Discurso durante a 40ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem de pesar pelo falecimento do filósofo e jurista Miguel Reale.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem de pesar pelo falecimento do filósofo e jurista Miguel Reale.
Aparteantes
Alvaro Dias, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 18/04/2006 - Página 12202
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, MIGUEL REALE, JURISTA, INTELECTUAL, PROFESSOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, DEPOIMENTO, MIGUEL REALE, JURISTA, ARTIGO DE IMPRENSA, PRESIDENTE, ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL), PROFESSOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PUBLICAÇÃO, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Ilustre Presidente desta sessão, Senador Tião Viana, Srs. Senadores Paulo Paim e Mão Santa, senhoras e senhores integrantes do Senado Federal, faleceu, na Sexta-feira Santa, o Professor Miguel Reale.

            Eu o conheci aos 22 anos, estudante e Presidente do DCE, em 1962, nas Arcadas, isto é, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, escola irmã-siamesa, posto que foi criada pela mesma lei, da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, na qual tive a honra de diplomar-me.

Miguel Reale, nasceu em São Bento do Sapucaí, Estado de São Paulo, em 1910. Em 1934, já era bacharel em direito e, apenas seis anos após, aos 31 anos, em 1941, tornava-se de professor catedrático de Filosofia do Direito, por concurso, naquela Faculdade, com a tese “Os fundamentos do Direito”, obra que se completou no seu livro Filosofia do Direito, a primeira de várias edições em 1953, traduzido e muito citado em francês, espanhol e italiano, entre outras línguas.

            Impossível falar em poucos minutos, Sr. Presidente, sobre a fecunda vida de Miguel Reale e analisar a sua vasta obra. Ele dissertou a respeito de tudo, de A a Z. Destaque-se a contribuição que ofereceu à filosofia, à ciência jurídica, à literatura em geral, através de palestras e aulas que proferiu e dos mais de setenta livros que produziu ao longo de sua atividade docente e do seu magistério cívico. Apenas para exemplificar, cito nesse campo a teoria tridimensional do Direito, que, por ele, de forma inovadora, foi adequadamente conceituada.

Esta teoria como se sabe, difere da teoria tridimensional de Wilhelm Sauer, filósofo alemão, porque, para Reale fato, valor e norma não são um movimento trifásico e, estão, sim, incluídos entre si e desenvolvem-se integrados. Daí que a teoria tridimensional do professor brasileiro logo alcançou muito maior repercussão do que a do filósofo alemão.

Sobre este assunto, inclusive, Sr. Presidente, anexo ao meu discurso texto recente do mestre Reale que expõe de maneira muito sintética a sua concepção dessa teoria tão importante para a compreensão do fenômeno jurídico em toda sua extensão e em toda sua integralidade.

No campo político, Reale, sobretudo nas duas últimas décadas, revelou-se um autêntico liberal social. Profundo conhecedor da obra de Norberto Bobbio, saudou o mestre italiano em sua visita ao Brasil, ocorrida em 1983, destacando, na ocasião: “um dos mais relevantes legados do seu fecundo magistério foi o reconhecimento de que liberdade e igualdade são valores necessariamente complementares”, o que o fez, a exemplo do que já fizera Carlos Rosselli, na longínqua década de 1930, optar pelo “socialismo liberal”, após várias experiências intensamente vividas, como a do marxismo e da social-democracia. Liberalismo e socialismo, a seu ver, não são ideais ou idéias contrapostas, mas que devem, ao contrário, se conciliar entre si, na medida em que o permitam as variáveis situações históricas de cada povo.”.

Mais adiante, ressaltou Reale: “No meu entendimento, todavia, se liberalismo e socialismo convergem no sentido de uma solução conciliadora, tanto o ‘socialismo liberal’ como o ‘liberalismo social’, de minha preferência apontam para o centro superador do conflito das ideologias. É essa a conclusão a que chego - conclui Miguel Reale - em meu livro O Estado Democrático de Direito e o Conflito das Ideologias”.Esse livro foi editado pela Editora Saraiva em 1999.

Aliás, é importante sempre ter presente, a propósito do assunto, a lúcida observação de Alcide De Gasperi - um grande pensador italiano, assim como Bobbio e, de alguma forma, como foi Reale - o democrata tem idéias e não, ideologia.

Se é certo que Norberto Bobbio não chegou a admitir ser possível a existência de um socialismo liberal, não descartou uma solução de compromisso capaz de assegurar a liberdade e a busca da igualdade, esta entendida como hoje se denomina de princípio da proporcionalidade.

