Discurso durante a 36ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre estudo recente realizado pela pesquisadora Mirian Branovai, sobre a violência nas escolas de todo o país, apresentando dados estarrecedores.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Comentários sobre estudo recente realizado pela pesquisadora Mirian Branovai, sobre a violência nas escolas de todo o país, apresentando dados estarrecedores.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Paulo Paim, Romeu Tuma, Sérgio Zambiasi.
Publicação
Publicação no DSF de 07/04/2006 - Página 11250
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, ESTUDO, PESQUISADOR, ENCOMENDA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO), ANALISE, VIOLENCIA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, BRASIL, APRESENTAÇÃO, DADOS.
  • REGISTRO, INFERIORIDADE, PARTICIPAÇÃO, CONGRESSISTA, REUNIÃO, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, DEBATE, FILME DOCUMENTARIO, VIOLENCIA, FAVELA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), PROTESTO, CANCELAMENTO, AUDIENCIA PUBLICA, DISCUSSÃO, PROSTITUIÇÃO, INFANCIA, MOTIVO, AUSENCIA, MINISTRO DE ESTADO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Alvaro Dias, Srªs e Srs. Senadores, todos no Brasil temos estado estupefatos, como disse alguém recentemente, diante daquele famoso vídeo - já ficou famoso - que passou no Programa Fantástico, intitulado “Falcão - Meninos do Tráfico”. Eu mesmo já estive aqui falando sobre isso, assim como outros Srs. Senadores o fizeram.

Hoje, no entanto, Senador Paulo Paim, vim falar de outra violência que está clandestina, escondida, e que não aparece no Fantástico com tanta ênfase quanto o vídeo: é a violência nas escolas do Brasil, que acontece não daquela forma tão brutal, como vimos entre crianças vítimas do tráfico, mas que é igualmente grave.

Venho falar de um estudo recente do ano 2002 - é recente, mas alguma coisa já poderia ter sido feita nesse período - de uma pesquisadora muito importante chamada Miriam Abramovay, que participa da coordenação, fixem bem, do Observatório de Violência nas Escolas no Brasil; ou seja, assim como existe um observatório da violência na Palestina e no Iraque, há um observatório no Brasil para prestar atenção à violência nas escolas. E ela apresenta dados estarrecedores, tanto quanto aqueles que vimos no documentário “Falcão”. A diferença é o público da violência, as características sociais e raciais e o fato de não chegar tão facilmente ao Fantástico, porque está diluído, não está concentrado, nem tem aquela brutalidade tão forte.

Veja os dados, Senador Paulo Paim. Ela fez uma pesquisa com 33 mil alunos em 14 capitais brasileiras, e a primeira conclusão é de que São Paulo e o meu Distrito Federal são as cidades que apresentam maior índice de violência nas escolas. Repito: as cidades onde há maior violência nas escolas são São Paulo o Distrito Federal.

Segundo esse documento, feito para a Unesco, o Brasil é o segundo país do mundo em número de mortes violentas entre os jovens, só perdendo para a Colômbia.

Se prestarmos atenção ao que diz essa pesquisa, no Brasil, a partir das estatísticas de óbitos conseguidas no SUS, um jovem entre 14 e 24 anos tem duas vezes mais chances de morrer de forma violenta do que alguém mais velho. E não se trata apenas de morte, pois ela também identificou em relação às escolas ameaças, roubos, violência física, depredação e estupros. E isso acontece, passa, não chega ao Fantástico, mas tem de chegar ao Senado Federal.

Por isso, estou trazendo para esta Casa uma pesquisa que só é lida por pessoas da área da educação, da violência, por acadêmicos, por organizações não-governamentais e institutos internacionais, como Unicef e Unesco. É uma tentativa, mais uma vez, de despertar para esse problema, apesar das frustrações que tenho sentido na dificuldade de mobilizar esta Casa.

Anteontem, o Senador Paulo Paim e eu, respectivamente Vice-Presidente e Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, fizemos uma audiência para nós, Senadores, assistirmos juntos ao vídeo “Falcão - Meninos do Tráfico”. Só estávamos nós dois, o Senador Mão Santa, e alguns três que passaram por lá, assinaram e foram embora.

