Discurso durante a 14ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise de dados divulgados pela revista Forbes, acerca do aumento de bilionários brasileiros. Defesa da aplicação de recursos em programas sociais para erradicar a pobreza.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • Análise de dados divulgados pela revista Forbes, acerca do aumento de bilionários brasileiros. Defesa da aplicação de recursos em programas sociais para erradicar a pobreza.
Publicação
Publicação no DSF de 11/03/2006 - Página 7580
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • COMENTARIO, AUMENTO, NUMERO, BRASILEIROS, SUPERIORIDADE, RIQUEZAS, MUNDO, AUSENCIA, COMEMORAÇÃO, GOVERNO, MOTIVO, GRAVIDADE, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, PAIS.
  • ANALISE, COMBATE, POBREZA, OFERTA, OPORTUNIDADE, POPULAÇÃO CARENTE, DEFESA, POLITICA DE EMPREGO, MELHORIA, ACESSO, SERVIÇOS PUBLICOS, ESPECIFICAÇÃO, EDUCAÇÃO, PROTESTO, PARALISAÇÃO, CLASSE POLITICA, REGISTRO, DADOS, POSSIBILIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, PROGRAMA, AMPLIAÇÃO, INCLUSÃO, CIDADANIA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Governo Lula, como, aliás, todos os governos, procura não perder nenhuma chance de comemorar feitos positivos. Há diminuição da taxa de risco, sai comemoração; inaugura-se uma obra, sai comemoração; coloca-se uma pedra fundamental, vem comemoração.

            Hoje, no entanto, como o Senador Efraim Moraes até falou aqui, temos um fato tão alvissareiro a comemorar, Senador Heráclito Fortes, e ninguém saiu para fazê-lo. É o fato de que o número de bilionários, em dólares - não em reais -, aumentou no Brasil. Hoje, o Brasil tem pouco mais de 2% dos bilionários do mundo - aumentou de 6 para 14. Oito novos bilionários, em escala global, surgiram no Governo Lula.

            Por que não comemorar isso? Isso é um fato do crescimento da economia brasileira e demonstra que o Brasil ficou mais potente. Nós não comemoramos isso, porque temos vergonha da miséria ao lado do aumento do número de bilionários. Essa vergonha é que nos impede de comemorar uma coisa que deveria ser alvissareira. Não estou fazendo nenhuma ironia. Penso que seria positivo que o Brasil tivesse um número maior ainda de bilionários em escala mundial. Só assim o Brasil passaria a ser um país importante na economia mundial. No entanto, esse aumento do número de ricos não pode acontecer sem a diminuição do número de pobres.

            Só para fazer algumas pequenas comparações, esses 14 bilionários detêm um patrimônio de US$36 bilhões, equivalentes, Senador Paulo Paim, a um salário mínimo anual, incluindo o 13º salário, de oito milhões de brasileiros; ou seja, 80 grandes estádios de 100 mil expectadores cheios. Por isso não comemoramos; temos vergonha. Deveríamos ter orgulho do aumento do número de ricos, e ficamos com vergonha porque acontece ao lado de uma miséria.

            Eu comparei patrimônio com salário. Não é a comparação certa. A comparação certa é patrimônio com patrimônio.

            Senador Heráclito Fortes, se somarmos tudo o que têm 50 milhões de pobres brasileiros - o papelão debaixo do qual eles dormem, o cobertor que receberam de ajuda e com que se cobrem, as panelas que eles carregam de um lado para outro, a carroça que eles levam -, isso dá US$50,00. Pois bem, o patrimônio desses 14 brasileiros equivale a duas vezes mais do que o patrimônio dos 50 milhões de brasileiros. Há alguma coisa errada nisso. O patrimônio de que estou falando é de um único deles, tomando a média do patrimônio, e equivale a duas vezes o patrimônio dos 50 milhões!

            É por isso que não comemoramos. O Senador Heráclito há pouco tempo, em relação à corrupção, usou uma expressão que eu não tinha escutado aqui, trazendo a idéia da anestesia nacional. Nós estamos anestesiados também diante da tragédia social, não só diante da tragédia moral da corrupção.

            Felizmente, neste caso pelo menos, não comemoramos. Nós nos acabrunhamos diante de um fato que seria positivo em qualquer país que tivesse um mínimo de justiça. Não é necessário que os outros cheguem nem perto desses que juntaram esse dinheiro pelo trabalho, pelo sucesso, obviamente pelo lucro, pelo preço do que vendem, pela taxa de juros. Mas nenhum desses enriqueceu na base do trabalho de contravenção. Se algum contraventor puder entrar nessa lista não é nenhum desses. O contraventor nem entra na lista; o dinheiro é clandestino. São pessoas que conseguiram graças ao talento, à sorte, a algumas ajudas, mas, sobretudo, graças ao uso de algo sobre o que quero falar aqui: o uso da oportunidade que tiveram.

