Discurso durante a 19ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Interferência dos Poderes Judiciário e Executivo nas ações do Poder Legislativo.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODERES CONSTITUCIONAIS.:
  • Interferência dos Poderes Judiciário e Executivo nas ações do Poder Legislativo.
Publicação
Publicação no DSF de 18/03/2006 - Página 8696
Assunto
Outros > PODERES CONSTITUCIONAIS.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, INTERFERENCIA, EXECUTIVO, JUDICIARIO, ATUAÇÃO, LEGISLATIVO, AUSENCIA, RESPEITO, OPINIÃO PUBLICA, CONGRESSO NACIONAL, MOTIVO, EXCESSO, SUBORDINAÇÃO, RECUSA, DISCUSSÃO, PROBLEMA, INTERESSE NACIONAL.
  • CRITICA, AUSENCIA, IDONEIDADE, ATUAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, DEFESA, INTERESSE, PODER ECONOMICO, DESCUMPRIMENTO, FUNÇÃO, REPRESENTAÇÃO, POVO, NEGLIGENCIA, DIFICULDADE, POPULAÇÃO, NECESSIDADE, LEGISLATIVO, RETOMADA, ETICA, CONDUTA, DISCUSSÃO, FALTA, SEGURANÇA PUBLICA, PAIS, DESEMPREGO, INTERVENÇÃO, EXECUTIVO, EXCESSO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), INTERFERENCIA, JUDICIARIO, ESPECIFICAÇÃO, IMPEDIMENTO, DEPOIMENTO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BINGO, SUSPENSÃO, CONVENÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesses últimos dias, de ontem para hoje, aliás, temos discutido assunto extremamente importante, que é a intervenção do Poder Judiciário com o Poder Executivo no Poder Legislativo. E não há dúvida de que isso não pode continuar. Essa realidade tende a desfazer o equilíbrio entre nossas instituições e, com isso, desfazer o que caracteriza uma república. Não temos falado na importância desses últimos dias aqui sobre o porquê desse desequilíbrio que sentimos ultimamente: nesses últimos meses, nesses últimos anos em que surgiu a aliança de um Poder com o outro contra o terceiro. E esse terceiro Poder, hoje submetido a quase uma ditadura, é aquele que, de fato, representa o povo brasileiro: o Congresso. Por isso, creio que deveríamos perguntar-nos o porquê da submissão do Congresso, o porquê da perda de influência, o porquê de hoje sermos governados por medidas provisórias do Poder Executivo e por mandados judiciais do Poder Judiciário, o porquê de ser proibida a consulta aos membros do PMDB, de ser suspensa por um tribunal, por um juiz isolado. É isso que, a meu ver, Presidente, já não é apenas intromissão, mas deboche. O que a justiça fez ao interromper, Senador Mão Santa, já é um deboche, já não é mais nem uma intervenção. Por quê? Essa é a pergunta. Por que conseguem fazer isso? Por que o voto de líderes como V. Exª já não vale nada? Por que o mandato não é respeitado? Por que uma assinatura de um juiz monárquico consegue impedir a decisão de líderes nacionais que se juntaram para fazer uma consulta às bases? Que bases? Vinte e três mil, se não me engano, de líderes, cada um deles com uma liderança, por que essa liderança não vale mais nada, Senador? Estamos nos perguntando não o porquê, mas como fizeram. Quero me perguntar por quê. E acredito que o Poder Judiciário e o Executivo fazem essa intervenção porque perdemos o respeito diante da opinião pública. E perdemos por duas razões: a primeira é que, de tantos nos submetermos àquilo que determinam, vai-se perdendo o respeito, e segundo porque o povo não está vendo esta Casa como representante dele. Porque se discute exaustivamente, mas não os problemas concretos que afligem o nosso Povo.

Senador, acredito que aqui deveria ter um painel com o nome de todos os desempregados do Brasil, para que o Senado se lembrasse a cada instante quantos milhões de brasileiros estão desempregados. Deveríamos ter aqui um anúncio dizendo quantas crianças estão fora da escola; quantas não terminam o ensino médio; qual o número de analfabetos. Deveríamos nos lembrar todos os dias da aflição do povo brasileiro, mas não lembramos; ao não lembrarmos, não oferecemos alternativas e, ao não oferecer alternativas, não somos respeitados; ao não sermos respeitados, o Supremo Federal faz o que quer conosco, e o Poder Executivo manda para cá as medidas provisórias que quer.

Só para dar o exemplo de uma despreocupação: estamos numa guerra civil neste País e não trazemos esse assunto para cá. Refiro-me à guerra civil que custou, de 1980 para cá, 800 mil mortos. Para dar o número exato, de acordo com as estatísticas do IPEA, foram 794 mil assassinatos nesses últimos vinte e cinco anos. Isso dá quatro assassinatos por dia. Isso faz com que nós, enquanto estamos discutindo aqui essas coisas, um número significativo de assassinatos ocorreu. Ao longo dessa semana, em que gastamos tanto tempo discutindo uma coisa importantíssima, como a proibição de um depoimento na CPI, nesse mesmo período, um número bastante grande de brasileiros foi assassinado. Há uma guerra civil com características de genocídio. Se formos olhar quais as vítimas, veremos que são, sobretudo, pobres, negros e jovens e não discutimos esse assunto.

E o povo percebe o que de nós? Que não estamos sendo a Casa do povo. E pior: em conseqüência disso, que estamos sendo uma Casa desrespeitada por um Presidente que manda medidas provisórias todo o tempo e um Poder Judiciário que impede o livre exercício desta Casa.

