Discurso durante a 50ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da adoção, pelo Brasil, de uma política externa de caráter profissional e que seja aplicada de forma continuada, onde as decisões devem ser baseadas em uma nova política de Estado, e não em uma política de governo.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Defesa da adoção, pelo Brasil, de uma política externa de caráter profissional e que seja aplicada de forma continuada, onde as decisões devem ser baseadas em uma nova política de Estado, e não em uma política de governo.
Aparteantes
José Jorge.
Publicação
Publicação no DSF de 05/05/2006 - Página 14701
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, POSIÇÃO, BRASIL, COMUNIDADE, AMBITO INTERNACIONAL.
  • DEFESA, PROFISSIONALISMO, DIREÇÃO, POLITICA EXTERNA, BRASIL, PRESERVAÇÃO, FORMA, APLICAÇÃO, DECISÃO, FUNDAMENTAÇÃO, POLITICA, ESTADO, IMPORTANCIA, CONSOLIDAÇÃO, CARATER PERMANENTE, ESTADO DE DIREITO, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA, ESTABILIDADE, ECONOMIA NACIONAL, RESPEITO, DIREITOS HUMANOS, MEIO AMBIENTE.

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DISCURSO PROFERIDO PELO SR. SENADOR MARCO MACIEL NA SESSÃO DO DIA 03 DE MAIO DE 2006, QUE, RETIRADO PARA REVISÃO PELO ORADOR, ORA SE PUBLICA.

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O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, ilustre Senador João Alberto Souza, da representação do Maranhão nesta Casa da Federação, Srªs e Srs. Senadores, o PFL e o Instituto Tancredo Neves, presididos, respectivamente, pelo Senador Jorge Bornhausen e Deputado Vilmar Rocha, promoveram, semana passada, no Rio de Janeiro, um Seminário Temático sobre Política Externa. Presentes, entre participantes, expositores e convidados, gostaria de assinalar: Prefeito César Maia, da Cidade do Rio de Janeiro, Embaixador Marcos Azambuja, Professor Demétrio Magnoli, especialista em política externa, Deputado Aroldo Cedraz, Ministro Marcus Vinicius Pratini de Moraes, Senador José Agripino Maia, Líder do PFL no Senado Federal, Senador José Jorge, Líder da Minoria no Senado Federal, Deputado Rodrigo Maia, Líder do PFL na Câmara dos Deputados, Dra. Solange Amaral, Presidente do ITN do Rio de Janeiro. Por motivo de saúde, o economista Carlos Geraldo Langoni, que seria debatedor, não pôde comparecer, mas enviou excelente texto que será incorporado à publicação a ser editada.

Em vista da importância dos assuntos tratados na ocasião, desejo fazer algumas considerações a respeito do posicionamento do Brasil, em nossos dias, na Comunidade Internacional, especialmente no espaço em que nos situamos, uma vez que a componente geográfica - como é cediço - condiciona o desempenho dos chamados Estados Nacionais.

Inicio, portanto, versando sobre a América do Sul. Vivemos, como se sabe, na região, um novo ciclo político a exigir redobrada atenção.

O Brasil convive com dez países lindeiros. Poucos países no mundo tem, portanto, tantos vizinhos. Ademais, temos todas as nossas fronteiras definidas pela herança diplomática do Barão de Rio Branco, com todos os limites reconhecidos pelos nossos vizinhos, algo quase uma singularidade no mundo. Daí os gastos brasileiros com defesa serem relativamente pequenos em proporção ao Produto Nacional Bruto. Além disso, com exceção da Colômbia, assolada por intenso conflito interno de décadas, o qual agora procura corajosamente resolver, não há graves turbulências nos arredores imediatos do Brasil. Isto, se por um lado nos tranqüiliza, por outro lado nos adverte com relação ao momento presente.

Na Bolívia, por exemplo, duas empresas privadas brasileiras encontram-se ameaçadas de expropriação, e a nossa empresa estatal de petróleo, a Petrobras, defronta-se com a ameaça de nacionalização pelo Governo daquele País.

