Discurso durante a 57ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com o agravamento do conflito nas relações Brasil-Bolívia.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Preocupação com o agravamento do conflito nas relações Brasil-Bolívia.
Publicação
Publicação no DSF de 12/05/2006 - Página 16253
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, PACIFICAÇÃO, POVO, VINCULAÇÃO, CONFLITO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, PREVENÇÃO, VIOLENCIA.
  • APREENSÃO, POSSIBILIDADE, PREJUIZO, BRASIL, AUSENCIA, COMERCIALIZAÇÃO, GAS NATURAL, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, IMPORTANCIA, CONTROLE, DEBATE, MOTIVO, DEPENDENCIA.
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, SENADOR, PROFESSOR, VISITA, PRESIDENTE, CONGRESSO NACIONAL, EXERCICIO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, ENTREGA, DOCUMENTO, CONTRIBUIÇÃO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, ENERGIA, SAUDE, EDUCAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.
  • COMENTARIO, FUNÇÃO, SENADO, EMANCIPAÇÃO, PAIS, CRITICA, POLITICA EXTERNA, GOVERNO, INEFICACIA, DEFESA, INTERESSE NACIONAL.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, protestei aqui porque o Presidente Evo Morales parecia ter nacionalizado o Senado Brasileiro, que não deveríamos falar nisso. Mas vou abordar esse assunto por uma preocupação: há momentos em que o papel de um líder é insuflar o povo de seu país talvez até à guerra, se preciso. Mas há momentos em que o papel de um líder é acalmar o seu povo, evitar que os conflitos, sobretudo entre povos vizinhos, aumentem.

Está na hora de os líderes brasileiros assumirem o papel de calmantes, de tranqüilizadores nas relações com a Bolívia, porque, se tivermos amanhã um apagão em São Paulo, por problema em qualquer hidrelétrica nossa, e correr o boato de que é culpa de Evo Morales por ter cortado o fornecimento de gás, não demoraremos a ver bolivianos sendo constrangidos nas ruas e, mais do que constrangidos, sofrendo violências. Se um boliviano aqui sofrer violência, os nossos brasileiros, os jovens que estão lá - e o Senador Heráclito Fortes lembrou há pouco -, poderão ser também vítimas de violência. E se houver violência de dois ou três brasileiros de um lado e três bolivianos de outro, não saberemos como terminará o conflito que há hoje entre o governo boliviano e uma empresa brasileira, uma empresa da maior respeitabilidade, que é cara ao nosso espírito de brasileiros. Não é uma empresa qualquer; é a Petrobras, produto de uma luta brasileira, tanto quanto a luta o Presidente Evo Morales neste momento para defender interesses bolivianos.

O Presidente Evo Morales cometeu um equívoco ao achar que o nacionalismo de hoje é o mesmo de cinqüenta anos atrás. Não é. Com o processo de globalização hoje, ninguém pode nacionalizar nada impunemente. Não porque o Brasil vai perseguir ou porque o Senado brasileiro vai gastar tempo falando dele; não. É porque no mundo inteiro, hoje, há dúvidas sobre a conveniência de investir ou não na Bolívia. Esse é um preço alto que a Bolívia vai pagar, mas é ela que tomou a decisão, é o povo boliviano que está defendendo essa decisão, esse é um problema do povo boliviano e da Bolívia.

No Brasil, temos dois problemas: um é manter o fornecimento da energia de que necessitamos; o outro é não deixar esgarçar a nossa relação com a Bolívia.

Há 50 anos aconteceu no Irã exatamente o mesmo que está acontecendo na Bolívia, quando o Primeiro-Ministro, um nacionalista chamado Mossadegh, nacionalizou uma empresa que se chamava Anglo-Persian Oil Company, uma empresa anglo-iraniana, conforme havia prometido na campanha para chegar a primeiro-ministro.

O que fez a empresa? Procurou o governo inglês e convenceu o Primeiro-Ministro britânico, Winston Churchill, de quem lembramos como um grande líder na guerra contra o nazismo e muitas vezes esquecemos o papel imperialista que ele desempenhou. O governo Churchill foi convencido a pôr toda a máquina do Estado britânico para defender aquela empresa; não o povo.

Nos Estados Unidos, à época, era Presidente Harry Truman, que não aceitou essa provocação e tentou pacificar esse conflito. Truman terminou o seu mandato durante o conflito. Assumiu Eisenhower, que apoiou uma guerra contra o Irã como forma de derrubar o governo. Não invadiram, a não ser com a CIA. E não estou falando genericamente, há livros escritos sobre o assunto. Recomendo um publicado recentemente no Brasil, Todos os homens do Xá. Derrubaram o Mohamed Mossadegh.

