Discurso durante a 47ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários ao discurso do Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Dr. Roberto Busato, na solenidade de posse da Ministra Ellen Gracie Northfleet, na Presidência do Supremo Tribunal Federal.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Comentários ao discurso do Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Dr. Roberto Busato, na solenidade de posse da Ministra Ellen Gracie Northfleet, na Presidência do Supremo Tribunal Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 28/04/2006 - Página 13696
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, LEITURA, TRECHO, DISCURSO, PRESIDENTE, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), OPORTUNIDADE, POSSE, PRESIDENCIA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ELOGIO, DEMOCRACIA, ACUSAÇÃO, CORRUPÇÃO, MEMBROS, GOVERNO FEDERAL, ANALISE, CRISE, POLITICA NACIONAL, PERDA, CONFIANÇA, PROTESTO, ORADOR, NEGLIGENCIA, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • COMENTARIO, DISCURSO, PRESIDENTE, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), RESPOSTA, ACUSAÇÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, CRITICA, DESRESPEITO, DEMOCRACIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu não poderia deixar de comentar, antes do final desta sessão, a fala de hoje do Dr. Roberto Busato, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, na posse da ilustre e digna ministra Ellen Gracie, fazendo ele o papel que cumpre ao bâtonnier, papel que cumpre ao presidente da Ordem dos Advogados, que é, precisamente naquele momento, ser irreverente sim, falar pela sociedade sim.

Antes de mais nada, Sr. Presidente, e a bem da honestidade intelectual, digo a V. Exª que, quando era Líder do Governo Fernando Henrique, fui a uma solenidade como essa. O presidente da Ordem dos Advogados à época era o antecessor do Dr. Busato, e ele fez um discurso igualmente duro. É claro que os motivos eram outros, mas fez um discurso duro - à época, contrário às reformas estruturais, que entendo serem essenciais para o Brasil. Eu me havia sentado ao lado de uma advogada, uma moça inteligente, jovem, a quem disse o seguinte: “Acho estranho não ser dado ao Presidente o direito de defesa nesta hora”. E ela me disse: “Não, o senhor está enganado - eu era Deputado à época -, Deputado. O Presidente fala o tempo todo, tem as televisões à disposição dele, ele tem os eventos; ele fala na hora que ele quiser. A sociedade fala uma vez por intermédio do presidente da OAB, dizendo coisas acertadas ou não, neste momento, e a fala tem de ser necessariamente irreverente; se ela não for irreverente, ela não agrada aos advogados. Ele tem de representar a categoria que o elegeu para presidi-la”.

Foi uma aula de democracia que ela me deu. E eu passei a perceber, a partir dali, que o Presidente da República deve ser alguém munido de paciência e de espírito de tolerância, duas qualidades que, a meu ver, faltam ao Presidente Lula. E não teve nada de mais, nenhum insulto, nenhuma agressão, mas o Dr. Busato foi extremamente forte.

Ele disse, por exemplo, que “a República sofre a pior das crises, há uma corrosão das instituições democráticas e há um risco de fortalecimento de agentes populistas”. Muito grave. Ele disse mais:

O Brasil vive neste momento uma situação delicada na sua trajetória político-institucional. O papel da Justiça ganha destaque no momento em que os olhos da sociedade se voltam para nossa República, que padece da pior das crises: a crise da credibilidade e da confiança”.

Da confiança, porque temos um Presidente incapaz de conter a baderna do MST por exemplo; e da credibilidade, porque estava lá também o Dr. Antonio Fernando, o homem que detectou quarenta ladrões, quarenta corruptos, confirmando a tese da CPMI da existência do “mensalão”, desmentindo, portanto, o Presidente, que nunca sabe de nada. Essa conjunção apontada como braços de uma mesma crise, o braço da credibilidade e o braço da confiança, é uma conjunção explosiva, mas, graças a Deus, nossa democracia revela-se forte, revela-se bastante consolidada.

Dr. Roberto Busato disse mais ainda: “Há um comportamento indecoroso de agentes públicos capaz de desgastar as instituições do Estado e aprofundar o descrédito que as fragiliza diante da sociedade brasileira”. E aí vem uma frase, outra do presidente da OAB, que deve ser repisada por todos nós. Diz ele: “O descrédito é a serpente que se nutre do autoritarismo”.

Se olharmos para Hitler - e não há clima para Hitlers mais no mundo graças a Deus -, vamos nos lembrar da hiperinflação, da moeda desmoralizada. Os trabalhadores tinham folgas de tempos em tempos, na indústria por exemplo, recebiam salário referente a três horas de trabalho e o entregavam a suas esposas e filhos que já estavam esperando ali. O dinheiro era carregado em carrinho de mão porque valia absolutamente nada e ia direto para as compras essenciais das famílias. Ele voltava a trabalhar e, dali a três horas, repetia-se a operação.