            É isso, Senador Mão Santa, que precisamos começar a dar àqueles 50 milhões de excluídos brasileiros. Eles não precisam que lhes seja distribuída parte da renda desses ricos, até porque, imagine, se distribuíssemos essa renda para eles, daqui a pouco, a renda teria acabado. Faz-se necessário, sim, dar a eles o mínimo de oportunidade, para que saiam da pobreza. E essa oportunidade - sabemos, insistimos, dizemos - a anestesia de que fala o Senador Heráclito Fortes não permite realizar. Esse salto de oportunidade viria de um programa de erradicação da pobreza no Brasil, um programa de erradicação que assegurasse que cada brasileiro tivesse o essencial para uma vida digna. Não precisava ter mais do que isso para que ele tivesse oportunidade e desse o salto. Talvez nunca para chegar aonde esses chegaram, mas para chegar a lugares muito mais altos do que estão.

            Esse programa de erradicação tem uma lógica que não é difícil: é empregar as pessoas pobres com uma renda, para que produzam o que precisam para sair da pobreza, pois não é a renda que tira da pobreza, mas o acesso ao que for essencial. A renda ajuda, sobretudo porque comida tem de ser comprada. O mais tem de ser serviço público, com garantia a todos do acesso a esse serviço público. Eu já disse algumas vezes que existe uma linha horizontal da pobreza, abaixo da qual estão aqueles que ganham menos de US$2. Essa linha não funciona. Precisamos de uma linha vertical da pobreza que separe os que têm acesso dos que não têm acesso. E parte do acesso vem do mercado, como a comida, mas parte do acesso vem de não precisar ficar numa fila três meses para ser atendido por um dentista ou até nem ter esperança disso. O principal acesso é uma condição para se ter o essencial, é um vetor para que se tenha tudo o que é essencial: é a oportunidade de poder freqüentar uma escola de qualidade, gratuita, em horário integral, com professores bem remunerados, bem preparados e dedicados, em escolas com edificações dignas, decentes e bem equipadas.

            Precisamos fazer um programa neste País que assegure que, pouco a pouco, mas no máximo em dez anos, não haja ninguém excluído do que é essencial. Somente então, vamos poder comemorar o aumento no número de bilionários brasileiros e vamos poder dizer que aumentar o número de bilionários é uma coisa positiva para a economia, porque significa que a economia permitiu que eles pudessem participar de um grupo privilegiado, porém muito pequeno, pois há apenas 780 bilionários - valores em dólar - no mundo. No Brasil, há 2% desses 780 bilionários, o que corresponde a 14 bilionários. Seria muito bom que aqui houvesse cinqüenta, sessenta ou setenta bilionários, mas desde que aqui não houvesse o oposto dessa riqueza afluente e exagerada que alguns têm.

            Lamentavelmente - retomo o que disse o Senador Heráclito Fortes -, a anestesia nos está impedindo de fazer um programa desse tipo. A anestesia permite que a corrupção seja feita e tolerada, permite que, mesmo quando descoberta a corrupção, o Congresso isente, anistie e não casse aqueles que fazem isso. De fato, vivemos anestesiados. Essa mesma anestesia faz com que, nesta Casa, aprovemos com grande facilidade R$2 bilhões, R$3 bilhões, R$4 bilhões ou mais do que isso para certos grupos privilegiados, esquecendo-nos dos milhões de despossuídos.

            Vim aqui, hoje, aproveitar essa sexta-feira, para dizer que, num primeiro momento, estranhei o Governo - Governo que comemora tudo o que pode - não ter comemorado o aumento no número de bilionários. Diante das comparações simples que fiz, passei da surpresa à vergonha ao perceber que não é possível comemorar o aumento de bilionários diante da miséria que toma conta do Brasil. Lembro - não estou tomando o maior desses bilionários, que tem US$7,4 bilhões de patrimônio - que a média entre esses US$7,4 bilhões e US$1,3 bilhão, que é o menor valor, ou seja, algo em redor de US$2 bilhões de patrimônio individual, equivale a duas vezes o patrimônio de cinqüenta milhões de brasileiros.