O Brasil, como disse há pouco, nada tem a reivindicar territorialmente, nem convém explicitar pretensões de lideranças internacionais. Aliás, como é notório, liderança não se impõe, nem se realiza tampouco com os excessos verbais. Liderança, antes de tudo, se exerce pela credibilidade, trabalho e sobriedade. Liderança reclama ainda o exercício de condições fáticas e o império das circunstâncias. Elas também decorrem em função do tamanho do território, expressão demográfica, pujança de sua economia e massa crítica no campo da ciência e da tecnologia. Por isso, todas às vezes que autoridades brasileiras proclamam publicamente hegemonias, mesmo cooperativas, logo despertam dúvidas quanto às conseqüências da atitude. Mesmo porque, sabemos, a legitimidade internacional do Brasil crescerá sobretudo quando consolidarmos definitivamente o Estado Democrático de Direito, as políticas de respeito aos direitos humanos e os cuidados com a preservação do meio ambiente, questões mundiais e não apenas locais.

De outra parte, como observou precursoramente o ex-Presidente Clinton, dos Estados Unidos, nestes tempos de globalização está desaparecendo a diferença entre política externa e política interna. A conseqüência visível é o papel de relevo assumido pela opinião pública, conforme situou, em certa oportunidade, o ex-Chanceler Celso Lafer que observou, com muita propriedade, que as questões internas passam a ser questões de grande visibilidade interna. A questão externa não é mais tratada apenas pelos chefes de Estado ou de Governo ou pelas suas respectivas chancelarias.

Tudo nos leva, Sr. Presidente, a reforçar a convicção de que cada vez mais existe uma inseparável relação entre política interna e política externa numa comunidade internacional amplamente globalizada

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Pois não, nobre Senador José Jorge, Líder da Minoria nesta Casa.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Senador Marco Maciel, ex-Vice-Presidente da República, gostaria de me solidarizar com V. Exª na questão da Bolívia, pois a considero gravíssima.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Concordo com V. Exª.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Na verdade, sobre a questão do gás, o Brasil depende em 50% da produção da Bolívia. Ontem, ouvi declaração do Presidente da Petrobras dizendo que não há problema em relação ao abastecimento. Essa declaração é completamente inconseqüente. Basta interrompermos em um dia o abastecimento do gás via gasoduto para começar a faltar gás nos centros industriais mais importantes do Brasil, como São Paulo e todo o sul do País. Então, acho que o Governo Lula foi inconseqüente em sua política para a América Latina. Sua Excelência apoiou todos estes presidentes atuais, que, na verdade, estão realizando uma política que não está levando em conta interesses de seus próprios países. Penso que o Brasil tem de ser diplomático, sim, mas tem de ser duro também, além de ter de saber das coisas, porque haver isso, tudo bem, mas, o Governo ser pego de surpresa mostra que a nossa diplomacia era muito melhor quando profissionalizada. Essa diplomacia politizada que o Governo Lula tentou fazer está nos trazendo problemas econômicos e não nos trouxe liderança política. O grande líder político da América Latina hoje não é Lula; é Chávez. Ele que está comandando a política na América Latina; e o Brasil, com toda a sua estrutura, está em uma posição secundária. Isso é unicamente de responsabilidade do Governo do Presidente Lula. Muito obrigado.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Agradeço a V. Exª, nobre Senador José Jorge, o aparte. V. Exª, pelo fato de haver ocupado o cargo de Ministro de Minas e Energia conhece bem quão crítica é a questão do abastecimento de gás no nosso País, sobretudo para atender a demandas na área industrial, indispensável ao nosso processo de desenvolvimento. V. Exª também faz algumas considerações de ordem política e salienta a necessidade de continuarmos com a tradição da política externa brasileira, de manter profissionalizada a condução da política externa. Observamos, no atual Governo, que este caminho sofreu alterações de rumo, não somente pela existência de mais de um interlocutor na seara internacional, mas, também, pela perda de profissionalismo no tratamento de problemas que não são questões de Governo, antes questões de Estado.

Neste quadro das imediatas vizinhanças terrestres e oceânicas, as relações mais relevantes tendem a ser com os países de economia e posições geográficas estratégicas em relação ao Brasil. É o caso para exemplificar do Mercosul. Nem por isso, devemos propor ênfases excessivas ou sequer subestimação de outras alianças num mundo que se integra com velocidade.

Sr. Presidente, o Brasil tende, cada vez mais, a se credenciar no cenário internacional pela consolidação das instituições democráticas e estabilidade econômica. Este fato nos possibilita negociações mais diversificadas. Não temos porque nos circunscrever a espaços imediatos de influência por temores de novas aproximações, muito menos esquecimento de antigas.