E durante um pouco mais de vinte anos os Estados Unidos e a Inglaterra tiveram petróleo quase de graça, devido a um preposto que colocaram chamado Xá Reza Pahlevi. Só que títere não dura para sempre. Caiu. Foi substituído pelo governo atual dos Xiitas.

E os americanos, que tiveram petróleo grátis durante vinte anos, hoje, não podem pôr os pés no Irã; não têm acesso a uma das mais expressivas fontes de energia, que é a iraniana. E, dentro em breve, vão perder a do Iraque. Por quê? Por que, ao invés de dialogar, invadiram; ao invés de dialogar, conflitaram.

Esse conflito que estamos às vésperas de provocar com a Bolívia, não um conflito de guerra, mas de palavras, de humores, pode levar simplesmente a que a Bolívia perca nossos dólares, porque vamos deixar de comprar o gás que eles têm. Vamos comprar na Argélia, vamos comprar na Rússia, mas vamos pagar mais caro, até pelo custo do transporte.

Hoje, a Senadora Heloísa Helena lembrou que o PT foi contra a construção do gasoduto. Eu era do PT, mas não fui contra. Achei que era uma decisão correta do ponto de vista estratégico. E continua sendo, porque haverá uma negociação da Petrobras, uma competente empresa brasileira, para conseguir o preço mínimo para nós e máximo para a Bolívia. Será o preço mínimo para nós, porque vamos prometer, garantir e procurar comprar o gás em outras fontes. Será o preço máximo para a Bolívia, porque é perto da gente e sai mais barato. É uma questão de negociação entre uma empresa e um país, já que eles nacionalizaram - não é mais uma empresa privada lá.

Levar adiante esse conflito, em primeiro lugar, pode alienar uma fonte local de energia. Esquecemos, como se diz, que a Bolívia pode fechar a torneira, mas trazer gás da Argélia e da Rússia para cá é complicado, os navios podem afundar no caminho. Não podemos deixar que esse choque de interesses saia do controle.

É por isso que vim falar aqui de uma visita que nós - Senador Jefferson Péres, Senador Roberto Saturnino, Professor Hélio Jaguaribe, Professor Paulo Kramer e eu - fizemos ao Presidente da República, Renan Calheiros. Levamos um documento que foi elaborado por um grupo de intelectuais e especialmente alguns Senadores, que quero citar aqui: José Eduardo Dutra, Aloizio Mercadante, que teve um papel fundamental na elaboração, Roberto Saturnino, Deputado José Carlos Aleluia, Eliseu Resende - veja que há representantes de todos os partidos -, Michel Temer e a Deputada Rita Camata, do PMDB, o Governador Lúcio Alcântara, Deputada Yeda Crucius, do PSDB, Jefferson Péres, do PDT, Roberto Freire, de Pernambuco, e o Professor Celso Furtado.

Esse documento visa a um consenso nacional, que incorpore saídas para este País, inclusive quanto às fontes energéticas, mas também na saúde do nosso povo, na educação das nossas crianças, no fim de um apartheid social que vivemos.

Hoje, de manhã, comemoramos aqui os 180 anos do Senado. Lembrei-me de que, daqui a dois dias, no dia 13, poderíamos comemorar os 118 anos em que o povo jogou flores nas cabeças dos Senadores. E, hoje, quando saí daqui da tribuna, o Senador Mão Santa lembrou que, se deixarmos o povo aqui entrar, poderão jogar-nos ovos!

Jogaram-nos flores, porque os Senadores tiveram a força de abolir a escravidão. Mas, de lá para cá, há 118 anos, nós não tivemos força para completar a emancipação do povo brasileiro. Nós libertamos os escravos, mas os jogamos no desemprego; permitíamos que estudassem, mas não fizemos escolas; dizíamos que não precisavam ser presos nas senzalas, mas os jogamos nas ruas, nas favelas. Não completamos a abolição.

O papel do Senado é a emancipação. Quando a emancipação do Brasil precisar de revoluções, de guerras, de mobilização, deveremos insuflar o povo brasileiro. Mas, hoje, penso que é hora de pedir calma ao povo brasileiro, de pedir calma diante dos riscos de agravar uma relação com um país vizinho, pobre, sofrido, espoliado, que tem direito até de dizer: “Isto aqui é nosso!”. E que o Brasil, que é um vizinho-irmão, pague o preço justo, nem um centavo a mais! Não estou propondo solidariedade, mas não pode ser um centavo a menos, porque eles não vão aceitar e vão procurar outro lugar.

