Discurso durante a 21ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Sugestões para a criação de uma frente multipartidária que lute para melhorar as condições de vida dos meninos e meninas brasileiros.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Sugestões para a criação de uma frente multipartidária que lute para melhorar as condições de vida dos meninos e meninas brasileiros.
Publicação
Publicação no DSF de 22/03/2006 - Página 8906
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • APREENSÃO, GRAVIDADE, PROBLEMA, PROSTITUIÇÃO, CRIANÇA, ALICIAMENTO, MENOR, TRAFICO, DROGA, DEMONSTRAÇÃO, ABANDONO, INFANCIA, BRASIL.
  • SUGESTÃO, CRIAÇÃO, GRUPO, SENADO, DEFESA, INTEGRAÇÃO SOCIAL, MELHORIA, QUALIDADE, CRIANÇA, ADOLESCENTE, PAIS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vim falar sobre dois sentimentos e uma proposta. Os dois sentimentos são vergonha e tristeza. Vergonha e tristeza diante daquilo que estamos vendo acontecer no País; vergonha e tristeza, por exemplo, de ver no sábado a manchete principal de um dos mais importantes jornais do Brasil ser sobre o problema da prostituição infantil, dizendo que no Brasil meninas se vendem por R$1,99, como aqueles produtos, Senadora Heloísa Helena, do começo do real. São meninas “Paraguai” no sentido daquelas lojas “Paraguai” que existiam. Mas minha tristeza e vergonha é que no dia seguinte, praticamente, esqueci isso ao ver o programa do Fantástico e ver algo mais assustador, embora não mais grave - igualmente grave.

Sinto vergonha e tristeza de como nós abandonamos a infância no Brasil, mas a infância dos pobres, porque este País continua imperial no sentido de ter uma elite aristocratizada e uma plebe abandonada e excluída.

Sinto vergonha e tristeza de ver o que aqueles meninos disseram, como um dizer que preferia a morte, ”porque a vida é um esculacho”; outro dizer que a mãe dele já havia perdido três filhos. O que senti foi vergonha e tristeza.

Mas eu sinto também vergonha e tristeza ao constatar que este é um País em que poucas crianças têm computadores entre os ricos e muitas crianças entre os pobres têm fuzis. Ou seja, estamos divididos entre crianças com computados, que deveriam ser muito mais, e crianças com fuzis, que não deveria ser nenhuma. Agora, sabe o que me deu uma vergonha também? De ver, depois de passar o programa, o debate ser feito, Senador Paulo Paim, apenas com sociólogos e economistas brancos, quando na tela, na violência, as crianças são todas negras. O Brasil tem pessoas como Hélio Santos, como o Mário Nelson, da Bahia, como Ubiratan Castro, como Sueli Carneiro, negros e negra capazes de analisar o que está por trás daquilo, que não é só um problema social, é também um problema racial que tentamos esconder.

Sinto vergonha também das oportunidades perdidas deste País. Perdemos uma oportunidade que foi dita indiretamente por uma das mães quando disse: “Nós precisamos de horário integral”. Se o programa dos Cieps do Brizola tivesse continuado, provavelmente, Senador Heráclito Fortes, essa situação não ocorreria nos morros do Rio de Janeiro. Faz vinte anos que Brizola lançou o Programa do Horário Integral. Ele construiu 500 escolas; faltavam mais duas mil, o que seriam perfeitamente possível realizar em vinte anos. Porém, nós paramos.

Da mesma maneira que sinto vergonha das oportunidades perdidas na Independência, quando não ficamos independentes; na Abolição, quando não abolimos, de fato, a escravidão; na República, quando não fizemos uma república; na Revolução de 30, que não fez o que era preciso, como a reforma agrária; até mesmo na ditadura, contra a qual lutei, mas poderia ter feito algo mais por este País.

Sinto vergonha e tristeza por perceber que, após vinte anos, a democracia, pela qual muitos de nós lutamos com sangue, ainda não chegou ao povo. E o Congresso, recém-aberto e livre, não traz a pauta do povo para o debate na Casa. O máximo que ocorre são discursos de alguns de nós. Na hora do Orçamento, quem recebe são as corporações organizadas, os banqueiros, como a Senadora Heloísa Helena sempre lembra. Esse povo não recebe nada, a não ser sob a forma de esmolas. Essa situação causa-me tristeza e vergonha. Sinto muita vergonha pelas oportunidades perdidas nesses vinte anos. Houve vinte orçamentos aprovados na democracia, mas esses orçamentos não colocaram a pauta do povo entre as nossas obrigações.

Sinto vergonha e tristeza também de ver que o Governo que ajudei a eleger, com tanta esperança - não disse que me arrependo, porque naquele momento estava certo -, não demonstrou, nesses três anos, qualquer gesto radical para enfrentar os problemas radicais, como o trabalho infantil, a prostituição infantil e a violência entre os jovens.

Eu, como Ministro, tentei muito que definíssemos um prazo para acabar com o problema da prostituição e do trabalho infantil. Desejava que fossem dois anos, mas, no fim, assumi quatro no meu ministério - sentia-me “na parede”. Mas, para isso, disse a todos os Ministros encarregados que era necessário existir alguém a quem o Presidente dissesse: “Sua tarefa é esta e, se não a fizer, será demitido, porque é preciso fazer isso”. Mas não vimos isso acontecer!

E sinto ainda outras tristezas - e vergonha também! -, como, por exemplo, de ter tentado, como Ministro da Educação, e não ter conseguido ficar mais tempo do que fiquei. E também sinto vergonha e tristeza pelo que deixei iniciado, sem deixá-lo costurado de maneira que fosse irreversível. Sinto, então, responsabilidade por isso.

