sociedade precisa se envolver nisso. Vou encerrar o aparte - desculpe-me por haver me alongado - dizendo apenas o seguinte: todo pai e toda mãe, em qualquer classe social, em qualquer condição financeira, sempre olham para seus filhos, em qualquer idade, com a vontade de vê-los cursando o ensino superior. O diploma é como um troféu. Assim sendo, penso que V. Exª tem razão: a questão das cotas não pode se limitar ao debate sobre a existência de uma segregação racial no Brasil de forma escondida, sub-reptícia. Aqui fica o testemunho de uma pessoa que passou por isso, que viveu na pele o que é isso: penso que passa pelo movimento nacional e também pela alta qualidade dos profissionais da educação.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador Sibá Machado, agradeço pela sua manifestação. Estou de acordo com essa cobrança para que os profissionais da educação lutem por melhores salários, por mais dedicação deles, por melhores prédios, por melhores equipamentos e por horário integral em todas as escolas.

A idéia do fim do vestibular no Brasil de hoje é uma quota privilegiando cem por cento dos que terminam o ensino médio, mas deixando de lado dois terços dos nossos jovens que não o terminam. A verdadeira quota seria cem por cento terminando o ensino médio com qualidade - essa seria a verdadeira quota! -disputando todos em condições de igualdade para entrar na universidade, substituindo o vestibular, como me orgulho de ter feito aqui, juntando o meu papel de reitor com o de Governador do Distrito Federal. Hoje, 50% das vagas da Universidade de Brasília são preenchidas por um exame feito ao longo do ensino médio. Os alunos fazem uma prova no final da primeira, da segunda e da terceira séries e os que tiverem melhor média entram na UnB. Em 2006, isso completa dez anos. Já temos jovens formados que entraram assim. Isso melhora a educação básica, porque o aluno vê a perspectiva de, estudando bem no ensino médio, entrar na universidade.

Agora, a grande luta não é pelo fim do vestibular, mas pelo fim de excluídos ao longo do ensino médio - esse é o nosso grande objetivo - e pela substituição do vestibular por exames ao longo do ensino médio. Lutamos para acabar com essa praga do vestibular como é hoje, sacrificando e fazendo com que alguns passem por sorte e outros não. Ao longo do ensino médio, provas feitas e aplicadas pela universidade, como é feito em Brasília há dez anos, permitiriam um melhor sistema de escolha.

Mas a grande luta é para termos cem por cento dos jovens terminando o ensino médio. Sabem por que não se luta por isso? Por causa daquilo que falei aqui no início. Este é um país corporativizado, em que se luta pelas corporações organizadas. E no Brasil se organizam aqueles que estão perto de entrar na universidade, mas não se organizam os analfabetos, não se organizam as crianças, não se organizam os que ainda não entraram no ensino médio. Esses estão fora das preocupações.

Nas últimas campanhas eleitorais para Presidente, em todas elas, desde que voltou a democracia, os candidatos a Presidente não falam para o Brasil, mas falam para cada corporação. Eles prometem aos estudantes das escolas particulares que vai haver o ProUni, prometem para os que estão sem casa que vai haver um programa habitacional. Prometem para cada grupo um benefício, mas não há, não houve um candidato que propusesse para o País, ainda menos algum que dissesse: “Eu quero que você se sacrifique pelo País, pois melhorando o País, melhoram você e sua corporação”. Não vimos um discurso neste sentido, da proposta de estadista, global, nacional. Os candidatos falaram, Senador Mão Santa, para cada uma das corporações, prometendo, às vezes, coisas irresponsavelmente, que não dará para atender, às vezes responsavelmente, mas nunca nacionalmente.

Concedo um aparte ao Senador Antero Paes de Barros. Em seguida, concederei ao Senador Mão Santa.

O Sr. Antero Paes de Barros (PSDB - MT) - Senador Cristovam Buarque, primeiro eu gostaria de cumprimentar V. Exª por abordar o tema da educação. Há até um projeto de nossa autoria que assegura vagas para alunos da escola pública.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Conheço.

