Discurso durante a 59ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro de viagem feita hoje a São Paulo: questionamento sobre a necessidade de convocação do Conselho de Defesa Nacional.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Registro de viagem feita hoje a São Paulo: questionamento sobre a necessidade de convocação do Conselho de Defesa Nacional.
Aparteantes
Garibaldi Alves Filho.
Publicação
Publicação no DSF de 16/05/2006 - Página 16596
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • VISITA, ORADOR, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DEPOIMENTO, GRAVIDADE, VIOLENCIA, INCENDIO, DENUNCIA, OMISSÃO, GOVERNO, CRESCIMENTO, CRIME, CONTINUAÇÃO, HISTORIA, IMPUNIDADE, BRASIL, SUPERIORIDADE, CONCENTRAÇÃO DE RENDA.
  • NECESSIDADE, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONVOCAÇÃO, CONSELHO DE DEFESA NACIONAL, SITUAÇÃO, GUERRA CIVIL, VIOLENCIA, BRASIL, CRITICA, NEGLIGENCIA, CONCLAMAÇÃO, INICIO, PROVIDENCIA.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, quero agradecer ao Senador Garibaldi Alves Filho, que ainda está presente e que me cedeu a fala.

Em segundo lugar, queria dizer à Senadora Heloísa Helena que, às vezes, pergunto-me por que nós não estamos juntos nas mesmas propostas para o Brasil, de tão parecidas que elas são em tantas coisas; diferentes em outras.

Vim aqui, Srª Presidente, para dizer que hoje fui a São Paulo. Além de outros compromissos que tinha, eu queria ver como estava o clima naquela cidade, depois do que vimos no noticiário que tomou conta do mundo inteiro. O que vi, o que mais me chamou a atenção, Senadora Heloísa Helena, não foi o resultado do fogo, das violências. Sabe o que mais me chamou a atenção? A omissão. Em cada incêndio daqueles, em cada grito daqueles, em cada tiro daqueles, vi a omissão de anos e anos de nós, políticos, dirigentes brasileiros, os de antes e os de agora - espero que não os de depois.

É natural essa raiva de bandidos que estão seqüestrando o Brasil inteiro, que estão puxando o gatilho para matar policiais. E temos de colocá-los na cadeia. Mas não posso deixar de dizer aqui que aquela arma não chegou na mão do bandido por ela própria nem apenas pelas mãos deles; aquele revólver chegou naquela mão por omissão de Governos quando aquelas crianças nasceram, enquanto aquelas crianças cresciam, enquanto aquelas crianças se tornavam adolescentes, enquanto se tornavam adultas e se fizeram bandidos.

O que vi em São Paulo hoje foi uma fábrica, uma fábrica de criminalidade que é a sociedade brasileira. Não só a criminalidade das ruas, dos presídios; a criminalidade do mensalão, a criminalidade sanguessuga, essa criminalidade que vai se espalhando em um País que tolera todo tipo de contravenção. Desde a contravenção que foi a escravidão por quatro séculos no Brasil; uma escravidão que o Senador Sarney lembrou aqui na sexta-feira, quando fizemos uma homenagem ao Dia da Abolição, uma escravidão que não teve nunca uma lei escrita que permitisse e assegurasse o direito de alguns comprarem outras pessoas como escravos e escravas. Mesmo sem lei, aquilo foi feito. Por quê? Porque a contravenção já estava ali. Portanto, a contravenção está no DNA da sociedade brasileira. A contravenção está na lógica de uma sociedade que permite que 10% da população disponha de 50% da renda enquanto 50% da população tem apenas 10%. Mas, se fosse só a renda, meu Deus, ainda daria para convivermos. O problema é que não só a renda é apropriada de forma concentrada; a educação é apropriada de forma concentrada em um País em que uma minoria tem 20 anos de escolaridade e outra parcela nem entra na escola. Ou entra e dela sai um, dois, três anos depois, ou fica até o final do ensino fundamental, mas não chega ao ensino médio ou o conclui sem qualidade e não recebe ofício.

Neste País, o capital fica na especulação e não na criação de empregos. Se houvesse emprego suficiente, não digo que a criminalidade seria zero, mas não teria a dimensão que tem na sociedade brasileira.

No caso do Brasil, a criminalidade não é apenas resultado da perversidade de pessoas, mas da perversidade social, de uma fábrica que produz criminalidade. Quem produz o criminoso não é o pai e a mãe. O pai e a mãe produzem a criança. Quem transforma a criança em criminoso, salvo raras exceções de deformações mentais, de pessoas perversas em si, é a sociedade. Quando a criminalidade se torna endêmica, ela é produzida, fabricada por nós todos da sociedade brasileira e, mais especificamente, por nós, que temos a responsabilidade de liderar este País.

Vi hoje em São Paulo mais do que fogo, mais do que tiros, mais do que o medo das pessoas. Almocei com o reitor, que não sabia se deveria continuar com as aulas em sua faculdade. Ouvimos notícias de tiroteio em outras. Mais do que tudo, vi a omissão, a omissão histórica deste País. Vi também, Sr. Presidente, a omissão atual.