Do mesmo modo, também sinto tristeza e vergonha de, como Senador, fazer este discurso e pouco mais. O que mais vou fazer além deste discurso? Às vezes, penso que, como professor, este discurso poderia ser mais respeitado, poderia surtir mais conseqüências, porque, se não houvesse eleitores, haveria adeptos. Hoje, não sei se tenho eleitores, e adeptos não vão atrás de Senadores, porque estamos desmoralizados!

Sinto também uma profunda tristeza de saber, para não deixar de falar sobre esse assunto, que um pobre caseiro, com patriotismo e coragem imensa, vem aqui dizer as coisas, mas a Justiça não lhe permite falar e ainda tem o seu sigilo bancário quebrado! E o que é mais grave: quando o seu sigilo bancário for visto, porque ele o abriu, constará o seu salário mínimo, ou pouco mais por mês, e a doação de um pai que não o reconheceu antes. E isso é usado contra ele! Sinto tristeza e vergonha.

Mas sinto também tristeza e vergonha quando lembro que, dos 17 meninos que apareceram na reportagem, 16 já morreram! No meu País! Na democracia da qual sou Senador! Não sou qualquer um, tenho responsabilidade. O que estou fazendo para parar isso? Isso dá tristeza e vergonha, e não conseguimos quebrar a indiferença. Não conseguimos trazer de volta a indignação para mudar essas coisas, ou não conseguimos trazer juntas a indignação e a força. Os indignados estão impotentes, os poderosos estão indiferentes. Para onde vai um Brasil em que os poderosos são indiferentes? Não vi uma palavra do Presidente Lula sobre os fatos divulgados pela imprensa; nem a respeito da prostituição infantil nem da violência nos morros. Mas, Sr. Presidente, sinto também tristeza e vergonha, porque, daqui a um mês - alegro-me pela presença do Senador Heráclito aqui -, não vamos mais lembrar isso, usando a sua palavra “amnésia”, que toma conta.

Estamos assustados diante do tamanho da notícia trazida no Fantástico, mas, na próxima semana, virá outra notícia e, daqui a um mês ou dois, teremos a Copa do Mundo e todos, de verde e amarelo, vamos comemorar vitórias ou sofrer tristezas e esquecer as mortes. Depois, vêm as eleições, que vão falar de muitas coisas, mas não vão falar desses meninos, até porque nenhum dos dois grandes nomes que estão aí disputando vai ter autoridade de dizer que resolverá esse problema, porque podiam ter, pelo menos, tentado.

Mas, se eu fosse listar todas as tristezas e vergonhas, tomaria muito tempo. Aproveito esses dois minutos, Sr. Presidente, para fazer uma proposta. Aqui, neste Senado, durante a ditadura, havia o grupo dos autênticos, que enfrentava fuzis, que enfrentava prisão, para lutar pela democracia.

Senador Leonel Pavan, penso que está na hora de criarmos um grupo dos autênticos que lute pelos pobres, independente do partido. Não existe partido que defenda apenas o lado dos pobres ou o lado dos ricos. Há pessoas que querem mudar este País in totum. Acho que, em alguns partidos, muito mais gente quer mudar; em outros, poucos, mas há pessoas.

Por que não tentamos fazer, aqui no Senado, uma frente pela luta contra a prostituição infantil? Que isso não fique só no discurso, como o meu e das Senadoras Patrícia Saboya, Lúcia Vânia e Heloísa Helena. Eu sinto até tristeza e vergonha também de dizer que não houve discurso de homens aqui sobre este assunto. Parece que as mulheres têm mais ou sensibilidade ou coragem de enfrentar isso.

Por que não fazemos uma frente? Por que não criamos um grupo dos autênticos em defesa da integração social, como fizemos um grupo de autênticos na luta contra a ditadura? Se não fizermos isso, daqui a 15 dias, serão outros discursos nossos, e o povo vai dizer: “Esse Senador só tem fala. Não precisava ter votado nele. Bastava ele fazer palestra, como professor, como qualquer outra coisa”. Porque nós somos eleitos para termos poder, fazermos, exercermos.

É a hora de fazer o Orçamento. Como deixamos passar a oportunidade do Orçamento sem lutar por um choque social que ponha a pauta do povo em primeiro lugar? Não tenho elaborado em detalhes como seria essa frente e esse grupo de autênticos do social. Tenho elaborado o que seria necessário fazer para resolver esse problema, como muitos, aqui, têm também.

Gostaria que usássemos o tempinho de sobra que as CPIs e os discursos sobre corrupção nos deixam e tentássemos, nesses intervalos, levar o povo nem que seja para os intervalos. Se não queremos levar o povo para a agenda principal, levemos para os intervalos, conversemos. Há formas de se fazer isso. Há formas de se pressionar o Presidente, que prometeu enfrentar isso e não o está fazendo.

Venho aqui hoje manifestar sobretudo a tristeza e a vergonha, como brasileiro, como Senador da República, mas também deixar aberta a possibilidade de procurarmos construir uma frente transpartidária de autênticos pelo social. Que não fiquemos apenas no discurso, mas levemos isso às últimas conseqüências.

Não fizemos manifestações, passeatas pela anistia? Por que não fazemos passeatas para salvar meninos que estão morrendo? Não corremos o risco de sermos presos, expulsos de partidos, para podermos lutar, muitos, pela eleição direta, pela Constituinte? Por que não lutamos, com a mesma força e vigor, em vez de apenas falarmos uma ou outra vez, para que este País seja integrado socialmente, para que as nossas crianças usem computadores em vez de apertar gatilhos de fuzis? Que eles brinquem em vez de traficarem. Que a televisão mostre um Brasil bonito, não triste e feio, como aquele que vimos no domingo à noite!


Modelo1 6/22/2411:00



Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/03/2006 - Página 8906