Discurso durante a 40ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Dez 10 anos do massacre ocorrido em Eldorado dos Carajás. Pacote agrícola do governo Lula.

Autor
Sibá Machado (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Machado Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. REFORMA AGRARIA.:
  • Dez 10 anos do massacre ocorrido em Eldorado dos Carajás. Pacote agrícola do governo Lula.
Publicação
Publicação no DSF de 18/04/2006 - Página 12016
Assunto
Outros > HOMENAGEM. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, SEM-TERRA, VITIMA, VIOLENCIA, POLICIAL MILITAR, ESTADO DO PARA (PA).
  • COMENTARIO, HISTORIA, BRASIL, EXPLORAÇÃO, INDIO, NEGRO, LUTA, LIBERDADE, DIREITOS, TERRAS, QUILOMBOS, DENUNCIA, VIOLENCIA, DOMINIO, CLASSE SOCIAL, FAVORECIMENTO, LATIFUNDIO.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, ATUALIDADE, ORGANIZAÇÃO FUNDIARIA, CONCENTRAÇÃO, TERRAS, MODERNIZAÇÃO, AGRICULTURA, EXPORTAÇÃO, EXCLUSÃO, PEQUENO PRODUTOR RURAL, DESTRUIÇÃO, MEIO AMBIENTE, VIOLENCIA, REPRESSÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, INEFICACIA, HISTORIA, REFORMA AGRARIA, AUSENCIA, ASSISTENCIA SOCIAL, TRABALHADOR RURAL.
  • REGISTRO, DADOS, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICA, REFORMA AGRARIA, ESPECIFICAÇÃO, INFRAESTRUTURA, ASSENTAMENTO RURAL, INCENTIVO, PRODUÇÃO.
  • ANEXAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, PROFESSOR UNIVERSITARIO, UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE (UFAC), UNIVERSIDADE ESTADUAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DEBATE, REFORMA AGRARIA, AGRICULTURA, EXPORTAÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste dia 17 de abril, oriundo do campo como sou, eu não poderia deixar de prestar também a minha singela homenagem àquelas pessoas que no fatídico 17 de abril de 1996 perderam suas vidas, foram massacradas, torturadas barbaramente e assassinadas por policiais militares do Estado do Pará, episódio que ficou conhecido como “massacre de Eldorado dos Carajás”.

Eu gostaria de lembrar que, na História do Brasil, o tema da disputa pela terra remonta à chegada dos portugueses. Pelo que se sabe, primeiro, tentaram escravizar os povos indígenas, transformá-los em mão-de-obra barata para seus interesses comerciais, mas essa idéia não deu certo. Partiram, então, para o tráfico de povos da África.

Dessas duas experiências iniciais, conhecemos já muitas histórias de revoltas, histórias que mostram que lideranças desses povos buscavam a liberdade. Uma delas foi a de Sepé Tiarajú, líder indígena do Sul do Brasil, que lutou bravamente contra os interesses do governo de Portugal e da Espanha, até os revoltosos serem dominados e transformados em escravos e moribundos da economia.

Depois, na experiência dos negros, tivemos Palmares, acredito que o mais decantado no Brasil. E, se não me engano, um dos pontos mais vivos daquele episódio, neste momento, é o Morro do Macaco, em Alagoas, que ainda hoje preserva parte da cultura daquela gente no momento em que buscava a sua liberdade.

Daí vieram os mestiços desempregados do campo. Movimentos como o de Canudos, Trombas e Formoso, o Cangaço, a Cabanagem, a Cabanada, a Balaiada, a Sabinada e tantos outros inícios de revolta que misturavam um pouco da luta pela terra com a luta pela independência do País.

Isso sempre foi tratado, Sr. Presidente, como caso de polícia. No que diz respeito à terra, no Brasil, infelizmente, quando se diz que um grande proprietário ocupa uma área, é por compra ou por direito constitucional a transferência da sua propriedade. Quando se trata da proteção da área de um pequeno, de um pobre, de um desamparado do campo, aí é caso de polícia.

Eu gostaria de aqui dizer algumas palavras sobre aquelas famílias de sem-terras que, acampados na beira da PA-170, no Pará, foram massacrados em 17 de abril de 1996. Foram 19 trabalhadores sem terra massacrados na cidade de Eldorado dos Carajás, pela brutal ação da chamada “pacificação”, realizada por policiais militares do Estado do Pará, no Governo de Almir Gabriel.

