Discurso durante a 52ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise do processo que permitiu ao Brasil adquirir a auto-suficiência na produção de petróleo. Necessidade do País atingir a auto-suficiência na área de energia.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • Análise do processo que permitiu ao Brasil adquirir a auto-suficiência na produção de petróleo. Necessidade do País atingir a auto-suficiência na área de energia.
Aparteantes
José Jorge.
Publicação
Publicação no DSF de 06/05/2006 - Página 14990
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • NECESSIDADE, ATENÇÃO, MEMORIA NACIONAL, ATUAÇÃO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, PERIODO, ESTADO NOVO, ATUALIDADE, OBJETIVO, COMEMORAÇÃO, AUTO SUFICIENCIA, PETROLEO, COMBATE, MANIPULAÇÃO, INFORMAÇÃO, REGISTRO, EXISTENCIA, PRAZO, DURAÇÃO, JAZIDAS.
  • REGISTRO, AUSENCIA, SUFICIENCIA, BRASIL, ENERGIA, ESPECIFICAÇÃO, DEPENDENCIA, GAS NATURAL, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA.
  • COMENTARIO, POSSIBILIDADE, IMPORTAÇÃO, PETROLEO, OPORTUNIDADE, SUPERIORIDADE, CRESCIMENTO ECONOMICO, CRITICA, DESIGUALDADE SOCIAL, MISERIA, IMPEDIMENTO, AQUISIÇÃO, DERIVADOS DE PETROLEO.
  • CRITICA, FALTA, POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA, PESQUISA, FONTE ALTERNATIVA DE ENERGIA, NECESSIDADE, POLITICA DO MEIO AMBIENTE, REDUÇÃO, CONSUMO, ENERGIA, AUMENTO, QUALIDADE DE VIDA, VINCULAÇÃO, AMPLIAÇÃO, EDUCAÇÃO BASICA.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, Senador Aelton Freitas, a quem agradeço por permitir que, seguindo a ordem normal, eu possa falar, mas serei rápido.

Sr. Presidente, vim falar de duas coisas que se unem no Brasil de hoje e que, de certa maneira, têm a ver com o discurso - pelo menos uma das referências - do Senador Pedro Simon.

Venho falar, Senador Pedro Simon, da auto-suficiência do petróleo e do pronunciamento do Ministro do Supremo Tribunal Federal quando disse que “o Brasil é um país de faz-de-conta”.

Todos nós temos de cantar louvores à auto-suficiência específica do petróleo no Brasil. Mas não podemos escamotear, esconder algumas coisas que mostram o faz-de-conta por trás desse grande fato, que o Brasil precisa comemorar.

Primeiro, precisamos dizer que é faz-de-conta imaginar que isso é resultado de um governo, do atual Governo. É preciso dizer que, sem os cuidados do Presidente Lula nesses três anos de Governo em relação à Petrobras, talvez não tivéssemos chegado à auto-suficiência. Eu diria mais: provavelmente não teríamos chegado à auto-suficiência sem o trabalho dos três anos do Presidente Lula. Mas, se não tivéssemos tido 70 anos de um sistemático trabalho, desde quando Getúlio Vargas criou o Conselho Nacional do Petróleo - em 1938, se não me engano -, não estaríamos comemorando nenhuma auto-suficiência de petróleo.

Então, é um faz-de-conta passar a impressão de que essa conquista é de um governo e não de treze Presidentes. Não falo daqueles Presidentes que ocuparam o cargo por alguns dias ou algumas horas. Falo dos Presidentes que exerceram a Presidência permanentemente, seja por quatro anos, seja por quinze e mais quatro, como Getúlio, ou ainda por menos de quatro anos, como Itamar Franco, que substituiu definitivamente o Presidente anterior.