No seu último artigo, em 25 de março passado, no O Estado de S. Paulo, cujas páginas Miguel Reale freqüentava com excelentes textos publicados quinzenalmente, sugeriu, em virtude dos fatos que tanto conspurcam a vida política brasileira, que a mídia exercitasse sua força docente com vistas ao pleito de outubro próximo. Disse Reale:

“O grau de política cultural de um país se mede pelo valor de jornais que apresentam pontos de vista divergentes, cada um deles podendo revelar ou firmar o caminho mais justo a ser seguido.

O importante - salientava, mais adiante, Miguel Reale - é que a mídia mantenha o eleitorado informado, no domínio dos fatos e das opiniões, assinalando vias de ocupação e de ação correspondente à solução democrática mais aconselhável em dado momento histórico. “

Daí porque, Sr. Presidente, entendo que o pleito deste ano há de exigir do eleitorado brasileiro, tão politizado, uma reflexão mais demorada para que nós possamos, refletindo sobre os fatos, escolher nossos representantes e titulares dos Poderes Executivos em sintonia com a semântica dos novos tempos, que se caracteriza, sobretudo, por princípios inscritos na Carta de 88 que buscam a exação no cumprimento do dever.

Tendo falecido aos 95 anos de idade, plenamente lúcido, Miguel Reale foi um dos pensadores mais importantes do País no século que passou. Não foi por outra razão que, em um de seus textos, definiu-se: “Sou por inteiro filho do século XX”.

De fato, não estaria exagerando se insistisse que, Reale foi um dos mais importantes pensadores do Brasil no século passado, um polígrafo, que versou sobre os mais diferentes temas, desde a filosofia pura até questões no campo da literatura e da poesia.

É essencial também assinalar haver produzido uma rica obra, que alcançou repercussão no exterior, inclusive em sua produção no território da filosofia, da sociologia e da ciência jurídica, quer no Direito Público ou no Direito Privado, este no campo, especialmente no Direito Civil, tendo sido um dos inspiradores do novo Código, de 2002, marcado, segundo ele, pela “socialidade”.

Muitas são as inovações do Código Civil sob direta influência de Miguel Reale, como a redução dos prazos de usucapião, permitindo maior acesso à propriedade da terra, além de importantes transformações no Direito de Família, tais como a eliminação da figura tradicional do então chamado “cabeça do casal”, portanto, reconhecendo a igualdade dos direitos e deveres do esposo e esposa e idêntica responsabilidade de pai e mãe, quando divorciados, na guarda dos filhos, desaparecendo a outrora básica tutela materna.

Foram - saliente-se - autênticas revoluções jurídicas em nossa época, caracterizada também por grandes transformações sociais.

É oportuno lembrar que, no Congresso Nacional, a matéria contou, ao lado de acatados juristas, com a participação de congressistas. Entre outros, do meu conterrâneo e recentemente falecido Deputado Ricardo Fiúza, Relator da matéria na Câmara dos Deputados, e dos Senadores Nelson Carneiro, Josaphat Marinho e Bernardo Cabral, no Senado Federal. Disse certa feita Fernando Pessoa: “citar é excluir”. Certamente, ao fazer esta listagem, muito restrita, estou olvidando o nome de outros ilustres artesãos do Código Civil no Congresso Nacional.

A vocação de liderança intelectual levou-o a criar, em 1949, o Instituto Brasileiro de Filosofia, reunindo os principais filósofos brasileiros e estrangeiros do nosso tempo. Em 1951, Miguel Reale fundou a Revista Brasileira de Filosofia, que continua circulando e que se tornou a mais antiga em circulação ininterrupta, no gênero, em nosso País. Em 1954, promoveu o Congresso Internacional de Filosofia, em São Paulo, algo muito importante para o nosso País, muitas vezes apodado de pouco contribuir para a investigação em certas áreas.

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Senador Marco Maciel, V. Exª me permite um aparte?

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Ouvirei V. Exª com muito prazer, mas gostaria apenas de concluir este parágrafo.

Em 1954, como eu dizia, promoveu o Congresso Internacional de Filosofia, o primeiro de vários outros organizados por ele, em seguida se tornando um hábito que se multiplicou nas universidades brasileiras.

Ouço, com muito prazer, o nobre Senador Alvaro Dias.