            Ontem, havia uma audiência convocada para discutirmos o assunto da prostituição infantil no Brasil. Cinco Ministros foram convidados, mas nenhum deles se dignou telefonar para me dizer, como Senador e Presidente, que não viria. Nenhum deles fez isso. Um deles não mandou ninguém; outro mandou alguém do segundo escalão, e os outros mandaram pessoas de terceiro, quarto e quinto escalões. Na hora, eu cancelei a audiência, Sr. Presidente. Cancelei a audiência, primeiro, porque seria uma conversa entre pessoas que lutam contra o assunto e não com os Ministros, para podermos saber o que eles estão fazendo e o que vão fazer a respeito. Cancelei a audiência e vou levar o assunto à Comissão para fazermos outra. Na próxima - conto com o habitual apoio de V. Exª como Vice-Presidente -, em vez de chamarmos Ministros, devemos chamar as meninas prostitutas para que falem pela televisão, para que digam pela TV Senado o que os Ministros não quiseram ouvir aqui de organizações não-governamentais.

Apesar dessa frustração, insisto mais uma vez que temos de despertar para a maneira como nossos filhos vivem hoje nas escolas que freqüentam. Aquelas crianças que aparecem no vídeo “Falcão” nem à escola vão, e nós esquecemos a violência que estão sofrendo as crianças que vão à escola.

Para termos maiores dados, uma escola Ciep, no Rio de Janeiro, extinguiu dez turmas por causa da violência; ou seja, fecharam as classes porque não era possível manter a educação diante da violência ao redor do aluno e não fora da escola.

Lembro-me de ter lido no jornal que, durante a guerra mais forte do Líbano, pelo menos na época das provas, as diversas facções faziam trégua, para que os meninos pudessem ir tranqüilamente fazer suas provas. No Brasil, não conseguem isso, nem nos dias normais de aula, nem nos dias de exame. Por isso, dez turmas foram extintas em uma escola.

Segundo esse estudo, a violência, somada ao trabalho infantil, aos problemas familiares, à gravidez precoce e à dificuldade de transporte público levou a uma taxa recorde de abandono. De dois mil alunos de 5ª a 8ª séries, no Rio de Janeiro, 42,6% abandonaram a escola. É um recorde - talvez, seja um recorde em escala mundial. Ou seja, metade dos alunos abandonou o estudo, por causa da violência, em algumas escolas do Rio de Janeiro.

E não só os alunos são vítimas, mas também os professores. A pesquisa mostra que 46% dos professores da rede oficial do Estado de São Paulo, isto é, quase metade dos professores, sofrem de algum tipo de depressão e de medo, porque já receberam ameaças verbais ou agressões físicas de alunos. Há alunos vítimas e alunos algozes, há os que são vítimas da violência e os que são indutores da violência.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Cristovam Buarque, peço a V. Exª que me conceda um aparte no momento que entender adequado.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Pode falar, Senador Paulo Paim.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Cristovam Buarque, só quero cumprimentá-lo, porque nós, que ficamos no plenário diariamente, assistimos à sua insistência propositiva, afirmativa e positiva de mostrar ao País que a saída passa pela educação. Quero só dar um depoimento: tive a alegria de ser o segundo signatário da sua brilhante iniciativa de transmitir o vídeo “Falcão - Meninos do Tráfico” no Senado da República. Pela TV Senado, o Brasil todo assistiu ao vídeo. V. Exª está de parabéns! A repercussão é nacional. Mas quero só concluir, dizendo que fui convidado para um debate sobre educação na Bahia e que perguntei quem seriam os convidados. Não vou listar os nomes dos Senadores, mas fiquei muito feliz em saber que, entre as 16 pessoas, está V. Exª. Quando vi seu nome, confirmei minha presença. Vou a Salvador em maio para discutir a educação. O que me disseram? Serão intelectuais, pensadores, mas queremos também alguém mais ligado ao chão das fábricas. Estarei lá, com certeza, para aprender com V. Exª que a saída deste País é, de fato, a educação.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço-lhe, Senador Paulo Paim, mas não tive nada a ver com seu convite. V. Exª, certamente, foi convidado não só pela sua visão de chão de fábrica, mas por algo de que também vou falar aqui: V. Exª tem-se preocupado muito - e também o Senador Romeu Tuma, que aqui está - com o problema das drogas. Depois da violência, a droga é que está destruindo as escolas no Brasil. E mais: a droga está provocando a violência.