O Sr. Antero Paes de Barros (PSDB - MT) - Acho que atende também aos critérios de renda, de cor, porque isso tudo se contempla nesse critério. Então, acho que essa questão do acesso tem que ser democratizada. Mas é evidente que isso não resolve o problema da educação. O grande fosso dos Estados hoje é resolver a questão do ensino médio, no que concordo com V. Exª. Há um projeto de minha autoria, como acho que V. Exª tem um outro com o mesmo propósito, no sentido de possibilitar, até para atender à LDB, que os professores não necessitem do exame para se qualificarem. Eu diria mais: é preciso qualificar professores para dar aulas para o ensino médio especificamente nas matérias de física, química, biologia e matemática. Com muita sinceridade, não entendo - atualmente faço um curso aqui em Brasília no ensino telepresencial - por que essa tecnologia do ensino telepresencial não é utilizada como a solução para resolver o problema do ensino médio. Vou citar um dado que é um apartheid social no meu Estado, o Mato Grosso. No ensino fundamental, tem-se praticamente cem por cento de matriculados. Ou seja, para o futuro, vamos conseguir erradicar o analfabetismo. Destes, em Mato Grosso, apenas 30% conseguem chegar ao ensino médio. E por que não conseguem chegar ao ensino médio? Por que está faltando a unidade física escolar no interior? Não. É porque não tem professor qualificado de física, química, biologia e matemática no interior. Nós teríamos de estudar, inclusive, uma remuneração diferenciada para quem se dispuser a ir para o interior. Além disso, é preciso estudar a utilização da tecnologia do ensino telepresencial para resolver o problema da educação. Educação não é custo, não pode ser encarada como custo. Há uma proposta minha, que está parada há quatro anos na Comissão de Assuntos Econômicos, em que proponho que os Estados... Eles pagam 13% da dívida pública. O Governo Federal trouxe a dívida dos Estados para si, retirou da taxa selic e passou a pagar uma dívida pública para o Governo Federal de 13%. O que queremos? Que se reduzam esses 13% em 2 a 3% para os Estados e que esse recurso resolva o problema do ensino médio. Isso é absolutamente factível. Mas o projeto está parado na Comissão de Assuntos Econômicos porque a equipe econômica não deixa votar, porque a equipe econômica é contra, porque a equipe econômica, infelizmente, não tem a sensibilidade social, porque eles olham a criança como custo. Ninguém vai inaugurar uma obra, pegar o pano, colocar na frente da criança e baixar o pano. Mas é dessa obra que o Brasil precisa, de inaugurar um novo homem para que tenhamos uma educação crítica, libertadora, para nos criticar, e não a falta de educação para sermos subservientes aos donos do poder. Parabéns a V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço a participação. Vou dar a minha opinião do porquê da existência de tanta resistência no Brasil à idéia do ensino à distância, a essa tecnologia moderna. Está dentro daquilo que eu vim falar, que, por incrível que pareça, não era sobre educação, mas sobre a corporativização do Brasil, sobre a divisão do Brasil em pequenos pedaços. Lamentavelmente, por uma estreiteza, muitos professores acham que o ensino a distância vai dispensar professores. E em sua defesa, como, no século XIX, faziam muitos operários, que quebravam máquinas para que não produzissem no lugar deles, lutam contra o ensino a distância.