A coisa foi a tal ponto, que um sujeito que era tido como desocupado, desacreditado e desmoralizado - Hitler tinha sido preso como vagabundo -, terminou empolgando aquela massa desiludida e impondo aquele regime que sufocou as liberdades não só na Alemanha - país que, embora austríaco, passou a dirigir -, mas em grande parte do mundo, com a sua guerra insana e o seu desejo baseado no racismo - com fundo econômico evidentemente - de impor o que seria o governo do reich de mil anos.

Não há nenhuma perspectiva de autoritarismo se as instituições estão fortes e se não há crise de confiança. Quando há crise de confiança, percebemos que essa serpente que se nutre do autoritarismo, como diz o Dr. Roberto Busato, põe a cabeça de fora.

Fez ainda o Dr. Roberto Busato elogios muito merecidos ao Procurador-Geral da República, esse notável homem público que é Antonio Fernando de Souza, pela denúncia que encaminhou ao Supremo Tribunal Federal a respeito dos tais quarenta membros da quadrilha instalada à sombra deste Governo e funcionando com ramificações no Palácio do Planalto.

Segundo nota do Estadão on line que tenho em mãos, nessa hora houve aplausos na platéia, e o Presidente Lula os acompanhou diretamente. Não deveria ter apoiado. Ele disse que não tem “mensalão”, disse que o Procurador-Geral da República não acertou, que a CPMI foi política, enfim, não sei por que aplaudiu. Ou o Presidente agora virou maria-vai-com-as-outras também? Se os outros aplaudiram, ele foi obrigado a aplaudir? Tudo para ficar bem na foto, para fingir que não é com ele. Estou impressionado.

Se o Presidente da República perder a próxima eleição, não vamos deixá-lo mais ser presidente de PT, nada, nada. Se ele perder essa eleição, ele tem de descansar um pouco antes de o buscarmos para trabalhar em teatro. Ele tem de trabalhar em teatro, porque estamos desperdiçando um grande talento nas artes cênicas e não estamos aproveitando - até porque não há talento - nada do que seria um homem de Estado - the wrong man in the wrong place (o homem errado no lugar errado); no teatro seria: the right man in the right place (o homem certo no lugar certo).

O Dr. Busato rebateu ainda críticas que ele e a OAB sofreram desse movimento esquisito, realmente esquisito, e que vive cevado no dinheiro oficial, e cada vez mais cevado no dinheiro oficial nesse Governo que aí está: do MST. Não quer reforma agrária coisa alguma, não tem preocupação com o homem rural coisa alguma, traz pessoas do meio urbano inclusive para, enganando-as, fazer agitação contra pesquisas científicas, contra estabelecimentos que produzem e que são responsáveis pela saúde da balança comercial brasileira.

O MST qualificou a OAB de tresloucada e neoliberal, porque estaria discutindo - e ela tem esse direito - se propunha ou não o impeachment do Presidente Lula.

Então, devolve o Dr. Roberto Busato que essa pecha de tresloucada cabe apenas a eles, que agem como golpistas. O Dr. Busato sabe o que o Brasil sabe, que o MST refuga as regras da democracia brasileira que aí está. É uma entidade que nem assume personalidade jurídica própria, porque isso facilita que ela não seja processada. Pode-se processar o José Rainha, pode-se processar o Stédile. E os dois têm processo que dá uma penca. Se transformasse em banana, daria para ficar rico na feira. Eles têm todo tipo de processo.

Mas, sem ter personalidade jurídica própria, fica difícil, fica impossível processar o que não existe. Então, processa-se um ou outro, mas não a entidade. Isso é a propósito, é uma entidade fora da lei que se pretende acima da lei e que está aqui para afrontar a lei brasileira, está aqui para desacreditar as instituições brasileiras e que tem o delírio, o louco delírio de derrubar a democracia que construímos, para implantar um regime autoritário de corte zapatista - ao estilo do que propunha para o México o líder, dito revolucionário, Emiliano Zapata..

E, portanto, chega a ser criminoso o Presidente da República ficar com essa história de pôr boné, tirar boné, passar a mão na cabeça e ainda pedir para reivindicarem mais, para agirem com mais vigor, com mais força. O Presidente Lula é claramente aliado dessa gente, diz tranqüilamente que vai esperar a eleição passar para recrudescer mais do que nunca as invasões de terra. Estão esperando o companheiro deles supostamente vencer as eleições para invadirem com o consentimento do Presidente. Ou estão esperando o companheiro deles perder as eleições para tentarem inviabilizar a gestão do Dr. Geraldo Alckmin.

