Discurso durante a 33ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com futuro das crianças e adolescentes no Brasil em decorrência da banalização da mentira e da miséria.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Preocupação com futuro das crianças e adolescentes no Brasil em decorrência da banalização da mentira e da miséria.
Publicação
Publicação no DSF de 04/04/2006 - Página 10832
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, EFEITO, EDUCAÇÃO, CIDADANIA, CRIANÇA, PERDA, REPUTAÇÃO, CLASSE POLITICA, DIRIGENTE, PAIS.
  • GRAVIDADE, NEGLIGENCIA, OCULTAÇÃO, GUERRA CIVIL, BRASIL, CRIME ORGANIZADO, TRAFICO, DROGA, VIOLENCIA, ALCOOLISMO, PROSTITUIÇÃO, VITIMA, CRIANÇA, CONCLAMAÇÃO, MOBILIZAÇÃO, RETOMADA, RESISTENCIA, OPOSIÇÃO, EXPLORAÇÃO, INFANCIA.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos nos lembramos que o Governo do Presidente Lula começou sob a ótica de fazer uma inversão nas prioridades. Lamentavelmente, o que estamos vendo é uma inversão nos valores.

Muitos aqui têm analisado os eventos das últimas semanas na perspectiva política. Eu quero dizer que, na minha obsessão, estou preocupado, Senador Alberto Silva - V. Exª também tem essa obsessão -, com as conseqüências de tudo isso sobre a educação das nossas crianças. Como está chegando à cabeça das crianças brasileiras a idéia de que os Ministros mentem? De que o Presidente da Caixa Econômica abre um inquérito dando quinze dias para apurar quem fez algo que ele tinha feito? Como fica na cabeça dos nossos jovens - não falo mais de crianças apenas - o conhecimento de que altas autoridades fazem uma brincadeira, uma leviandade, um jogo e uma mentira dessas? Como é que fica o fato de um ministro da importância do Ministro da Fazenda dizer que não foi a uma casa e depois ficar comprovado que foi? E, para tentar desmentir quem provou que ele foi, feriu o sigilo bancário de maneira absolutamente ilegal e negou que o fez durante bom tempo, até que se prova que o fez.

Isto está acontecendo agora. Mas, se retrocedermos o tempo, observaremos uma sucessão de erros, banalização da mentira por parte de autoridades brasileiras. E essa banalização vai ter um custo duradouro na imaginação dos nossos jovens e das nossas crianças, que tendem a imitar naturalmente esses personagens ou encontrar neles a justificativa para fazer o mesmo, mentindo a seus colegas no processo educacional.

Mas não é essa a única banalização que vemos no Brasil de hoje. Cada vez que, na noite de domingo, se assiste ao Programa Fantástico, percebe-se a banalização de uma tragédia. Há dias, vimos a banalização de uma guerra civil que o Brasil vive sem dizer que vive. É outra mentira que se tem visto no Brasil: o silêncio diante do fato de estarmos vivendo uma guerra civil, com 800 mil mortos nos últimos 25 anos. E vemos isso todos os dias na televisão. Ou, em um domingo, no programa Fantástico, vemos o noticiário de crianças no tráfico, usando da violência, como vimos na referência ao livro e ao vídeo Falcão - Meninos do Tráfico, que amanhã, aliás, será apresentado e debatido, com a presença dos autores, na Comissão dos Direitos Humanos e Legislação Participativa.

Pensávamos já ter visto tudo, mas, ontem, vimos crianças e adolescentes de 10 a 15 anos alcoólatras no nosso País, no nosso Brasil. Depois, vemos manchetes no jornal falando da prostituição infantil, do trabalho infantil e do fracasso da educação no Brasil. E vamos acostumando-nos de tal maneira com a banalização da tragédia, como estamos acostumando-nos com a banalização da mentira no processo político brasileiro.