Senador Geraldo Mesquita, gostei de ouvir suas palavras, porque V. Exª defendeu o Acre contra uma declaração péssima do Presidente Evo Morales. Mas V. Exª teve o cuidado de dizer: “Se isso for verdade”. Não insuflou ninguém; apenas alertou. Se houve essa declaração, é claro que devemos tomar medidas. Existem os canais legais.

Finalmente, já que não deu tempo de falar desse documento que eu gostaria, quero dizer que, às vezes, é duro ir contra a corrente. Vou, hoje, contra a corrente. Sei que, na opinião pública, na mídia, aqui nesta Casa, em todo lugar, o clima é de conflito, de revolta. E eu vou contra. Sei que isso não é muito bom em política, mas creio que é necessário em quem quer liderar. É hora de calma em relação à Bolívia.

Quero dizer que não gosto da maneira como o Presidente Lula faz política externa: como se os Presidentes fossem seus amigos. Não há Presidente amigo, nem Presidente inimigo. Há Presidentes. Precisamos nos lembrar de que já houve muitas guerras no mundo entre príncipes irmãos, que presidiam ou dirigiam países diferentes. O Presidente Evo Morales não é irmão, é Presidente; Hugo Chávez não é inimigo, é Presidente. O Presidente Lula, às vezes, confunde-se, por sua história, por ter conseguido ser amigo e, como amigo, chegar à Presidência da República. Falo do “Lulinha, Paz e Amor”. Ele acha que pode fazer o mesmo com os outros Presidentes da República. Está enganado. Hugo Chávez vai defender os interesses da Venezuela e não sua amizade com Lula. Evo Morales, felizmente para o povo boliviano, vai defender os interesses da Bolívia e não os de um irmão mais velho, como chamou Lula. Não gosto dessa maneira de o Presidente Lula fazer política, como se fosse entre amigos.

Felizmente, o Itamaraty não entrou em pânico nesse momento. Teria sido pior. Se entrasse em pânico nesse momento, se insuflasse ainda mais a posição de cerco das nossas refinarias, poderíamos estar em situação pior.

E lembro, Senador Heráclito, algo que será muito importante do ponto de vista da educação. O Presidente Evo Morales, com esse gesto, mostrou ao Brasil os limites que temos em, às vezes, defendermos bravatas. Se nacionalizar uma refinaria, que ninguém pode empacotar e mandar para fora pelos Correios ou num caminhão, gerou todo esse pânico, toda essa raiva, todo esse conflito, imaginem o que aconteceria se nacionalizássemos o capital financeiro, que nos espolia muito mais do que a Petrobras à Bolívia! Imaginem! O que aconteceria? Cercaríamos os Bancos, e lá, calmamente, em seus escritórios, eles apertariam botões do computador e mandariam o dinheiro todo embora. Ele está mostrando os limites que temos hoje no mundo, os limites que ele está tendo ao fazer isso, gerando todo esse conflito com o Senado brasileiro. Nós podemos aprender.

Finalmente, hoje, estamos nesta polvorosa toda pela ameaça que parece haver sobre terra de brasileiros, que temos de defender, porque são brasileiros, mas não contra a Bolívia. Mas não vi este Senado pegar fogo diante dos brasileiros que morrem tentando atravessar a fronteira americana ou sendo perseguidos dentro dos Estados Unidos. O Professor Heráclito, há pouco, mostrava-me uma lista - e vou deixar para que S. Exª fale - sobre a falta de intervenção do Governo brasileiro na defesa de brasileiros, mas também de certa passividade nossa quando essas coisas acontecem.

Concluo, guardando meu discurso sobre esse documento para outro momento. Esperei até a esta hora simplesmente para dizer que a hora é de calma. Não é hora de insuflar, é hora de acalmar. É hora de alertar, como vi fazer aqui a Oposição - da qual faço parte -, para o risco da falta de gás. Vamos procurar outro fornecedor, até porque, na hora em que o encontrarmos, a Bolívia baixará o preço. É questão de mercado, de relações empresariais. Não é uma relação de conflito entre povos. Entre povos, devemos procurar a irmandade, não o conflito. Mas é claro que empresas devem brigar no mercado. Devemos comprar gás onde for mais barato, e a Bolívia deve vender pelo máximo preço que quiser.

Eu disse que fomos nacionalizados por Evo Morales. Gostaria tanto de falar de outro assunto, mas fiquei preocupado com a falta de uma palavra de calma ao povo brasileiro. Não há razão para fazermos guerra. É hora de dialogarmos.

Sr. Presidente, Senador Mão Santa, era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/05/2006 - Página 16253