Alguns dados dessa pesquisa são surpreendentes: com relação à presença de drogas dentro da escola, a comparação dos dados referentes a esses fatores mostra que o número de alunos que afirmam ter presenciado o uso de drogas é duas vezes superior ao que dizem os professores e os técnicos. Só para fechar essa questão, quero dizer que 23% dos alunos dizem que já viram drogas dentro da escola, ou seja, em cada quatro alunos, um já viu a droga ou já a usou. Essa é uma afirmação, uma percepção muito grave. O pior é que, no que toca aos pais, apenas 3% dizem que sabem disso. E, se os pais não têm conhecimento disso, não vamos conseguir corrigir o problema.

Digo isso ao Senador Paulo Paim, porque S. Exª convocou uma audiência para discutirmos o assunto da droga e levarmos ao Presidente Renan Calheiros a proposta de uma audiência, no Senado Federal, de diversas Comissões juntas.

A droga e a violência não vão permitir uma boa educação, mesmo que destinemos dinheiro à escola e que formemos os professores. E não estamos percebendo isso ou percebemos no caso da gravidade chocante daquele vídeo. Fiz questão de falar sobre isso aqui e volto a dizer: aquilo é um pedacinho do iceberg.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me concede um aparte.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Concedo o aparte ao Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Cristovam Buarque, ainda ontem, fiz aqui um pronunciamento enaltecendo sua iniciativa de convidar o MV Bill e o Celso Athayde para, aqui, estarem juntos na apresentação do documentário “Falcão - Meninos do Tráfico”, que considerei muito significativo e importante. Infelizmente, não pude assistir inteiramente à apresentação do vídeo e ao debate por causa da minha responsabilidade na CPI, que, naquela manhã, também se desenvolveu, até muito longamente. Mas conversei com o MV Bill, o Mensageiro da Verdade, por ocasião do lançamento do seu livro em São Paulo, e o fiz para dar força a esse trabalho. Conheci o MV Bill quando, há cerca de um ano e meio, fui a uma apresentação de rap, numa das áreas periféricas, perto de Pedreira, junto a Diadema, no Município de São Paulo. No lançamento de seu livro, ele meu deu a triste notícia de que o organizador daqueles festivais de rap da região fora assassinado, mais um, neste último carnaval. Também ontem comentei - e queria aqui refletir com V. Exª, que, possivelmente, tenha lido a matéria - que, na Folha de S.Paulo, saiu um comentário de outra das principais lideranças do rap, do hip-hop, o Ferréz, que apresentou a seguinte questão: “Será que a apresentação, no Fantástico, daqueles episódios de tamanha violência nos vão ajudar aqui, na favela?”. Respondi que achava muito saudável que pudesse ser apresentado aquele documentário, mas também as outras coisas positivas, como as feiras e os festivais de rap, que têm ocorrido nas grandes cidades, como no Rio de Janeiro, em São Paulo e também em Brasília. Mas cumprimento V. Exª por ter trazido essa reflexão. Precisamos estar conscientes da necessidade urgente de levar aos jovens a educação e também alternativa que não aquela de se tornarem membros, “aviõezinhos” ou “falcões”, das quadrilhas de narcotraficantes, quando seus pais não têm alternativa adequada do direito à vida, à sobrevivência. Meus cumprimentos, Senador Cristovam Buarque.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Sr. Presidente, tenho de conceder apartes ao Senador Sérgio Zambiasi e ao Senador Romeu Tuma e gostaria, ainda, de fazer a conclusão e os comentários.

O SR. PRESIDENTE (Alvaro Dias. PSDB - PR) - Estamos concedendo mais dois minutos a V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Então, V. Exª terá 30 segundos, Senador Romeu Tuma.