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Senador Marco Maciel, em primeiro lugar, cumprimento V. Exª pela iniciativa e pela oportunidade do pronunciamento. Além disso, gostaria de registrar a mais profunda admiração que sempre devotei ao notável jurista Miguel Reale, com quem vivi uma experiência muito próxima quando eu governava o Paraná e tive a felicidade de tê-lo como defensor em uma causa paranaense: uma disputa judicial em vários rounds, mais precisamente em doze rounds, que o Estado venceu, graças à competência do mestre Miguel Reale. Foi uma pendência judicial entre a Copel (Companhia Paranaense de Energia Elétrica) e uma empresa empreiteira de obra pública, fato que permitiu ao Estado uma economia de US$103 milhões. Não fosse a sabedoria, a inteligência e a competência de Miguel Reale, certamente não teria sido possível para o nosso Governo, naquela oportunidade, obter tamanha economia. É apenas um exemplo de muitos que certamente se poderiam arrolar, demonstrando a participação competente, ativa e produtiva de Miguel Reale no mundo jurídico nacional. Portanto, as nossas homenagens à família de Miguel Reale, na figura do seu filho, que honra as tradições, Miguel Reale Júnior. A V. Exª, nossos cumprimentos, mais uma vez, pela oportunidade do pronunciamento que faz.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Nobre Senador Alvaro Dias, agradeço o aparte-depoimento que V. Exª acaba de proferir. Seu comentário me faz lembrar algo que se disse por ocasião da morte de Rui Barbosa. O Jornal do Brasil afirmou que ele era homem de muitos homens, isto é era um cidadão múltiplo. O mesmo podemos dizer com relação a Reale, pois foi uma pessoa que obteve extremo êxito em todos os campos da atividade humana. Por isso, deixou elevado conceito em todas as áreas em que militou. Não posso, portanto, deixar de incorporar o depoimento de V. Exª ao texto do meu discurso.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - V. Exª me permite um aparte, Senador Marco Maciel?

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Logo a seguir, ouvirei o nobre Senador Mão Santa.

            Sr. Presidente, Miguel Reale pertenceu à Academia Brasileira de Letras, da qual era o decano, e a inúmeras e reputadas instituições nacionais e estrangeiras do gênero, entre as quais a Academia Paulista de Letras, o Instituto Brasileiro de Filosofia e Direito, o Conselho Federal de Cultura, a Associação Italiana de Filosofia do Direito, a Associação Argentina de Filosofia e a Academia de Coimbra.

Recebeu, entre outras, as comendas da Grã-Cruz da Ordem do Mérito Nacional, Grã-Cruz da Ordem do Mérito da República Italiana, Ordem do Sol Nascente do Japão e Ordem do Mérito da República da França. Possuía inúmeros títulos de Doutor Honoris causa concedido por Universidades nacionais e estrangeiras

Concedo um aparte ao nobre Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Marco Maciel, atentamente nós o estamos ouvindo. Ninguém melhor do que V. Exª neste País, como membro da Academia Brasileira de Letras, como político, ex-Vice-Presidente da República e Senador e como homem do Nordeste para apresentar as exéquias, o pesar do povo do Brasil pela perda de Miguel Reale, cuja obra, pautada na justiça, é ímpar. Como dizia Aristóteles, que a coroa da justiça brilhe mais do que a coroa dos reis e que a coroa da justiça esteja mais alta do que a dos santos. Essa foi a justiça que Miguel Reale representou. V. Exª é, sobretudo, um cristão. Reale traduz a seguinte assertiva bíblica: “A árvore boa dá bons frutos”. Atentai bem, Brasil! O filho do saudoso Miguel Reale está aqui, plantando justiça. Esses homens são para o País mais do que o sol, porque temos o sol somente durante o dia, e eles plantam justiça, que é o pão de que mais a humanidade necessita, segundo Montaigne. Portanto, o seu filho - atentai bem para a assertiva que diz que árvore boa dá bons frutos - está entre nós como um presente de Deus e da Bíblia.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Diz a revista Veja que é impossível que o Presidente não soubesse. O jurista Miguel Reale Júnior disse que Lula foi o grande beneficiário do “mensalão”, e reelegê-lo significa chancelar a onipotência e a impunidade. O que consola o Brasil é que, geneticamente, deixou o filho, que dará esse banho de moral, ética e justiça à Pátria amada.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Agradeço, nobre Senador Mão Santa, o aparte de V. Exª - e já concluo, Sr. Presidente.

“A vida é um sopro”, como disse Jó, varão de conduta irrepreensível, assim considerado pelo Antigo Testamento. Sabe-se, porém, que a uns e a outros Deus concede um sopro mais longo. Dele Reale soube transformar sua extensa vida em denso magistério que tanto enriqueceu a Nação brasileira em sua mais autêntica expressão: a da cultura. Pois é no território da cultura que se alojam os valores.

Sr. Presidente solicito que seja transcrito, logo após as minhas palavras, o depoimento do ilustre Professor Miguel Reale Júnior, e os artigos do escritor Marcos Vinicius Vilaça, Presidente da Academia Brasileira de Letras, e do Professor Ives Gandra Martins, todos publicados no jornal O Estado de S.Paulo, do dia 15 do corrente mês.

Muito obrigado a V. Exª.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/04/2006 - Página 12202