Discurso durante a 38ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Citação de exemplos de corrupção psicológica permanente, o que leva a população a pensar que a mentira na política é hábito normal.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Citação de exemplos de corrupção psicológica permanente, o que leva a população a pensar que a mentira na política é hábito normal.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 11/04/2006 - Página 11472
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • AVALIAÇÃO PSICOLOGICA, ATIVIDADE, CORRUPÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), FALSIDADE, CONDUTA, REFERENCIA, DIVERSIDADE, DENUNCIA, TRANSAÇÃO ILICITA, IMPROBIDADE, OMISSÃO, VERDADE, FATO, OBJETIVO, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, INVESTIMENTO, PROGRAMA ASSISTENCIAL, DESCUMPRIMENTO, PROMESSA, EFICACIA, POLITICA SOCIAL, INSUFICIENCIA, APLICAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, EDUCAÇÃO, PROVOCAÇÃO, PERDA, CONFIANÇA, POPULAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • QUESTIONAMENTO, PESQUISA, FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS (FGV), INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), AUMENTO, RENDA, POPULAÇÃO, OPINIÃO, ORADOR, AUSENCIA, REDUÇÃO, POBREZA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Gilvam Borges, Srªs e Srs. Senadores, as pessoas que nos assistem há meses já devem estar cansadas do mesmo tema, que é o problema da ética no comportamento dos políticos. De tanto repetirmos denúncias relacionadas a repetidos atos de corrupção, as pessoas já estão ou cansando ou achando que isso é tão natural que não adianta mais reclamar.

Quero chamar a atenção para o fato de que há outras formas de corrupção. Uma outra ainda mais grave do que a do “mensalão” é a corrupção permanente nas prioridades, Senador Mão Santa, uma espécie de corrupção do “seculão”. Há cinco séculos que temos essa corrupção, em que os recursos públicos não vão para libertar, emancipar, corrigir as distorções que a sociedade brasileira tem. Mas ainda há uma outra corrupção, que é a corrupção psicológica que estamos vivendo. De tanto serem repetidas mentiras estamos criando no imaginário brasileiro, na população, na maneira como todos pensam, sobretudo nos jovens, a corrupção de pensar que não há política sem mentira e que a mentira é a regra a ser seguida por todos os políticos.

É sobre esse tipo de corrupção psicológica, de repetição de mentiras, que quero falar, lembrando algumas bem recentes. Por exemplo, a mentira de dizer que o mensalão não existiu. Isso foi repetido, insistido, quando de fato está aí a prova de que houve o mensalão, de que houve o pagamento repetido a Parlamentares para que votassem conforme o Governo precisava. Não apenas houve mensalão, mas também a mentira de dizer que não houve.

Outro exemplo é a mentira feia da quebra do sigilo bancário do caseiro. A quebra do sigilo foi uma corrupção, porque foi um crime, mas foi também corrupção mentir dizendo que não houve a quebra do sigilo. Como é que a nossa juventude vê o Presidente da Caixa Econômica Federal abrir uma comissão de inquérito, dar o prazo de 15 dias para descobrir quem quebrou o sigilo, se ele próprio tinha quebrado esse sigilo?

A corrupção da quebra do sigilo se alia à corrupção da mentira de dizer que o sigilo não tinha sido quebrado pelo Presidente da Caixa. Depois, houve a mentira de dizer que quem determinou a quebra do sigilo tinha sido o Ministro da Fazenda. Essa mentira pouca gente vê como uma forma de corrupção tão criminosa na política quanto a quebra do sigilo em si é um crime diante do Código Civil.

Mas, no fundo, não são só essas. Se analisarmos mais, há aquela mentira de que as dezenas de milhares de dólares carregados em uma cueca eram para abrir um negócio. Para abrir negócio não precisa carregar dinheiro na mão, quanto mais na cueca, como se viu. É claro que era um crime político o que estava acontecendo ali! É claro que era dinheiro sujo, senão não se carregaria naquele lugar! Mas também há a mentira de se dizer que a finalidade do dinheiro era legítima. Se o dinheiro tivesse sido levado em outro lugar, e não na cueca, a mentira continuaria igual.

