Discurso durante a 60ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a violência e a omissão que a fabrica.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Considerações sobre a violência e a omissão que a fabrica.
Publicação
Publicação no DSF de 17/05/2006 - Página 16666
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, VIOLENCIA, NATUREZA SOCIAL, PAIS, INVESTIMENTO, CRESCIMENTO ECONOMICO, AUSENCIA, DESENVOLVIMENTO, SOCIEDADE, FALTA, ATENÇÃO, EDUCAÇÃO, SAUDE, DESEQUILIBRIO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, OMISSÃO, PROTEÇÃO, DIREITOS, MAIORIA, POPULAÇÃO, BRASIL.
  • ANALISE, GRAVIDADE, FORMA, TERRORISMO, VIOLENCIA, AUMENTO, CRIME, ESPECIFICAÇÃO, TENSÃO SOCIAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), HOMICIDIO, POLICIAL, TENTATIVA, RETIRADA, ESTABILIDADE, PAIS, PROVOCAÇÃO, GUERRA CIVIL, AMEAÇA, SEGURANÇA, POPULAÇÃO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, RESPONSABILIDADE, GOVERNO FEDERAL, GARANTIA, SEGURANÇA INTERNA, CRIAÇÃO, INSTANCIA, COMBATE, TERRORISMO, CRIME, VIOLENCIA, CONSTRUÇÃO, PRESIDIO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, CONTRIBUIÇÃO, CIDADANIA, JUSTIÇA SOCIAL.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vim falar de violência, que é o tema que tomou conta do Brasil nos últimos dias. Vim falar de violência, mas vim falar também da omissão que fabrica violência. Isso porque, nos últimos momentos, a violência ficou visível a um nível que não estávamos acostumados. Estamos, contudo, deixando de ver uma omissão que, ao longo das décadas produziu a violência atual. Esquecemos, quando vemos as viaturas policiais e os ônibus pegando fogo, que aqueles que hoje puxam o gatilho, há poucos anos, estavam no tempo de brincar com o lápis, com a caneta, com livros e com computadores. Com certeza foi a falta disso, no passado, que levou a maior parte daqueles que hoje são bandidos a agirem da forma que estão agindo.

É claro que é possível que haja, sim, entre esses bandidos de hoje, alguns que tenham deformações pessoais; mas são raros. Na maioria dos casos, para não dizer na totalidade dos casos, podemos dizer que o bandido de hoje foi algum jovem pacífico que se desviou na vida. E não se desviou apenas por razões pessoais, por descontentamento com algum fato, por alguma razão psicológica. Isso aconteceu com alguns, mas, com a imensa maioria, a deformação, a mudança de rumo, o desvio que sofreu cada um desses foi provocado por razões sociais. Nossa crise decorre muito menos da psicologia dos indivíduos do que da sociedade em geral.

A sociedade brasileira é uma fábrica de violência. Se não entendermos essa fábrica de violência, poderemos até controlá-la hoje, poderemos controlá-la amanhã, mas ela voltará agravada.

A verdade é que, quando este País começou, descoberto por um grupo de portugueses em uma caravela, começou ali a violência; começou o assalto. Assaltamos os índios brasileiros para tomar-lhes as terras. A partir daí, durante quatro séculos - frise-se: quatro séculos! -, este País foi governado por seqüestradores. Seqüestravam negros na África e os traziam para o Brasil. Quatro milhões de seqüestrados foram trazidos da África para cá. E outro tanto, talvez, tenha nascido aqui e sido seqüestrado no dia do nascimento, sob a forma de escravo.

Este País nasceu no seqüestro, chamando o seqüestro de economia; chamando o seqüestro de agricultura; chamando o seqüestro de produção; mas, na verdade, foi o seqüestro dos escravos que levou este País a ser construído.

E não parou aí, Sr. Presidente! Libertamos os escravos, mas não demos escola aos seus filhos, não demos empregos para eles. E não parou aí a violência deste País, intrínseca a essa fábrica de violência. Promovemos um milagre de desenvolvimento econômico como talvez nenhum outro país tenha feito no período entre os anos 50 e 80; talvez nenhum outro país tenha crescido tanto. E para onde foram os benefícios do crescimento senão para uma minoria que concentrou a renda, que desapropriou os pobres, que desapropriou os trabalhadores?

Formamos o Brasil por meio da violência social e investimos e investimos e investimos no crescimento da economia sem investir no desenvolvimento da sociedade, sem cuidar da educação das crianças, sem cuidar da saúde da população, sem distribuir a renda, fazendo do Brasil uma sociedade unitária, em que todos se sentissem parte de uma imensa família brasileira. Formamos um País com base na violência, que gerou uma omissão sistemática em relação aos direitos da maior parte da população brasileira. O resultado é claramente visível, previsto e esperado.

O que aconteceu em São Paulo...

O SR. PRESIDENTE (João Alberto Souza. PMDB - MA) - Senador Cristovam Buarque, desculpe-me. É interessante o discurso de V. Exª, mas me permita anunciar a presença do nosso ex-colega do Senado e atual Governador do Mato Grosso, Blairo Maggi. Um grande Senador que tivemos nesta Casa.

Seja bem-vindo e se considere como um de nós nesta Casa.

Muito obrigado, Senador Cristovam Buarque. Continua V. Exª com a palavra.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Cumprimento o Governador e agradeço-lhe a visita.