Era uma terça-feira. Mil e quinhentas pessoas ocupavam pacificamente uma estrada para reclamar sobre a demora do Governo Federal em assentar suas famílias. Foram cercadas, pela frente e por trás, por 155 policiais militares. Primeiro, a polícia atirou para cima, para o alto, depois, para baixo. Resultado: apavorados, sentindo que a morte os espreitava, homens, mulheres e crianças correram para todos os lados. Para os policiais, aqueles trabalhadores deixaram de ser gente, tornaram-se menos que animais. Em poucos minutos já havia 19 mortos e pelo menos 51 feridos; dos mortos, cerca de 10 foram acertados com tiros de curta distância na nuca e na cabeça; outros foram retaliados a golpes de foice; outros esmagados, braços arrancados, pernas mutiladas, entranhas e sangue pelo chão na estrada de terra. 

Srªs e Srs. Senadores, essa é a forma como as elites rurais tratam os trabalhadores que apenas almejam um pedaço de terra para plantar. Para essas elites, a única terra que eles merecem é um pedaço de terra sete palmos abaixo do chão.

Ano de 2006. Em uma década, três grandes julgamentos foram realizados. O primeiro foi anulado. O último condenou os dois principais comandantes da polícia na operação naquele dia. Foi o Major José Maria Pereira de Oliveira e o Coronel Mário Colares Pantoja. Mas não estão presos. Aguardam julgamento do recurso em liberdade. Para alguns poucos, essa palavra se traduz em impunidade e lentidão da Justiça. Para muitos, milhares ou milhões que vivem no campo, são palavras desconhecidas.

Algumas vezes, sob o manto do agronegócio, o latifúndio sobrevive, supostamente mais moderno, avançado, desenvolvido. Na verdade, a realidade é outra: 2,6% dos estabelecimentos rurais concentram 43,7% da área agricultável, de acordo com o Incra, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

É bom saber que no Brasil, com 8,5 milhões de quilômetros quadrados e 800 milhões de hectares, 50% da terra é apropriada para a agricultura. Se considerarmos os 6 milhões de trabalhadores da terra, a concentração se torna ainda mais assustadora, pois pouquíssimas famílias, menos de 20 mil, são as donas de quase a metade do Brasil.

A cada dia, mais alguns pequenos proprietários rurais são expulsos do campo pelo que chamam de agricultura moderna, tão moderna que, em vez de utilizar áreas degradadas, devastam áreas novas da Floresta Amazônica e da Mata Atlântica para plantar soja ou para formar pastagens para a pecuária. Tão moderna que se recusa a atualizar os critérios de produtividade, ainda os mesmos dos anos 70. Tão moderna que se vale do poder policial para eliminar os inconvenientes, como em Eldorado dos Carajás, em 1996, ou em Corumbiara, Estado de Rondônia, um ano antes, em 1995, em que 11 pessoas perderam a vida - inclusive uma menina de 6 anos -, e cerca de 55 ficaram feridas. 

Truculência policial, mandados de prisão injustificados, destruição de roças e criminalização dos movimentos sociais é a tática levada a cabo pelos grandes produtores rurais. É bom lembrar que, durante a CPMI da Terra, tivemos dois relatórios finais, sendo que o Relator, Deputado João Alfredo, apresentou um belíssimo trabalho, mas a chamada Bancada Ruralista, não admitindo qualquer hipótese de um relatório único, exigiu um relatório alternativo, com o fito absoluto apenas de criar a criminalização dos agentes da reforma agrária.

Desde a aprovação do Estatuto da Terra, em meados da década de 1960, menos de um milhão de famílias foram assentadas - e o pior, quando assentadas, pouco ou nenhum auxílio técnico ou financeiro receberam. Muitas, milhares, foram obrigadas a vender seus lotes e retornar à condição de expropriadas.

No Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, adotou-se uma política de reforma agrária em que o trabalhador rural não recebia a terra, mas a comprava, tornando-se presa fácil dos bancos e dos financiamentos rurais.

Diante desse fardo, o Governo Lula foi obrigado a restituir a reforma agrária como política de Estado. O atual Governo está envidando esforços para realizar, pela primeira vez, em 500 anos de história, uma reforma agrária que possa fazer jus ao nome.

Como observou o então Ministro Miguel Rosseto, em entrevista no início do ano de 2003, o passivo fundiário herdado pelo Governo Lula é enorme, principalmente no que se refere à infra-estrutura dos assentamentos.