Por importantes que sejam, por exemplo, os chamados Brics, com os quais temos afinidades de território, economia e nível tecnológico. Os Brics, como assim denomina a imprensa, são constituídos pelo Brasil, Rússia, Índia e China, também têm faixas competitivas mútuas, como se vê nas discordâncias entre China e Brasil, por exemplo, na Organização Mundial do Comércio (OMC). O mesmo se diga com o G-20, grupo de nações em planos diferentes de desenvolvimento - é bom chamar a atenção -, também afins do Brasil, como ficou claro nas tentativas de continuação da Rodada de Doha, cujos impasses com os Estados Unidos e a União Européia ainda não permitiram que a referida Rodada se conclua; e o que é mais grave: é possível que se conclua sem nenhum ganho efetivo, o que não deixa de ser dano para o nosso País.

Por outro lado, como advertiu recentemente o economista Carlos Geraldo Langoni, indesejadamente o Brasil ainda convive com grande carga tributária, juros elevados e crescentes aumentos dos gastos públicos, sem mencionar que as reformas modernizadoras capazes de elevar nossas taxas de desenvolvimento, inclusive pela possibilidade de atrair investimentos externos, foram retiradas da pauta pelo atual Governo. Não se deve esquecer, igualmente, a baixa prioridade atribuída à educação e, frise-se, ao desenvolvimento científico-tecnológico, cujos recursos, sobretudo os decorrentes dos fundos criados no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, continuam sendo altamente contigenciados. Sobre este assunto, recentemente, o Senado aprovou, depois de apreciada pela Câmara dos Deputados, proposta do Senador Roberto Saturnino, que esperamos venha a ser sancionada pelo Presidente da República.

Na área externa, igualmente não conseguimos consolidar instituições imprescindíveis ao processo de inserção regional. O Mercosul não pôde festejar seus quinze anos de vida: os conflitos na agenda econômica e comercial não foram politicamente superados e, conquanto se tenha ampliado o número de seus integrantes, tal ocorreu na condição de meros associados e não como membros plenos. Muitos países da América Latina optaram por fazer acordos de comércio com os Estados Unidos. É importante considerar neste instante - aliás, Presidente, estou fazendo um resumo - que o Uruguai conclui um acordo de livre comércio com os Estados Unidos. É bom lembrar que já o fez também com o México, país da área do Nafta. Divulga a imprensa, hoje, uma matéria sobre este tema. O Presidente Tabaré Vásquez revela um enorme desconforto com o Mercosul. Falou-se, inclusive, dias atrás, em sua saída do Mercosul, ou pelo menos abandono da sua condição de membro permanente à condição de mero membro associado.

Na realidade, a percepção, aliás, focalizada pela imprensa nacional e estrangeira, é o que o Mercosul, cujo nascimento se mirou no modelo exitoso da União Européia, encontra-se em grave estágio de desfazimento de conquistas feitas e sombrias expectativas com relação ao futuro.

Não se avançou, de forma articulada e orgânica firme, para viabilizar a IIRSA - Integração da Infra-estrutura da Sul América -, cujo processo mereceu prioridade no governo Fernando Henrique Cardoso culminando com a realização de uma Conferência de todos os Chefes de Estado ou Governo dos doze países da América do Sul, realizada em Brasília, entre 31 de agosto e 01 de setembro de 2000.

Também não avançamos nos entendimentos para um enlace do Mercosul com a União Européia, cujo acordo-quadro foi assinado em Madri, em 1995, há, portanto, onze anos.

O mesmo se pode dizer da tentativa para a integração hemisférica - América do Sul, América Central e Caribe e América do Norte, a chamada ALCA - Acordo de Livre Comércio das Américas, lançado em 1994 e de que cujo projeto o Brasil é co-presidente ao lado dos Estados Unidos. Isso fez proliferar os acordos comerciais isolados de países centro-americanos e do Caribe com os Estados Unidos.

Sem nenhum progresso, o Brasil continuará em grande dificuldade para alçar posições mais destacadas no cenário internacional. Isso sem desconsiderar, insista-se, possuir o nosso País produto interno bruto, recursos naturais, população, dimensões territoriais acima da média da região, dispondo assim de maior margem de associações no plano externo.

Mas, Sr. Presidente, sem nenhum progresso nessas áreas, o Brasil continuará em grande dificuldade para alçar posições mais destacadas no cenário internacional.