É um faz-de-conta dizer que a auto-suficiência do petróleo ocorreu pelo trabalho do atual Governo. Essa é uma grande lição. Se ficarmos comemorando a vitória do atual Governo, vamos perder a perspectiva, Senador Pedro Simon, porque nada se vai conseguir fazer neste Brasil sem uma persistência sistemática além de um, dois, três, quatro, cinco governos. E o Brasil não tem costume dessa sistemática. É um caso quase único a nossa sistemática no que se refere ao petróleo, assim como no que se refere à luta contra a poliomielite e à luta para atender os portadores de HIV. São programas que passam de um governo para outro. Serra começou, como Ministro de Fernando Henrique, a levar a sério o apoio ao tratamento dos portadores de HIV, e o Governo Lula continuou essa ação. O cuidado com a poliomielite vem desde o regime militar. Nenhum Presidente disse: “Vou suspender o dia das gotinhas”. Nenhum. Por isso, conseguimos erradicar a poliomielite. Um governo só não o teria feito.

Não quero falar apenas desse faz-de-conta, de que não se trata de um só governo. Quero tratar de outros faz-de-conta. Por exemplo, a idéia da auto-suficiência do petróleo está passando a impressão de que houve auto-suficiência de energia, de fontes energéticas, o que não é verdade. E, a prova, o Presidente Evo Morales mostrou muito antes do que se imaginava. No mesmo momento em que as campanhas na televisão referem-se à auto-suficiência de petróleo, dando a impressão de que é auto-suficiência de energia, descobrimos que o Brasil é dependente do gás de um país vizinho. Descobrimos que domicílios ficarão sem água encanada, sem combustível para cozinhar a comida, que táxis deixarão de rodar se não nos submetermos ao preço de mercado reivindicado pelo Presidente Morales.

Então, não há auto-suficiência energética no Brasil. Há auto-suficiência de petróleo, conquistada ao longo de muitos anos. É um faz-de-conta passar a idéia de que o Brasil é auto-suficiente em energia, como se tentou passar, falando em petróleo - mas entendíamos petróleo como sinônimo de energia. Em energia, continuamos ainda não auto-suficientes, e talvez nunca cheguemos a ser auto-suficientes plenamente, porque não há hoje auto-suficiência completa.

Mas vou mais longe. Quando passamos a idéia de auto-suficiência de petróleo, Senador Pedro Simon, transmitimos a idéia de que é para sempre. Mas o petróleo no Brasil vai durar, pelas reservas que estão aí, mais 22 anos, 25 anos, no máximo. Vamos supor que descubramos novas reservas: 30 anos, 35 anos. E mais reservas: 50 anos. É uma auto-suficiência - se for - provisória. Então, não é auto-suficiência. A verdadeira auto-suficiência é aquela que não apenas atende plenamente às necessidades de hoje, mas, no caso de um país, para sempre.

Imagine um indivíduo que dissesse “hoje eu tenho um salário auto-suficiente”, com um contrato de seis meses, Senador José Jorge. Ele é auto-suficiente por seis meses, mas a vida dele tem mais décadas na frente, espera-se. Então, auto-suficiência provisória vendida como auto-suficiência permanente é um faz-de-conta, como disse o Ministro ontem, ao se referir à corrupção do ponto de vista da apropriação do dinheiro público. Mas falo da corrupção na manipulação da imaginação pública. Essa é uma corrupção tão grave quanto a outra; a corrupção da manipulação é tão grave quanto a corrupção da apropriação.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Senador Cristovam Buarque, V. Exª me concede um aparte?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Concedo um aparte ao Senador José Jorge.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Senador Cristovam Buarque, na realidade, V. Exª tem absoluta razão. Não existe auto-suficiência de um bem finito. E, para ser preciso aritmeticamente, bem ou mal, um dia ele vai acabar. Então, a auto-suficiência acaba. É até mais radical que o exemplo do salário dado por V. Exª. O salário não é finito, pode durar a vida inteira; mas o petróleo é um bem finito. Na verdade, a dependência que temos do gás da Bolívia mostra que não somos auto-suficientes no setor do petróleo. Estamos atingindo uma meta, que é exatamente fazer com que a nossa pauta de exportação seja maior do que a pauta de importação. É uma auto-suficiência, diria, financeira. E o que se torna ridículo é exatamente essa campanha publicitária. Se V. Exª viajar pela Gol, como viajei semana passada, encontrará dentro da bolsinha da poltrona do avião uma revista publicada pela Petrobras sobre a auto-suficiência, dizendo das vantagens etc. Só que, em momento nenhum da reportagem, mostra como cresceu a produção e o consumo nos últimos 50 anos para chegar a essa pseudo-auto-suficiência. É uma revista que não informa, ela desinforma, exatamente querendo fazer crer que a auto-suficiência foi conseguida nos três anos do Governo Lula. E nós sabemos que qualquer investimento em petróleo tem um período de maturação em torno de cinco anos. Portanto, na verdade, a auto-suficiência é resultado de investimentos feitos durante anos e anos, por presidentes e presidentes, governos e governos, para chegar a este momento. Solidarizo-me com V. Exª. Eu estava ontem na posse do Ministro Marco Aurélio, que foi muito preciso quando disse que esse é o chamado País do faz-de-conta. Meus parabéns mais uma vez pelo pronunciamento de V. Exª!