Não entendo como o Presidente Lula ainda não convocou o Conselho de Defesa Nacional. Existe uma instituição, no País, chamada Conselho de Defesa Nacional. O País está em guerra civil. Não foi São Paulo que demonstrou estar em guerra civil. Esta é o resultado de meses e meses de perturbações que, na soma, são maiores do que as de São Paulo. O que ocorreu nos últimos dois anos, Senador Garibaldi, foi muito maior do que aconteceu nesse fim de semana em São Paulo. Se somarmos tudo, chegaremos a essa conclusão. Só despertamos agora, mas nem despertamos plenamente. O Presidente não convoca o Conselho de Defesa, não vai à televisão dizer que estamos vivendo uma guerra civil, não diz o que vai ser feito, não pede nem nosso apoio, inclusive, como Senadores, como Parlamentares, como cidadãos, para tentar encontrar um caminho. O caminho Sua Excelência já sabe qual é. A Senadora Heloísa Helena acabou de dizer quais são os caminhos. Sabemos o que fazer. Não podemos mentir. Sabemos o que fazer, mas não será amanhã nem depois que o País ficará pacífico. Séculos de omissão não se resolvem com dias de ações. Vamos precisar de décadas de ações para resolver séculos de omissões.

Temos que começar logo. O povo precisa saber que vamos caminhar na direção da construção de uma sociedade pacífica. Se levamos doze anos para fazer a represa de Itaipu, e todos esperaram, vamos ter de esperar doze anos para fazer uma sociedade pacífica, colocando, desde já, na cadeia os bandidos. Temos de dizer o que se vai fazer hoje, Senador Garibaldi Alves Filho.

Como é possível que os bandidos tenham mais informações sobre o que acontece na polícia do que a polícia tem informações sobre o que pensa fazer o bandido? Como é possível a conivência que há hoje entre o sistema policial e o sistema da bandidagem? Como é possível, se saberíamos como parar isso?

É claro que será preciso mexer na Justiça, no Ministério Público. Vai precisar mexer em muitas regras e até em alguma tolerância que existe, sim, entre aqueles - eu faço parte deles - que defendem os direitos humanos. Temos de manter os direitos humanos, mas, em alguns momentos, passamos do limite correto entre os direitos humanos daqueles que cometem os crimes, que têm direitos humanos, sim, e daqueles que são os cidadãos e as cidadãs pacíficos deste País. Há um mundo de coisas a fazer.

Porém, o triste é que estamos adiando mais uma vez. Os bandidos são sabidos: eles vão parar essas rebeliões. Isso é como guerrilha, que não fica o tempo todo. Eles vão parar isso, e vamos vão achar que acabou. Mas isso vai ficar nos subterrâneos da sociedade, como hoje acontece, e nos subterrâneos da história, que provocou tudo isso.

Passo a palavra ao Senador Garibaldi Alves Filho, que, aliás, me cedeu esse tempo, para ouvir o seu aparte.

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Senador Cristovam Buarque, estou solidário com V. Exª, bem como com os outros Senadores que falaram sobre este assunto. Particularmente, refiro-me ao pronunciamento da Senadora Heloísa Helena. Quero dizer que as atitudes dos governantes não corresponderam à gravidade do momento. O Presidente da República disse que se tratava de um problema trazido pela questão social, pela falta de atenção à educação. Ora, todos nós sabemos disso. Todavia, a esta altura, não vai resolver o Presidente da República fazer um diagnóstico da crise nesse sentido. O Governador de São Paulo disse que não precisava da Polícia Federal nem da ajuda federal. S. Exª não foi muito feliz ao dizê-lo, porque também não é hora para isso. São Paulo, infelizmente, no tocante à segurança, não é mais São Paulo. Agradeço a V. Exª a gentileza de me conceder o aparte.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador. De fato, o Presidente errou, no primeiro momento, ao culpar o Governador de São Paulo. Não se deve culpar o atual Governador - talvez todos tenham sua parcela de culpa - ou apenas os governadores de São Paulo, mas todos os governadores, nós também e, sobretudo, os presidentes da República.

O Governador diz que não precisa de auxílio federal. Trata-se de um equívoco muito grande. Precisa, sim. Também é um equívoco dizer que investir em educação resolve a criminalidade hoje. De jeito nenhum! Vai resolver daqui a vinte anos, sem dúvida. Contudo, não se pode esperar vinte anos com bandido solto por aí. Tem que haver um trabalho conjunto.

Não defendo que Exército combata bandido. O Exército é para combater inimigos externos. Entretanto, defendo que o Ministério da Defesa passe a ter um papel na regulamentação do sistema policial e, além de Marinha, Aeronáutica, deve haver uma entidade no Ministério da Defesa que cuide desse problema. Que se deve tirar essa atribuição do Ministério da Justiça, eu defendo. Não é mais um problema de Estados e Municípios. É um problema nacional, da União e de todos nós.

Srª Presidente, agradeço o tempo que V. Exª me concedeu e também a extensão do prazo. Não queria deixar de manifestar esse sentimento com que voltei hoje de São Paulo. Vi uma cidade assustada, onde nem todos os ônibus estão circulando. As pessoas com quem andei procuravam caminhos especiais.

Sabem onde senti isso? No Haiti. Quando estive, em setembro, naquele país, tinha que andar com um carro na frente e outro atrás, desviando de alguns caminhos, porque na frente havia bandos. Hoje, vi isso em São Paulo.

Mas o que mais senti não foi a violência e sim a omissão.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/05/2006 - Página 16596