Portanto, volto ao início do meu pronunciamento, Sr. Presidente.

O Dr. Busato agiu como battonier, agiu como o Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, na melhor tradição. O Presidente Lula precisa mesmo ter assimilado o que disse e reconhecer seu direito de fazê-lo.

No início, achava que era algo até desproporcional, afinal de contas o Presidente não pôde falar nada. Certa vez, ouvi críticas ao Presidente Fernando Henrique. Fiquei pensando que o Presidente Fernando Henrique não podia falar nada e que estavam criticando. Será que, àquela altura, não estava eu também com a visão caolha de quem olha o poder a partir do poder? Por isso é tão boa a idéia de alternância de poder, porque é tão bom vir para a chuva e para a planície da Oposição, de vez em quando, e voltar mais maduro para o poder quando o povo achar que está na hora. Se entender que não está na hora não volta. Ceder sempre à única pressão justa: a pressão da vontade popular, da vontade popular legítima.

Mas essa jovem advogada me disse: “O Presidente fala a toda hora”. O Presidente Lula deve dizer a si próprio, hoje à noite, em algum momento de meditação - e espero que o Presidente medite: “Puxa vida, tive de ouvir aquelas coisas, aqueles desaforos calado!”. Em primeiro lugar, não foram desaforos, foram críticas. Em segundo lugar, gostaria de fazer ao Presidente Lula outra pergunta: ”Presidente Lula, quantas vezes o Dr. Roberto Busato se sente incomodado ao ouvir Vossa Excelência falar tantos absurdos na televisão, em horário nobre, e não fala nada, porque não tem o mesmo espaço de Vossa Excelência, Presidente Lula? Vossa Excelência está ouvindo uma só vez e está nervoso. O Dr. Busato ouve-o todos os dias sem ter o direito de ficar nervoso. É a democracia, Sr. Presidente!”. Na democracia cabe a irreverência. O Dr. Busato não se portou como súdito diante de um soberano. Portou-se como um Presidente de uma instituição que tem a tradição de lutar por liberdade e pela ordem constitucional. Portanto, foi a fala de alguém com todo o status e toda a autoridade para fazê-la.

Faço esse registro com muita alegria, Sr. Presidente, porque esses sinais dão a clara idéia de que a nossa sociedade está viva, não está dormitando, não está adormecida, não está dormente, não está entorpecida, não está alienada. Nossa sociedade está viva, atenta. Ela fala pelos seus representantes legítimos, pelos que defendem o Governo nesta Casa. Ela fala pelos que fazem oposição, como eu, V. Exª, Senador João Batista Motta, e tantos outros aqui no Senado Federal.

A Ordem dos Advogados exercitou o seu papel. Não fez nada mais, nada menos do que isso. Imagine se a praxe concedesse a palavra também ao Procurador-Geral da República, e o Dr. Antonio Fernando fosse, sem dúvida alguma, falar sobre os tais 40 ladrões da quadrilha - ele chamou de quadrilha - até então apanhados.

Parabenizo o Dr. Roberto Busato e parabenizo o povo brasileiro por sabermos que temos uma democracia consolidada e forte neste País, uma democracia que já não faz da figura do Presidente algo intimidador, que diz: “Não vou falar porque o Presidente está aqui”. Ao contrário, é um teste à democracia, vai falar porque o Presidente está ali, vai falar porque o Presidente tem de ouvir. O Presidente não é melhor do que ninguém, não. Tem de ouvir, sim, tudo aquilo que precisa ser dito a ele. Ou vai para o Olimpo? Ou vai para a “torre de marfim”? Não vai nem para o Olimpo, nem para a “torre de marfim”. Vai ouvir, sim, o que a sociedade tiver para dizer a ele, pelos Parlamentares, pelas entidades que se organizam para defender interesses legítimos, pela Ordem dos Advogados do Brasil, que, brilhantemente, corajosamente, pontuou sua posição contra a anarquia que é liderada pelo MST e tolerada pelo Presidente Lula e contra a crise moral que tem machucado muito a sensibilidade deste País.

Mas quero só fazer uma correção ao encerrar. Eu disse que o Dr. Busato foi brilhante e corajoso. Quero retirar a palavra corajoso. Foi brilhante. Porque nesta democracia ninguém precisa ser corajoso para dizer o que deve dizer. Nem eu sou corajoso, nem V. Exª é, nem o Dr. Roberto Busato precisa ser. A democracia brasileira está tão consolidada que basta dizer, porque há garantias constitucionais para se dizer o que se tem de dizer. Então, embora o Dr. Busato seja, sem dúvida, um homem corajoso, graças a Deus não precisamos mais de coragem para cumprirmos com nosso dever.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/04/2006 - Página 13696