Tome-se, por exemplo, na América do Sul, a experiência do Chile nos anos recentes. Nas últimas presidências conquanto haja alternâncias de partidos no poder, estendendo-se à atual, o Chile persevera no cumprimento de seus objetivos internos e externos, estes de aproximação econômica com todos os países e blocos, na medida de suas necessidades, sem concessões a qualquer emocionalismo.

As sucessivas presidências chilenas, produto da chamada consertação - ou consertación, como eles a chamam -, não significam que os presidentes tenham sido do mesmo partido sempre. Tivemos Eduardo Frei, que é de formação um democrata cristão, depois, Alywim, que também não pertence ao Partido Socialista, ou Social Democrata, da Presidenta Bachelet.

A propósito, eu gostaria de citar, rapidamente, uma observação do Embaixador Rubens Ricupero, em artigo publicado na Folha de S.Paulo, há um ano, dizendo que “...consenso nacional exige valorizar a continuidade em lugar da ruptura, não transformar a política externa em plataforma de um só partido e evitar o erro dos anos 60 de dar-lhe conotação ideológica” e lembrava, socorrendo-se da sabedoria de Tancredo Neves, quando este afirmou “existir consenso nacional em torno não de política externa mas daquela ‘conduzida pelo Itamaraty’, como para acentuar a continuidade, a isenção, o profissionalismo e diferenciá-la de facções ou partidos...”.

Para agravar esse quadro, Sr. Presidente - e aí volto a uma questão que tem a ver com a crise do Brasil com a Bolívia -, vemos surgir um novo tipo de populismo, o neopopulismo, que tanto contribui para promover líderes providenciais, aumentar as distâncias sociais e afetar a imagem da nossa região, da América do Sul, no Exterior.

Vale a pena assinalar artigo do reputado historiador mexicano Enrique Krause, que trata muito bem da recorrência do fenômeno na América Latina. Leio trechos:

O populista não só usa e abusa da palavra; ele se apropria dela. A palavra é o veículo específico de seu carisma. O populista se sente o intérprete supremo da verdade geral e também a agência de notícias do povo. Fala com o povo de modo constante, incita suas paixões, ‘ilumina o caminho’, e faz isso sem restrições nem intermediários.

E, mais adiante, acrescenta:

O populismo fabrica a verdade. Os populistas levam às últimas conseqüências o provérbio latino: ‘Vox populi, vox Dei’ ... o governo ‘popular’ interpreta a voz do povo, eleva essa versão à condição de verdade oficial, e sonha com decretar a verdade única. Os populistas abominam a liberdade de expressão. Confundem a crítica com inimizade militante, por isso buscam desprestigiá-la, controlá-la, silenciá-la.

Sr. Presidente, o Embaixador Marcos Azambuja, cujo talento está associado a uma grande experiência sobre o assunto, afirmou:

Antônio Francisco Azeredo da Silveira, que foi Chanceler do Brasil - e nada conservador por temperamento e convicção - disse de forma memorável ‘a melhor tradição do Itamaraty é saber renovar-se’. Esta indispensável conciliação entre o respeito pelas boas regras e pelos bons procedimentos e a necessidade imperiosa de ajustar o País a um mundo em acelerada mutação, faz com que a política externa do Brasil deva ser objeto de uma permanente reflexão da qual devem participar, naturalmente, governo, a oposição e todos os segmentos da sociedade civil.

Lembrou o Embaixador Azambuja que:

O Mercosul deve ser equipado para acolher novos sócios e enfrentar novos desafios. Precisa de um grau maior de institucionalização e parece-me esgotado o círculo em que - para que funcionasse - bastava contar com a disposição informal e flexível de seus dois grandes sócios. Há um déficit de idéias que sejam ao mesmo tempo realistas e visionárias.

            Sr. Presidente, concluo observando que precisamos fazer algo que tem sido aqui à saciedade lembrado: buscar dar à política externa um caráter de profissionalismo, de continuidade e, sobretudo, que os seus passos sejam mirados como questão de política de Estado, e não como política de governo, isto é, exigindo, conseqüentemente, o protagonismo do Itamaraty na condução dos problemas que dizem respeito à formulação e execução da política externa de nosso País.

Foram essas, Sr. Presidente, as considerações que desejava fazer, nesta tarde, a respeito do Seminário do PFL no Rio de Janeiro, versando sobre a circunstância internacional.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/05/2006 - Página 14701