Retomo minha fala, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, lembrando que não vamos controlar a violência no Brasil enquanto não pararmos a fábrica de violência que é a sociedade brasileira. Mas isso não quer dizer, Senador, que vamos começar a parar a violência de hoje apenas fechando a fábrica, porque o produto dessa fábrica já está nas ruas; esse produto já está armado, já está nas mãos dos bandidos armados.

Ao mesmo tempo em que temos de frear, de parar a fábrica de maldades que caracteriza a sociedade brasileira, a fábrica de violência intrínseca na nossa estrutura social, temos de tomar medidas imediatas para parar os produtos da fábrica, que são os bandidos de hoje. E, em relação a isso, creio que, mais uma vez, estamos nos omitindo: omissão de um Presidente, que diz que a culpa é do Governador; omissão de um Governador, que diz que não quer ajuda do Presidente.

Só vamos controlar a violência de hoje - e não falo daquela que vai ser gerada hoje na fábrica de violência e que aparecerá daqui a 20 anos: as crianças de hoje que não são bem cuidadas; não falo desta, falo da de hoje - se pudermos tomar medidas drásticas em relação ao banditismo atual.

Primeiro ponto: é preciso perceber que não estamos mais diante da violência comum do assalto, do latrocínio. Estamos, hoje, diante de uma violência que pode ser chamada de terrorismo, porque terror é aquilo que pretende aterrorizar. E a violência de São Paulo desses dias foi para aterrorizar; não foi uma violência para roubar; não foi uma violência por paixões; foi uma violência para aterrorizar a polícia, aterrorizar a sociedade. Começaram matando policiais para que eles tenham medo de desempenhar as suas funções. Amanhã, vão assassinar juízes para aterrorizar o sistema judiciário; depois, vão assassinar políticos, quando aprovarmos leis que os impeçam ou quando fizermos discursos como este, para dizer que é preciso parar os bandidos de trabalhar.

Temos de assumir que o Brasil hoje está vivendo sob uma forma de terrorismo; não um terrorismo político, não um terrorismo com causa, mas um terrorismo da violência pela violência, do crime para manter o crime.

Segundo: se se trata de um ato de terrorismo, não adianta querer que os Governadores dos Estados cuidem do problema, porque o problema não é mais estadual nem municipal. O problema dessa violência terrorista é de alçada federal; é um problema nacional, que exige do Presidente da República declarar, alto e bom som, que este País está vivendo sob uma guerra civil; uma guerra civil em que terroristas estão amedrontando o funcionamento do aparelho do Estado e estão tendo sucesso, como vimos ontem, especialmente em São Paulo, para aonde fui, a fim de verificar o que estava acontecendo.

Depois de assumir essa realidade trágica - e que não bastam, para parar com ela, medidas circunstanciais -, é preciso levar para o Governo Federal a responsabilidade com a garantia da segurança interna deste País. Nosso Ministério da Defesa defende as relações internacionais. É preciso uma instituição federal que zele pela segurança interna dos brasileiros, que cuide para evitar que a guerra civil continue a assustar o Brasil no funcionamento dos seus aparelho de Estado, que impeçamos brasileiros de assassinar brasileiros.

Não vou aqui dizer se é preciso um Ministério da Segurança Pública ou se é preciso que, no Ministério da Defesa, haja um setor, além das Três Forças Armadas, para armar a Polícia e para dar à Polícia Militar um conteúdo federal, que permita armar os policiais com recursos do Governo Federal, que permita formar os policiais de forma unitária, que permita, Senador Amir Lando, pagar aos policiais num padrão nacional, e não conforme os limites de recursos de cada Estado.

Se começarmos a trabalhar nesse eixo, trazendo para o Poder Nacional a responsabilidade da segurança, criando no Governo Federal as instâncias que permitam enfrentar a criminalidade terrorista que hoje está assustando o Brasil, começaremos a encontrar um caminho para parar o que hoje o produto da maldade, da perversão da fábrica de violência criou no passado. Mas não vai bastar isso; não vamos combater a violência apenas prendendo os bandidos. Para acabar com a violência, hoje temos de fazer cadeias, mas temos também de fazer as escolas necessárias para parar o crime, que continuará crescendo se não tomarmos as medidas necessárias.

Quem sabe se, com esses últimos fatos que ocorreram em São Paulo, que são nada mais nada menos do que a continuação de uma série imensa de rebeliões e de criminalidades que têm ocorrido no Brasil; quem sabe, na medida em que tudo isso aconteceu nessa dimensão, maior do que antes, não possamos, todos nós, os brasileiros, despertar, fazer uma análise do que somos, entender que somos uma fábrica de violência desde o dia 22 de abril de 1500, quando começamos um país desapropriando os indígenas; quando construímos um país seqüestrando escravos na África e colocando-os como reféns que trabalhavam e cujos filhos eram seqüestrados no dia do nascimento. Quiçá possamos, assim, descobrir que nosso desenvolvimento foi concentrador da renda, foi excludente, marginalizou a população e, com ela, foi criando o caldeirão que levaria a uma explosão.

Quero concluir, Sr. Presidente, sem querer ser profeta do mal, sem querer ser Cassandra, que, por enquanto, são os criminosos que estão cometendo esses atos. Mas o que vai acontecer quando, desesperados desarmados e pacíficos, pelo seu desespero, descerem atrás dos bandidos, ocupando as ruas de nossas cidades? Por que não evitamos que isso aconteça integrando esses desesperados na vida que a economia brasileira já permite?

Essa, a minha preocupação, Sr. Presidente; essa, a afirmação de um brasileiro preocupado, que tem a possibilidade de chegar aqui e falar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/05/2006 - Página 16666