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço a V. Exª, Senador José Jorge.

De fato, a grande comemoração nossa é em relação à balança comercial. Não precisaremos gastar dólares durante os próximos vinte, vinte e dois anos, porque temos o petróleo. Mas esquecemos outro faz-de-conta, Sr. Presidente. É o faz-de-conta, Senador José Jorge, de que a auto-suficiência - que é só de petróleo e não é de energia - só existe porque o crescimento é baixo no Brasil. Se retomarmos o crescimento que o próprio Governo deseja, vamos precisar importar petróleo daqui a alguns meses. Veja que é outro faz-de-conta. Devíamos estar dizendo “temos hoje auto-suficiência de petróleo por alguns anos, graças à estagnação econômica.” E é uma auto-suficiência provisória. Nós não temos auto-suficiência energética, é uma auto-suficiência de petróleo provisória se não crescermos. Não temos auto-suficiência energética permanente e se crescermos.

Mas não é só esse, vou trazer outro faz-de-conta.

Quando falamos em auto-suficiência do Brasil, esquecemos que o Brasil é feito de gente de carne e osso, com classes sociais com diferenças de renda. Que auto-suficiência é essa se quem ganha salário mínimo não é capaz de ter um lugar onde morar nem mesmo com gás para esquentar a água? Aliás, sem nem mesmo ter água para tomar banho. Sem nem mesmo ter água encanada, quanto mais água quente.

Que auto-suficiência é essa se quem ganha salário mínimo não consegue comprar suficientemente a comida que, para ser cozida, precisa de gás, que não vem porque nós não somos auto-suficientes em gás? Nem se come com petróleo, aquecendo com petróleo; nem se come com salário mínimo desse tamanho.

Portanto, para este País ser auto-suficiente em petróleo, precisaria que o salário mínimo fosse suficiente para que as pessoas comprassem o petróleo. Eu não digo para pôr no seu carro, mas para pôr na cozinha, na hora de fazer sua comida.

Essa é uma auto-suficiência de faz-de-conta, como disse, ontem, o Ministro Marco Aurélio, falando de outros itens e não da energia, no Brasil.

Mas não é só esse faz-de-conta. Vou dizer outro: quando nós tivermos, daqui a alguns anos, de mudar o modelo energético para substituir o petróleo, ou para encontrar outras formas mais eficientes, nós vamos ficar para trás, nós não seremos auto-suficientes. Sabe por quê? Porque nós não temos uma ciência e uma tecnologia capazes de nos ensinar, criar, desenvolver outras fontes energéticas.

Não é auto-suficiente um país que não tem uma base científica e tecnológica capaz de perfurar poços de petróleo, no fundo do mar, como a Petrobras consegue e merece os nossos elogios. Mas também não é auto-suficiente um país que não é capaz de desenvolver tecnologia para o dia posterior à civilização do petróleo. E nisso nós estamos abandonados.

As nossas pesquisas na energia eólica, na energia solar, em todas as fontes alternativas, são muito restritas no Brasil. E, mais grave ainda, não estamos realizando as pesquisas na busca de um modelo econômico que prescinda de tanta energia, que reduza até mesmo o consumo, se preciso for, aumentando a qualidade de vida com menos consumo, que não deprede a natureza. Por isso não somos auto-suficientes.