Tenho o maior respeito pela União Nacional dos Estudantes, mas uma de suas bandeiras é “não ao ensino a distância”, “mais professores e mais universidades”. É impossível fazer chegar a universidade a todas as cidades, a não ser através dos mecanismos a distância. É uma forma de democratizar, mas é mais que isso. Professor da forma que aprendi a ser, como se diz, “cuspe e quadro-negro”, está superado. Do mesmo jeito que os professores precisaram aprender a usar o quadro-negro há mil anos, o que Sócrates não usava porque não havia em seu tempo, hoje professor está virando um elemento não mais artesanal, sozinho. Ou ele trabalha em conjunto com especialista em análise de sistemas e com especialista em programação visual para preparar um curso a distância, em que ele talvez nem apareça na tela, ou a educação não vai dar o salto que precisa. As crianças de hoje não aceitam ficar quatro horas na frente de um professor ou professora, mas aceitam ficar diante da televisão assistindo a um programa educacional de qualidade. O professor do futuro não vai ser mais um profissional artesanal, sozinho, dando aula; ele vai ser um profissional coletivo, juntando o que sabe a disciplina, que é o que chamamos “professor de hoje”, com o especialista na comunicação da mensagem.

Usando mecanismos a distância, a universidade chega ao Brasil inteiro. Não é preciso mais um jovem se mudar de sua cidade para fazer o curso universitário. Talvez, Senador Mão Santa, isso não seja possível para a medicina ainda, porque não é possível fazer uma autópsia ou uma análise de anatomia pelo mouse do computador - mas não duvide de que chegará esse dia -, no entanto em muito cursos já é possível. Então, essa é a explicação.

Isso confirma, Senador Antero Paes de Barros, o que vim falar aqui, que é não sobre educação, mas corporativização da sociedade brasileira, da falta de um discurso nacional de longo prazo.

Por exemplo, quando analisamos os discursos do Presidente Lula - tenho tomado esse cuidado, Senador Sibá Machado -, vemos que Sua Excelência não fala ao Brasil, mas a cada grupo especial e particular, a cada um dos grupos que se beneficiou de alguns dos seus programas. A palavra Brasil, em um discurso proferido ontem, só apareceu para dizer que nenhum dos Presidentes do Brasil fez mais do que ele pelos pobres. Mas o Brasil como entidade, como uma alma coletiva do povo, com uma perspectiva de longuíssimo prazo, quinze, vinte, cem anos, não é encontrado em seus discursos e também no de outros candidatos a Presidente que tivemos nesses vinte anos de democracia.

Se o Presidente permitir, concederei um aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Estamos aguardando a generosidade do Presidente.

O SR. PRESIDENTE (João Batista Motta. PSDB - ES) - Perfeitamente.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Professor Cristovam Buarque, a presença de V. Exª é muito importante nesse momento de desesperança. Entendo que é chegado o momento de termos um professor Presidente. Dirão que Fernando Henrique Cardoso era professor. Não, ele era um sociólogo, ele ensinou, como eu, médico, ensinei Biologia e Fisiologia. Mas professor mesmo, com crença, que pode ser chamado de mestre - igual a Cristo - é V. Exª. Fernando Henrique Cardoso foi professor de Sociologia; eu fui de Biologia e de Fisiologia. Mas mestre mesmo, V. Exª é quem merece essa alcunha. Eu acredito - as minhas crenças eu confesso - em Deus, no amor, no estudo e no trabalho. Foram as pernas do estudo e do trabalho que me trouxeram aqui. Mas este País está nessa desesperança. No próprio livro de Deus está escrito que a sabedoria é ouro. E só se consegue a sabedoria com o estudo. Mas, Professor, nesses 506 anos ainda temos 25 milhões de analfabetos, cegos no saber. Eu acreditei - como todo o País - quando o Presidente Lula lhe pinçou para o Ministério da Educação. Mas a desesperança está aí: são 25 milhões de analfabetos. E aí é a base - essa nódoa tem de ser tirada. É uma vergonha. Quando fui Prefeito - e eu estudei para ser -, li uma revista, especializada em assuntos municipais, de uma ex-educadora Secretária Municipal de Porto Alegre, nenhum adulto analfabeto. É grave. V. Exª pode construir a melhor escola, até de cristal, ter o melhor professor, mas o analfabeto é arredio, é complexado, porque o analfabetismo é quase uma doença. Ele tem vergonha e só vai à escola, se uma pessoa muito íntima - um parente, um amigo - o alfabetizar. E a professora se baseava nisso. Fiz isso na minha cidade, quando Prefeito, e no Estado, quando Governador. Não vejo nenhum movimento forte. E há 25 milhões de analfabetos. Veja o exemplo do Chile, geograficamente complicado, estreito, comprido, tem o mar, as cordilheiras, mas o saber o colocou como um país de primeiro mundo, praticamente não tem analfabeto. Não somos inferiores a ele. E foi preciso ter um presidente professor, Ricardo Lagos, que foi Ministro da Educação do governo Frey, e que entregará o cargo a sua sucessora, uma mulher. A Constituição chilena estabelecia a obrigatoriedade de oito anos de sala de aula para o chileno. No Brasil, a média é 3 e fração. Essa é a diferença. E antes de o Presidente Lagos deixar o Governo - eu estava lá - fez um decreto-lei, que eu queria que chegasse aqui em forma de medida provisória, obrigando a 12 anos e mais, que os chilenos saibam um segundo idioma.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - É isso mesmo.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Daí o avanço e o estado de educação que o Chile vive hoje. V. Exª está no lugar ideal, está no Partido correto, o PDT de Leonel Brizola e os Cieps, de Darcy Ribeiro. Não sou do Partido de V. Exª, mas fico tentado a escolhê-lo como candidato a Presidente da República, porque creio que a educação é o fundamento mais importante da igualdade. A democracia é liberdade e igualdade. E o que dá igualdade é a educação.