Há a mentira de um líder do Partido dos Trabalhadores que disse não ter recebido qualquer benefício de um determinado empresário e, de repente, surpreende-nos por ter na garagem de sua casa um Land Rover doado pelo empresário.

Essa mentira é uma corrupção tão grave naquele que exerce um cargo público quanto receber um presente de um empresário. Mas, às vezes, pensamos que a corrupção é apenas o deslocamento de dinheiro de um lugar para outro, e não a mentira de dizer que esse deslocamento não houve. A mentira na política é uma forma de corrupção tão grave quanto se apropriar do dinheiro público. Acostumamo-nos tanto a ver tudo em função do dinheiro e da economia, que não tratamos a mentira como uma grave forma de corrupção política.

E a corrupção da mentira degrada o sistema político brasileiro, desagrega a confiança no próprio Presidente da República em torno do qual as mentiras têm ocorrido.

Esta semana provavelmente virá aqui o Ministro da Justiça, que está negando que participou do acobertamento, durante alguns dias, da quebra do sigilo. Veja bem, se o Ministro participou daquilo é algo gravíssimo! No entanto, se, além de ter participado, ele mentiu, é uma agravante adicional. E é para esta agravante adicional da mentira que estou chamando atenção aqui: a corrupção na psicologia da opinião pública. Isso passa a ser um exemplo para as crianças na escola, na família, passa a ser um exemplo para a juventude, um exemplo nocivo.

Mas as mentiras que temos visto nos últimos anos não são apenas aquelas relacionadas à corrupção no comportamento dos políticos. Há uma corrupção também na mentira de prometer algo que não será feito ou que não foi feito. E é uma mentira também dizer que se fez o que não foi feito. É outra mentira também dizer que o que foi feito tem um tamanho maior do que se imagina e vai ter. Por exemplo, o Programa Bolsa-Família tem uma dimensão - devemos reconhecer - que é um avanço administrativo em relação ao que fez o Governo Fernando Henrique Cardoso com os seus programas de bolsas. Mas é uma mentira dizer que é um programa emancipador da realidade social do povo brasileiro. O Bolsa-Família, se não vier acompanhado, Senador Mão Santa, de um programa educacional revolucionário para todos, continuará sendo para sempre um programa de assistência, exigindo cada vez mais recursos e produzindo cada vez menos efeito. É uma mentira dizer que o Bolsa-Família, como está, resolverá qualquer problema do Brasil. E essa mentira é tão grave quanto mentir dizendo que não tem nada a ver com a quebra do sigilo bancário do caseiro.

Mas não é só essa. A lista é tão grande, que não dará tempo de lê-la aqui. A miséria em queda foi apresentada pelo Governo como um grande fato, mas o que se viu não foi a redução da miséria. O que os documentos mostraram nas pesquisas feitas por órgãos importantes, como a Fundação Getúlio Vargas e o Ipea, é que houve um aumento na renda da população mais pobre no valor de R$6,00. Primeiro, aumento de renda...

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Cristovam Buarque, V. Exª me permite um aparte?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Um momento, Senador Mão Santa.

Primeiro, aumento na renda em si não significa redução da pobreza, a não ser que seja tirando na loteria. Um aumento de 10%, 15%, 20%, 30%, 50%, 100% na renda de uma população muito pobre não a tira da pobreza. O que tira da pobreza é uma melhora de 100% na qualidade da escola, é uma melhora de 100% no atendimento da saúde, é uma melhora de 100% no atendimento de água e esgotos. Além disso, dizer que um aumento de R$6,00 é uma redução da pobreza é uma mentira publicitária querendo enganar a população. E essa mentira é uma forma de corrupção tão grave quanto pegar dinheiro do setor público e usar para pagar mensalão.