Por isso, além de ter esses anúncios aqui, que podem tomar como uma metáfora, obviamente, não como uma proposta concreta, até porque temos também a ditadura dos arquitetos e, se quisermos colocar um anúncio diferente, provavelmente, não será permitido, nós temos de trazer os problemas do povo aqui para dentro, do dia-a-dia, e discutir questões importantes, como a intervenção do Poder Judiciário, nos intervalos da discussão dos verdadeiros problemas deste País. Se a gente não fizer isso, o Poder Judiciário e o Poder Executivo continuarão interferindo e continuaremos sem o apoio popular para enfrentarmos esses outros dois Poderes. Mas quero ir além na nossa pergunta. Por que a gente não gasta tempo aqui discutindo os assuntos concretos da vida do povo? Por que, Senador Alvaro Dias? Porque continuamos uma Casa com pouquíssima diferença do que havia no tempo do Império. Esta é uma Casa em que se trata dos nobres, não de cidadãos; esta é uma Casa que cuida dos organizados, dos grupos corporativos, seja de trabalhadores ou de empresários. Esta não é a Casa que realmente represente o povo. Basta dizer que, até por uma razão que possamos justificar do ponto de vista do funcionamento, aqui só entra de gravata. Sem gravata, no máximo, pode-se ficar ali em cima, olhando. Não há razão que justifique a Casa do povo exigir gravata. Mas existe um simbolismo nisso, qual seja o de que esta não consegue ser a Casa da imensa maioria do povo brasileiro.

Nós continuamos a ser os representantes de uma casta da população brasileira, tanto hoje como no tempo do Império, em que não havia participação de negros escravos nem a discussão dos assuntos deles, até quando se fez a Lei da Abolição, mesmo assim incompleta, porque se libertou, mas sem dar terra, escola; não se tomaram medidas para um desenvolvimento que gerasse emprego. Foi uma abolição incompleta. E essa realidade continua até hoje.

Por isso, volto a insistir em algo que falei esta semana, aqui. Está na hora de esta Casa não apenas discutir a cada tipo de intervenção do Poder Judiciário aqui dentro, como se fosse um soluço. Está na hora de tomarmos uma decisão séria. Não estou propondo nenhuma revolução, nenhuma revolta, mas colocarmos, Senador Arthur Virgílio - V. Exª, como um dos Líderes -, o colégio de Líderes para se sentar e discutir por que estamos nesta posição de grande instabilidade.

Volto a insistir: o que não é óbvio vira óbvio se repetido muitas vezes. Por enquanto, nós nos revoltamos com o fato de um juiz impedir um depoimento aqui. Mas, depois da segunda, da terceira, da quarta vez, nem surpresa vamos ter. Estamos surpresos porque o Superior Tribunal de Justiça proibiu a prévia do PMDB. Mas, daqui a pouco, de tantas proibições de prévias, um dia decidirão suspender as eleições, porque algum argumento alguém vai utilizar para dar uma liminar suspendendo as eleições. E aí talvez seja tarde demais para conseguirmos tomar o poder que esta Casa tem de ter para que a democracia funcione.

O colégio de Líderes, ao mesmo tempo em que tem de discutir onde são as brechas constitucionais que provocam essa instabilidade, deve colocar ao lado a discussão, com uma autocrítica, de onde é que estamos errando na nossa agenda para que o povo não nos dê o suporte de que precisamos para enfrentar o Poder Judiciário, o Poder Legislativo. Não para sermos superiores a eles, mas para mantermos o equilíbrio entre os Poderes, sem o que não há democracia.

É preciso trazer para a nossa agenda os problemas do povo. Temos que discutir a situação desta guerra civil que o Brasil vive, para a qual estamos fechando os olhos. Oitocentos mil mortos em 25 anos é mais do que a Guerra do Vietnã matou de soldados norte-americanos em igual período. É quase igual a todos os últimos genocídios a que assistimos, raros, na África. Assistimos calados, como se nada tivesse a ver conosco, como se apenas os atos absurdos ainda dos juízes - absurdos enquanto não se repetem muito - tomassem e justificassem o nosso tempo.

Eu esperei até aqui, Sr. Presidente, para fazer, neste último dia da semana, esta manifestação.

Não podemos deixar que continue a intervenção do Poder Judiciário e do Poder Executivo sobre a Casa que representa o poder do povo. Mas, só discurso isolado do sentimento, da alma do povo brasileiro, pouco vai adiantar. Se só reclamamos, não vencemos. Se não descobrirmos onde estamos errando, não teremos o apoio do povo para vencer.

Está na hora de percebermos que eles usam essa força graças à nossa fraqueza, que vem do fato de que esta é a Casa do povo, mas ele não a reconhece como tal porque a nossa agenda não é a agenda do povo. Está na hora de descobrirmos quais são as brechas constitucionais que impedem o bom relacionamento entre os Poderes, que permitem que juízes façam deboche com esta Casa. Não é mais interferência, e sim deboche o que fizeram ao suspender as prévias do PMDB.

Falo com a maior tranqüilidade, porque, do ponto de vista do meu Partido, Senador Alvaro Dias, é positiva essa suspensão. Se não fizerem as prévias do PMDB, todos os seus membros e votantes desaguarão no candidato de outros Partidos. Se o nosso companheiro Jefferson Péres for o candidato do PDT à Presidência, é certo que receberá os votos que o Garotinho e o Rigotto têm para si. Eles votarão em quem? Na ótica do PDT, do ponto de vista oportunista, o juiz que suspendeu a prévia fez um favor, mas, do ponto de vista dos interesses nacionais, prestou um grande desfavor. E estou aqui não para representar um partido, mas para representar um sentimento que tenho do que o povo brasileiro quer. Ele quer ver uma Casa forte, mas, para isso, é preciso que ela represente bem o povo brasileiro. E não estamos fazendo o nosso dever de casa com a correção que o povo que nos elegeu merece.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/03/2006 - Página 8696