O SR. PRESIDENTE (João Batista Motta. PSDB - ES) - Senador Cristovam Buarque, faço um apelo a V. Exª para que termine seu pronunciamento, porque já se passaram três minutos, além dos vinte minutos normais, e têm alguns Senadores que esperam usar da palavra. Agradeço pela compreensão.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Quantos minutos a mais ainda tenho, Sr. Presidente? Os oradores que me antecederam nesta manhã tiveram muito tempo. Esperei com a maior paciência, mas não quero abusar.

O SR. PRESIDENTE (João Batista Motta. PSDB - ES) - Mais dois minutos, está bem?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Vou tentar, mas também tive muitos apartes.

Senador Mão Santa, em primeiro lugar, quero dizer que V. Exª é uma das pessoas mais coerentes para falar em educação, porque é um dos poucos entre nós que, a cada dia que entra nesta sala, traz um livro e sempre que tem uma brecha não só o lê como também o recomenda.

V. Exª citou o Chile, mas qualquer país teria direito a ter analfabeto, menos o Brasil, porque temos uma bandeira com texto escrito. Somos de um país em que quem é analfabeto não conhece a própria bandeira, porque se mudar a ordem das palavras - progresso e ordem - ele pensará que é a mesma bandeira. Se escrever outra coisa naquele lugar, o brasileiro analfabeto não perceberá que mudamos a bandeira dele. O Brasil não tem direito a ter isso.

Mas eu não vim falar de educação, por incrível que pareça. Em vez de falar da desesperança, de que V. Exª falou e que eu sinto também, vim falar da desnacionalidade do Brasil. De propósito não chamei desnacionalização, chamei desnacionalidade. O Brasil está partido em pedaços chamados corporações. E os nossos dirigentes não têm falado ao povo, à Nação e ao futuro; têm falado a grupos, a corporações e ao presente. A desesperança de que V. Exª falou é causada por isso.

Nós mesmos, em nosso País, quantas vezes dizemos “nossa nação”. É como se o Brasil tivesse sido descoberto, mas não tivesse sido ainda fundado como nação, porque somos um País partido em pedaços, e os nossos dirigentes não têm contribuído para a unidade nacional, para um discurso de coletividade. Falam para cada grupo em particular, como se o Brasil fosse um País a ser administrado por quotas, por jeitinhos e não por uma mudança substancial e permanente.

Sr. Presidente, agradeço a V. Exª os dois minutos e dou por encerrada a minha fala.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/02/2006 - Página 6177