Pergunto-me: quando e como é vamos romper com essa banalização? Quando e como vamos despertar para retomar a indignação nacional com esses fatos? Este País viveu uma indignação com o regime militar, durante anos e anos, que mobilizou a sociedade e criou aqui um grupo de autênticos lutando pela democracia, porque, felizmente, não deixamos que os crimes da Ditadura fossem banalizados na opinião pública; felizmente, não deixamos que aqueles atos autoritários se transformassem em um processo tão banal que nos deixaríamos de indignar. Nós nos indignávamos com as prisões arbitrárias, nós nos indignávamos com a censura, nós nos indignávamos com o exílio, mas não nos indignamos com a prostituição infantil, com o trabalho infantil, com o alcoolismo infantil, com as mentiras de políticos.

Por que perdemos, Senador Alberto Silva, a capacidade de indignação? O que aconteceu na cabeça de nós todos que passamos a ser tolerantes com o pecado, tolerantes com a maldade, tolerantes com as perversões do processo social brasileiro? Onde erramos nós todos? Em que momento começamos essa virada da tolerância com o pecado, com o crime, com a mentira, com a tragédia social e com a guerra civil que o Brasil vive?

Não sei qual foi o momento. Não sei se algum historiador chegou a fazer um trabalho para identificar em que momento o Brasil saiu da indignação para a tolerância, saiu da resistência para a conivência com que hoje assistimos a tudo de mal que acontece no País. Como não sei em que momento isso ocorreu, prefiro perguntar-me quando vamos mudar isso.

Da mesma maneira que esse Congresso mostrou, com as CPIs, a indignação diante dos absurdos que vimos no processo eleitoral; da mesma maneira que a CPI dos Correios - está aqui o Senador Efraim - manifestou-se com clareza e firmeza, com indignação diante de todos esses fatos, precisamos começar a indignar-nos também, sem precisar de CPIs, porque já sabemos as causas da tragédia social, mas nos indignarmos com o alcoolismo infantil, com a prostituição infantil, com o trabalho infantil, com o retrocesso que o Brasil vive em relação aos outros países em matéria de educação, porque, até quando melhoramos, o fazemos muito mais devagar do que os outros países, que estão nos deixando para trás.

Faz duas semanas, falei aqui sobre um programa do Fantástico, em relação à violência nas e das crianças, com o racismo implícito ali porque todas as crianças vítimas e causadoras de violência eram negras, e todos que foram chamados à televisão para analisar os fatos, como doutores, eram brancos. Duas semanas atrás eu falei sobre isso. Hoje volto com o mesmo assunto. Sou capaz de, daqui a uma semana ou duas ou três, acreditar que esse tema não merece mais ser comentado. Sou capaz de também entrar na banalização dos fatos e na aceitação dos fatos trágicos da sociedade brasileira.

No entanto, creio que, quando este Congresso cair, de uma maneira irreversível, na aceitação da banalização do mal e perder, de uma vez por todas, a capacidade de indignar-se, ele vai dar prova de que não merece mais existir; vai passar para a opinião pública que esta Casa é um Ente desnecessário de tão tolerante. Nesse momento, o pior é que o que virá será pior ainda, porque mesmo um Congresso tolerante ainda é capaz de despertar, mas um Congresso fechado por um regime ditatorial, de militar ou de civil, não abre por ele próprio.

Por isso, volto a afirmar - enquanto a banalização não me corrompe naquilo que julgo de mais fundamental, que é a capacidade de indignar-me com o que está errado -, insistir, cobrar e manifestar a minha impotência de transformar palavras em ações concretas, no que se refere à construção de um grupo de Senadores que se rebele não contra o Governo apenas, não contra o modelo econômico apenas, mas que se rebele contra a incapacidade de indignação diante do mal, dos erros e de todas as perversões sociais...

O SR. PRESIDENTE (João Alberto Souza. PMDB - MA. Fazendo soar a campainha.) - Conclua, Senador.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - ... que vimos todos os dias e que, de tanto ver, estamos aceitando como algo impossível de ser modificado.

Ainda é possível mudar. Ainda é possível corrigirmos essas falhas. O primeiro passo é não aceitarmos que elas continuem, é não deixarmos que a indignação vá embora, porque a perda da capacidade de indignar-se é a pior de todas as corrupções de um homem público. Por isso, espero que não deixemos que a banalização nos corrompa.

Sr. Presidente, era o que tinha a dizer, dentro dos exatos dez minutos que V. Exª me concedeu.

 


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/04/2006 - Página 10832