            A vergonha não está em quem tem US$2 bilhões, a vergonha está em deixarmos que cinqüenta milhões tenham um patrimônio de US$25. E digo US$25 da maneira que lhes falei: somando o cobertor que receberam, o papelão que cobre a casa, o cachorro que os acompanha e algumas panelas que eles carregam.

            Não seria difícil fazermos com que esses cinqüenta milhões saltassem dessa miséria e mudassem do lado dos que não têm para o lado dos que têm acesso. No Brasil, um programa com esse objetivo custaria R$40 bilhões por ano. Parece muito dinheiro, mas, quando percebemos que a renda nacional é de R$1,7 trilhão, que a receita do Governo é de R$700 bilhões, que só os Bancos levam R$200 bilhões, que o superávit equivale a R$45 bilhões, que o lucro da Petrobras foi de R$36 bilhões, que o lucro das dez maiores empresas foi de R$56 bilhões, vemos que não é tanto. Quando fazemos essas comparações, vemos que não é muito pedir ao Brasil que faça um esforço para superar esse apartheid social, essa apartação que construímos no Brasil.

            O que há aqui não é mais apenas desigualdade, é exclusão. Desigualdade há nos Estados Unidos, na França; nesses países, há desigualdade. Desigualdade há em todos os países do mundo, e é uma ilusão falar que ela vai acabar e que haverá uma igualdade plena, até porque não vejo razão moral para todo mundo ter um Mercedes Benz e não vejo por que, em nome da igualdade, deva-se proibir que alguns o tenham.

            O importante é que todos tenham o essencial. Para isso - mais uma vez, agradeço ao Senador Heráclito, que, antes de mim, falou em anestesia -, precisamos acabar essa anestesia, para, com isso, derrubar esse muro que separa esses cinqüenta milhões não daqueles ultrabilionários, mas de nós; não deles, dos 10% que detêm 50% da renda - nesses 10%, estamos nós e muita gente que pensa não estar, porque quem ganha de três a quatro salários mínimos já está chegando aí.

            Vamos despertar dessa anestesia e vamos, com a indignação que vier, derrubar os muros, derrubar as barreiras, arrancar essa cortina de ouro que substituiu a cortina de ferro, derrubar esse muro de chumbo que substituiu o muro de Berlim, esse muro que separa quem tem acesso de quem não tem acesso ao essencial. Depois, que tenhamos desigualdade, porque isso é natural. Que a desigualdade venha do talento, mas não da exclusão! Incluamos todos e deixemos que os mais talentosos cresçam, subam e até cheguem a entrar na lista da revista Forbes com US$1 bilhão de patrimônio! Que alcancemos o momento em que de fato possamos comemorar esses senhores como heróis, como vamos comemorar esse senhor que irá numa nave espacial um dia desses! Que possamos comemorar isso como vamos comemorar a Copa do Mundo! Que um dia possamos comemorar o fato de no Brasil haver mais bilionários, mas não enquanto tivermos vergonha do fato de aqui existirem tantos excluídos, pessoas sem direito nem à chance de disputar o essencial!

            Era isso, Sr. Presidente, que eu queria falar aqui.

            Parabenizo os que conseguiram chegar a essa lista e me envergonho de quantos temos com patrimônio de, no máximo, US$25, somando aí o cobertorzinho velho, o papelão que cobre a casa, o cachorrinho que os acompanha e algumas panelas que eles carregam.

            Vamos acabar, Heráclito, essa anestesia que toma conta da gente, a anestesia da corrupção no comportamento dos políticos, mas também a anestesia na corrupção das prioridades das políticas públicas, que não chegam onde estão os pobres e, quando chegam, como o Bolsa-Família, é para anestesiar também, pois é um programa mantenedor e não emancipador, como seria um programa Bolsa-Escola que viesse com a escola, como o PET - aqui está a Senadora Lúcia Vânia que teve papel importante na criação desse programa. O PET era emancipador. Lamentavelmente, como sabe V. Exª, tiraram o dinheiro do PET para colocá-lo em um programa mantenedor e não emancipador.

            Agradeço ao Presidente pelo tempo que me concedeu.

            Fica aqui o alerta, com base na inspiração que tive do Senador Heráclito: vamos desanestesiar o povo brasileiro. Perdoem-me os médicos se não é essa a expressão que usam. Fala-se em desanestesiar quando se quer tirar o paciente da anestesia?

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Acordar.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Acordar, muito bem. Vamos acordar o Brasil e, com esse despertar, derrubar a barreira que separam uns brasileiros dos outros.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/03/2006 - Página 7580