E vou citar mais um faz-de-conta. Eu estaria fazendo de conta se dissesse que a ciência e a tecnologia em si seriam capazes de mudar isso e sem falar - e há quem ache que é mania obsessiva minha - que não há ciência e tecnologia sem educação básica de qualidade. Se não colocarmos todas as nossas crianças na escola, não teremos os cientistas de que o Brasil precisa. Portanto, não teremos alternativas para o modelo de energia baseada no petróleo. Por isso, não haverá auto-suficiência plena. E, falemos com franqueza, não haverá salários mínimos elevados se não educarmos as crianças de hoje para o dia em que forem para o mercado de trabalho.

Também estaria fazendo de conta se dissesse que era preciso aumentar o salário mínimo no nível suficiente amanhã para comprar toda a energia que uma família precisa para ter em casa, porque não haverá salário mínimo alto se não investirmos nas nossas crianças, esperando que elas cheguem ao mercado de trabalho com a formação capaz de lhes dar o salário de que necessitam.

Sr. Presidente, peço um ou dois minutos ainda para concluir, dizendo que quis vir à tribuna hoje para lembrar que, comemorando a auto-suficiência de petróleo que o Brasil conseguiu - e temos de comemorar -, não podemos fazê-lo aceitando o faz-de-conta publicitário que o Governo está trazendo.

Pegando carona no discurso de ontem do Ministro Marco Aurélio, o primeiro faz-de-conta é de que teria sido um governo que conquistou isso, quando foram treze Presidentes - eu contei. O segundo é de que a auto-suficiência é em petróleo, não em energia. Prova disso nos deu o Presidente Evo Morales, ao fazer o Brasil despertar para a quantidade de energia que precisamos importar ainda sob a forma de gás, inclusive no Estado de V. Exª, Sr. Presidente, o Paraná. O terceiro faz-de-conta é como se fosse uma auto-suficiência permanente, quando esse recurso é esgotável, vai acabar em poucas décadas no Brasil e no mundo. O quarto é o faz-de-conta de que termos a energia, hoje, basta para sempre. Um país é para sempre, não é para alguns anos e, para sempre, só vamos ser auto-suficientes em energia se tivermos ciência e tecnologia capazes de mudar as fontes que temos hoje. E mais, o faz-de-conta que dá a impressão de que todos os brasileiros hoje são auto-suficientes em energia, quando só conseguem comprar a energia necessária aqueles que têm uma renda suficiente. Aqueles que ganham até três salários mínimos não são auto-suficientes em petróleo nem em energia por mais que o Brasil produza petróleo e energia, por mais que o Presidente Evo Morales queira ser bonzinho com o Brasil e nos forneça gás gratuitamente. Nossos pobres não se beneficiarão da auto-suficiência energética, porque, às vezes, não têm nem fogão, quanto mais dinheiro para pagar o gás; não têm nem água encanada, quanto mais dinheiro para pagar o gás que vai esquentar essa água.

E, finalmente, não há auto-suficiência tecnológica e cientifica. Seria um faz-de-conta propor ao Brasil grandes centros tecnológicos, enquanto não formos auto-suficientes na educação básica, que significa todas as crianças concluindo o ensino médio com qualidade, em escolas com horário integral e com professores e professoras bem-remunerados e bem-remuneradas, dispondo dos modernos equipamentos pedagógicos em boas escolas.

Por isso, Sr. Presidente, basta de faz-de-conta em relação à corrupção, como o Ministro Marco Aurélio disse. Basta de faz-de-conta sobre as formas de governar. E basta também de faz-de-conta no uso da publicidade para enganar a população brasileira.

Temos de ser auto-suficientes na política e, para isso, temos de trabalhar com a cabeça de brasileiros que pensem auto-suficientemente, e não enganados por espetáculos de marketing, como temos visto ultimamente.

Era o que eu tinha a dizer.

Agradeço a generosidade de V. Exª, Sr. Presidente, em conceder-me o tempo.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/05/2006 - Página 14990