Levantamento feito pelo Incra aponta que, das mais de 500 mil famílias assentadas, de 1995 a 2002, 90% não têm abastecimento de água, 80% não possuem energia elétrica e acesso a estradas, 57% não tiveram disponibilizado o crédito para habitação e 53% não receberam qualquer tipo de assistência técnica.

Certamente muito mais precisa ser finalizado. Contudo, nesses primeiros quatro anos de mandato, o Presidente Lula e sua equipe trabalharam para que a reforma agrária sonhada por nós há décadas possa finalmente se tornar realidade.

Penso que a sua simbologia será demonstrada, que a morte de milhares de trabalhadores rurais ao longo dos anos não foi em vão. Eles morreram para que seus filhos e netos pudessem viver e plantar. Eles morreram para que seus filhos e netos pudessem se tornar cidadãos livres. O trabalho árduo do nosso Governo vai mostrar que não foi em vão a morte daqueles dezenove trabalhadores em Eldorado do Carajás.

Sr. Presidente, o pacote agrícola do Governo Lula disponibilizará R$1,2 bilhão para o apoio à comercialização dos produtos agrícolas. O Governo Federal anunciou um conjunto de ações para apoiar o setor agrícola. As medidas prevêem a liberação de R$1,2 bilhão para incentivo à comercialização de produtos e prorrogação da dívida que totalizam R$7,7 bilhões. O pacote tem impacto muito positivo no combate a problemas conjunturais que estão afetando a vida do produtor. As medidas distensionam e são um alívio para o setor. Isso porque as perdas na produção agrícola, devido ao longo período de seca de 2005, elevarão os custos para os produtores e pela desvalorização do dólar frente ao real, o que prejudicou a comercialização dos produtos agrícolas.

Comercialização. Além dos R$650 milhões já previstos no Orçamento Geral da União de 2006, o Governo vai liberar mais R$1,2 bilhão.

Sr. Presidente, é importante lembrar que o crédito agrícola, com a prorrogação das dívidas da agricultura brasileira, promove o impulso para que o nosso País continue com um ponto significativo da economia que tem sido a participação da agricultura, principalmente, da agricultura de reforma agrária.

Solicito ainda, Sr. Presidente, que V. Exª dê como lido dois artigos que tenho em mãos sobre a situação da reforma agrária e do agronegócio brasileiro. Um, intitulado “Reforma Agrária: Sim ou Não”, escrito pelo Professor Silvio Simione da Silva, Doutor em Geografia da Universidade Federal do Acre. Posteriormente, eu gostaria de fazer a leitura completa desse texto, mas peço a V. Exª que o dê como lido na íntegra porque o considero muito proveitoso para o debate da reforma agrária que estamos realizando aqui.

O segundo texto, “Agronegócio e Reforma Agrária”, é do Professor Bernardo Mançano Fernandes, também Doutor em Geografia pela Unesp, Universidade Estadual de São Paulo, no Campus de Presidente Prudente.

Sr. Presidente, como militante campesino, ainda sonho que, um dia, não estejamos mais lembrando essas datas tão macabras, como a da chacina de trabalhadoras e trabalhadores rurais sem terra do Brasil, mas que estejamos aqui brindando o sucesso de tão importante método de organização social, de desenvolvimento econômico e de defesa ambiental brasileira, quais sejam, a luta pela terra, os movimentos sociais, entre eles a Comissão Pastoral da Terra, a Contag, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra e de todas as demais organizações, de indígenas, de remanescentes dos quilombos, de quilombolas. Assim, falo de todas as populações tradicionais do campo brasileiro.

Que jamais estejamos com a linguagem da força bruta, da morte, do genocídio, que têm sido as práticas na história do Brasil, quando se trata da distribuição de terra e da reforma agrária.

            Peço um viva, uma homenagem para todos aqueles que tombaram naquele fatídico dia 17 de abril de 1996. Onde quer que estejam, que mesmo em espírito percebam que essa luta jamais vai sucumbir, Sr. Presidente, que jamais vamos recuar. Estaremos juntos para o que der e vier. Com certeza, a luta pela reforma agrária estará no mais alto planejamento de desenvolvimento do nosso País.

Era o que eu tinha a dizer. Muito obrigado.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR SIBÁ MACHADO EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso II e § 1º do Regimento Interno.

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Matérias referidas:

“Agronegócio e reforma agrária.”

“Reforma Agrária: Sim ou Não.”


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/04/2006 - Página 12016