Concedo um aparte ao Senador Mão Santa, pedindo ao Sr. Presidente, Senador Gilvam Borges, que seja um pouco generoso.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Sr. Presidente, Senador Gilvam Borges, estou lendo um livro de Rudolph Giuliani, que foi prefeito de Nova York durante oito anos. Ele seria candidato a Senador, mas teve um câncer de próstata no final do Governo e decidiu cuidar da saúde, daí a vitória de Hillary Clinton. Ele foi tido como o maior líder dos últimos tempos. Governou e mudou a cara de Nova York no que diz respeito à criminalidade, à educação. Dispunha de bolsas de assistência - nos Estados Unidos há várias -, mas seu grande reconhecimento veio do fato de cadastrar as pessoas e de guiá-las para o trabalho: limpar parques, ser funcionário público, zelador. É o trabalho. Não é como se faz aqui: dar bolsas com a possibilidade de ganhar uma reeleição. Rudolph Giuliani, prefeito de Nova York pelo Partido Republicano, tornou-se o maior líder de todos os tempos. Ele transformou tudo em trabalho, que dignifica e faz o homem crescer. O grande mérito de seu governo foi profissionalizar as pessoas, encaminhá-las para o trabalho. É essa a saída. É até uma inspiração de Deus, que disse: “Comerás o pão com o suor do teu rosto”. O Apóstolo Paulo foi mais firme ao dizer que quem não trabalha não merece ganhar para comer.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço ao Senador Mão Santa o comentário. Eu nem quis aqui comentar as vantagens e desvantagens do programa assistencial da Bolsa-Família, quis aqui comentar a corrupção ao se dizer que esse programa vai reduzir a pobreza. Ele assiste aos pobres e, nesse sentido, não há por que criticar. Mas a minha crítica é por se dizer que ele vai resolver o problema da pobreza.

Resolveria se, como a Bolsa-Escola era, vinculasse isso a uma melhora na qualidade da educação dos filhos dessas famílias.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

 

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Para continuar listando - é uma lista imensa e não tenho tempo -, queria lembrar que é, sim, um grave ato de corrupção fazer promessas que não podem ser cumpridas depois de ganhar-se uma eleição. E esse não é um privilégio do atual Governo, mas no atual Governo temos de denunciar.

Nós não estamos vendo o cumprimento do programa feito na campanha, não estamos vendo isso nas áreas a que nos propúnhamos - este País inteiro - dar o voto ao Presidente Lula, não estamos vendo o Brasil caminhar para sair do seqüestro daqueles que recebem recursos públicos, saindo também da partição, da divisão de uma minoria privilegiada como nós e uma imensa maioria pobre. E essa maioria pobre não vai sair da pobreza a partir apenas desses projetos.

Não vimos o cumprimento da idéia de que toda criança tem direito a uma vaga na escola a partir dos quatro anos; não vimos o cumprimento de que os professores no País merecem ter um salário satisfatório, que os ponha na categoria dos mais bem remunerados e, então, exigir deles a maior dedicação ao produto, que é a criança educada.

Da mesma maneira, é uma mentira que é dita e repetida em publicidade na televisão, aliás, uma mentira que vem acompanhada e não sozinha de que o Fundeb vai dar R$4,5 bilhões. Claro que não serão R$4,5 bilhões! Graças às reformas feitas na Câmara, chegará a R$1,9 bilhão.

Mas o pior é dizer que esses R$4,5 bilhões, que não virão, serão capazes de mudar a realidade da educação brasileira. Não serão capazes disso. É uma mentira, somada a outras mentiras, como a mentira do Land Rover, a mentira do mensalão, a mentira do dinheiro na cueca, e todas as mentiras ditas e repetidas nas publicidades do Governo como instituição, pagas com dinheiro público, ou ditas na boca das pessoas do Governo. Isso está provocando a corrupção adicional e nós, povo brasileiro, de tantos nos acostumarmos a ver nossos líderes mentindo, começaremos a tratar isso como uma banalidade, como algo normal, como algo que aquele que não faz é quem está errado.

Aí chegaremos a uma situação mais grave ainda, em que toda a população brasileira, de tão acostumada à repetição das mentiras, começará a mentir para si mesma e participar do processo eleitoral mentindo para o Brasil inteiro, votando nos mesmos.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/04/2006 - Página 11472