Discurso durante a 18ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre o papel do Congresso Nacional, diante da decisão de Ministro do STF que concedeu liminar contra ato da CPI dos Bingos.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODERES CONSTITUCIONAIS.:
  • Reflexão sobre o papel do Congresso Nacional, diante da decisão de Ministro do STF que concedeu liminar contra ato da CPI dos Bingos.
Publicação
Publicação no DSF de 17/03/2006 - Página 8572
Assunto
Outros > PODERES CONSTITUCIONAIS.
Indexação
  • ANALISE, ATUAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, DEFESA, IMPORTANCIA, REFORÇO, AUTONOMIA, LEGISLATIVO.
  • SUGESTÃO, REUNIÃO, LIDER, CONGRESSO NACIONAL, DEBATE, COMPETENCIA, LEGISLATIVO, JUDICIARIO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou inscrito para falar, hoje, em meu nome, por dez minutos - Senador Mão Santa, já que não falo como Líder, disponho de dez minutos -, mas vou falar em nome dos outros três Senadores do PDT, com os quais eu conversei, Augusto Botelho, Jefferson Péres e Osmar Dias, para manifestar a nossa posição sobre esse mesmo assunto, mas com uma preocupação um tanto diferente.

Que esse dia vai ficar na História e será estudado e comentado, que cada um dos Senadores e Senadoras da CPI dos Bingos entrou para a História, assim como o Francenildo, todos nós sabemos. O que precisamos saber, Senador Wellington, é como ficará o Senado no dia em que essa história for contada.

Eu creio que todos falaram, aqui, no “dia do medo”: o medo do Governo, o medo do PT, o medo dos que estão envolvidos na CPI; contudo, o medo que mais me preocupa é o medo do Senado, porque o que aconteceu hoje já começou há bastante tempo. Já faz um bom tempo que o Senado e o próprio Congresso submetem-se a fazer parte de uma República governada por medidas provisórias e mandados judiciais. Há meses e meses, talvez alguns anos, nós, os brasileiros, somos governados sem que o Congresso exerça a sua função plena.

O que vemos é que chegam aqui medidas provisórias para as quais baixamos a cabeça e decisões judiciais para as quais também baixamos a cabeça. Hoje, tenho a impressão de que o Congresso talvez já não seja tanto o Congresso do mensalão, mas, sim, o Congresso da submissão. Isso é o que está parecendo.

É claro que temos que cumprir as decisões, mas temos a responsabilidade de organizar a República de tal maneira que os três Poderes equilibrem-se - e não estamos com os três Poderes equilibrados.

Faz muito pouco tempo que um Senador foi cassado por decisão judicial, depois de todos os Senadores se manifestarem em sua defesa, reconhecendo que o que estava por trás do processo era uma armação.

Para a própria instalação dessa CPI, como todos falam e sabem, foi preciso recorrer ao Supremo. Há poucos dias, depois de uma reforma constitucional, vimos o Supremo simplesmente ignorar a reforma constitucional, com maioria qualificada e o ouvimos dizer que a verticalização continua.

Eu não quero, Senador Wellington, entrar em juízos de valor sobre quem tinha e quem não tinha razão. O que eu quero manifestar aqui é a minha frustração como Senador sem nenhum poder diante do Poder Judiciário e diante do Poder Executivo, como se fôssemos um Congresso decorativo. Essa é a sensação que tenho hoje e que a opinião pública está tendo. E é isso que pode deixar o dia de hoje como o “dia do medo” do Senado.

Não é possível que continuemos nos comportando dessa maneira meses depois de meses e que, cada vez que venha uma decisão, nós recuemos.

Nós não estamos enfrentando corretamente, Senadora Heloísa Helena, o problema mais sério do que a cassação da voz de um cidadão na CPI, do que a cassação dos Senadores da CPI. Estamos enfrentando um momento em que as instituições estão em uma crise profunda, em que não se sabe quem manda em quem em relação ao Poder Judiciário e ao Poder Executivo, mas se sabe quem manda no Congresso: são os dois quando ficam - hesitei para dizer a palavra - coniventes. Quando eles se juntam, o Congresso desaparece.

Até aqui, cassaram Senador, cassaram CPIs. E quando prorrogarem eleições? E quando suspenderem eleições? E quando escolherem quem vai ser ou não candidato? Escutamos isso como um grande absurdo, mas há seis meses era um absurdo imaginar-se que o Congresso cassaria a voz de um cidadão em pleno exercício do seu direito civil de falar diante de Senadores.

Quando começamos a nos acostumar com os absurdos, eles vão crescendo, e aí, um dia, quando a gente desperta, é tarde. Não é apenas a CPI dos Bingos que está em jogo. É o equilíbrio dos três Poderes que vem sendo ameaçado, que vem sendo desnorteado ao longo dos últimos meses, pelo menos nesses dois anos em que estou aqui. Chegou a hora de a gente dar um basta nisso. Não estou propondo um basta com um grito de independência do Congresso porque não temos o direito; nós queremos o equilíbrio dos três poderes.

O que quero chamar de basta e deixar aqui como minha proposta é que o Colégio de Líderes se reúna para discutir como é que a gente organiza, de fato, as instituições para que elas funcionem equilibradamente. Que a gente mergulhe na Constituição para saber onde estão esse poder do Executivo, esse poder do Judiciário e essa submissão do Congresso.

Acho que a gente deveria fazer um gesto até mais forte. Deveríamos suspender, durante alguns dias, todas a discussões de outros temas e analisarmos, cumprindo a obrigação de Líderes deste País que somos, a defesa da República. Esta exige, sobretudo, o equilíbrio entre os três Poderes. Algo está errado. Alguém disse hoje aqui que não é apenas algo que está errado, mas que tudo está podre. Não, não vou entrar na idéia de podridão. O que quero dizer é que algo está profundamente errado na maneira como as instituições estão funcionando com a Constituição de 1988, diante do comportamento dos Poderes Executivo e Judiciário.

Ouço, aqui, de vez em quando, críticas a governantes que conseguem acumular para si o poder do Legislativo, do Judiciário e do Executivo; por meio de truques, de eleições, mas, consegue.

Quero dizer que aqui não se juntou os Três Poderes num só, mas dois estão muito próximos. Dois estão andando de maneira extremamente próximas e sem o respeito devido ao Congresso.

Até quando vamos continuar dessa maneira, Senadora Ana Júlia Carepa?

Volto a insistir: não estou emitindo juízo de valor sobre nada dessas coisas, até porque, é verdade, foi pedido que se criasse a CPI e, agora, pedem para suspendê-la. Quero dizer que um Congresso que precisa pedir autorização ao Supremo para criar CPI não está funcionando bem. E aquele que não consegue levar adiante a CPI, por decisão do Supremo, não está funcionando bem. Algo está errado.

Deixo aqui a minha proposta: que o colégio de Líderes se reúna - e essa proposta será feita formalmente, não ficará apenas no discurso - e discuta onde estamos errando, onde estão as brechas. Que façamos isso enquanto é tempo, antes que os absurdos, de tão rotineiros, deixem de ser absurdos. Acho que não está longe, porque o que temos visto já é absurdo, e um depois do outro se banaliza. E absurdo banalizado chama-se normalidade. E a normalidade de uma República sem equilíbrio entre os Três Poderes é a normalidade de uma ditadura, seja de pessoas fardadas, seja de pessoas togadas; mas não deixa de ser um regime autoritário.

É preciso que reconstruamos a República, e a responsabilidade está sobre os Líderes dos Partidos; está sobre o Presidente do Congresso, Senador Renan Calheiros.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/03/2006 - Página 8572