O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP) - Vou ser rápido. Primeiramente, quero dizer que eu estava a caminho daqui quando ouvi a reclamação de V. Exª, com justa razão. Também me queixei da impossibilidade de a maioria dos Senadores comparecer a eventos importantíssimos como os que V. Exª descreveu da tribuna. É uma angústia profunda! Hoje, por exemplo, com a convocação do Senador Paulo Paim, das comunidades indígenas, pedi licença a S. Exª, porque me estavam chamando na Comissão de Relações Exteriores, onde, secretamente, a pedido do Senador Eduardo Suplicy e do Senador Heráclito Fortes, estava o Embaixador que cuidou do desaparecimento do nosso engenheiro. Falei, outro dia, que temos de disciplinar os horários, porque há coisas importantes a serem tratadas, como a questão referente às crianças, aos “falcões”, à droga. Ontem, quando a Senadora Heloísa Helena falava, um jornal publicou que o MV Bill tinha de ser processado porque assistiu a um crime. Ninguém tem o alcance do que representa esse filme, como V. Exª descreve aí. V. Exª e o Senador Paulo Paim têm procurado dar uma dimensão, dentro do Senado, dos grandes problemas sociais do Brasil, e ficamos desesperados por não podermos acompanhá-los. Estou me justificando e pedindo perdão porque, depois, consultando as notas taquigráficas, consigo entender alguma coisa, mas não é como ouvir a pessoa ao vivo, com a vibração da alma, explicando todos os dramas por que passa. Cumprimento V. Exª pelo discurso. Gostaria que pudéssemos sentar para discutir o assunto.

O SR. PRESIDENTE (Alvaro Dias. PSDB - PR) - Senador Cristovam Buarque, V. Exª tem mais dois minutos.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Reconheço, Senador, que temos dificuldade em muita coisa nesta Casa. Em seu caso, sem dúvida alguma, era outra a atividade, mas reconheço que há também uma primazia de atração do setor econômico, do setor de investigações sobre o setor social no Brasil. Há uma tendência a se preferir assistir aquilo que diz respeito à economia, ao Orçamento, à infra-estrutura, à agricultura, à indústria e, por último, ficam as meninas prostituídas. Não é seu caso, sei de sua sensibilidade para esses assuntos.

Sr. Presidente, nunca gosto de me estender, por isso peço ao Senador Sérgio Zambiasi que seja muitíssimo rápido ou, se preferir, deixe para me apartear em outra ocasião, pois voltarei a falar sobre o assunto oportunamente.

O Sr. Sérgio Zambiasi (PTB - RS) - Senador Cristovam Buarque, peço o aparte apenas para ler uma manchete da edição de hoje do jornal de Porto Alegre, Diário Gaúcho: “Tiros e Pânico na Escola”. Veja o quanto é atual o seu tema! Essa é a informação que está na capa do jornal. Essa escola está localizada em uma vila exatamente na linha de tiro da guerra entre traficantes de drogas. Apenas desejo me solidarizar com V. Exª em sua manifestação e mostrar que esse é um problema nacional - é de São Paulo, é de Brasília, é de Porto Alegre - que temos de combater.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço a V. Exª. Não posso deixar de reconhecer que o seu aparte enriqueceu o meu pronunciamento.

Sr. Presidente, peço um minuto para responder ao Senador Eduardo Suplicy. Acho que temos, sim, de falar aqui das coisas boas que estão acontecendo, mas não podemos deixar de dizer que essas coisas boas se manifestam na mesma dimensão e na mesma velocidade do que vem se fazendo no Brasil desde o tempo da escravidão: são pequeníssimos os avanços. Não há uma manifestação clara, enfática e radical de que esses problemas serão resolvidos. Precisamos de uma afirmação: vamos resolver esses problemas. Será em um, dois, três ou cinco anos, mas não de pouquinho a pouquinho, esperando que um dia o problema desapareça, porque dessa forma já fazem as organizações não-governamentais há muito tempo. Precisamos de um Governo que diga, de fato, em quantos anos abolirá esse problema.

Sr. Presidente, vim aqui para levantar essa questão. Agradeço aos Srs. Senadores os apartes. Ainda há muito o que dizer, mas falar muito nem sempre agrega muita coisa.

Obrigado pela generosidade de prolongar o meu tempo.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/04/2006 - Página 11250