Discurso durante a 63ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Sugestões para acabar com a violência, a impunidade e a guerra civil que vive o país.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA SOCIAL.:
  • Sugestões para acabar com a violência, a impunidade e a guerra civil que vive o país.
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/2006 - Página 17504
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, VIOLENCIA, PAIS, DESCUMPRIMENTO, CAMPANHA ELEITORAL, AUTORIDADE PUBLICA, NEGLIGENCIA, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, INEFICACIA, IMPLANTAÇÃO, IDEOLOGIA, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
  • APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, REDUÇÃO, VIOLENCIA, ZONA URBANA, ZONA RURAL, UTILIZAÇÃO, REPRESSÃO, SISTEMA PENITENCIARIO, SEPARAÇÃO, DETENTO, CRIME HEDIONDO, PRESO, ROUBO, SUBSTITUIÇÃO, DIREÇÃO GERAL, FUNCIONARIOS, CARATER PROVISORIO, POLICIAL MILITAR, FORÇAS ARMADAS, BOMBEIRO MILITAR, OBJETIVO, ELIMINAÇÃO, FAVORECIMENTO, PENITENCIARIA, CRIAÇÃO, MEDIDAS LEGAIS, ERRADICAÇÃO, IMPUNIDADE.
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, JUSTIÇA, HERDEIRO, ESCRAVATURA, POBREZA, ATENÇÃO, CRIANÇA, MELHORIA, ESCOLA PUBLICA, EFEITO, REDUÇÃO, VIOLENCIA, PAIS.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, bom dia.

Nesta sexta-feira, venho tocar mais uma vez no ponto que todos temos falado nos últimos dias: a guerra civil que vive o nosso País.

Para falar sobre o mesmo assunto, creio que precisamos trazer pontos novos. Hoje, venho trazer a idéia de despertar cada um de nós - às vezes, fazemos isso sem querer -, despertar todos nós, porque o povo brasileiro já recebeu mentiras demais na história deste País.

Nós, os líderes brasileiros, sem dizer que um ou outro, já mentimos muito. Nós prometemos, em um tempo, que o desenvolvimento econômico iria beneficiar e enriquecer toda a população brasileira; o que vimos foi um desenvolvimento que concentrou a renda, que excluiu milhões. Nós prometemos, aqueles de esquerda, que iríamos fazer o socialismo e, pelo socialismo, todos seriam iguais. E fracassamos. Não conseguimos fazer aquilo que prometemos por incompetência política, e até me pergunto, caso tivéssemos conseguido, se teríamos dado o salto correto diante dos modelos que tínhamos nas nossas mãos, do socialismo real, que vinha de fora do Brasil.

Nós prometemos que a democracia seria o caminho para fazer do Brasil uma sociedade pacífica, acabando a violência, acabando a prisão, acabando a tortura, acabando o exílio. E o que vimos é que, de fato, acabamos a prisão para os presos políticos, acabamos o exílio para aqueles que estavam fora por razões políticas, mas aqueles que não conseguem emprego aqui - são três milhões - estão em exílio, exílio econômico. Não é mais o exílio político, mas também é um exílio morar fora do Brasil porque aqui não se consegue sobreviver.

Nós prometemos que, por meio da democracia, faríamos as reformas que trariam para o Brasil uma sociedade mais justa. O que fizemos nesses quinze anos, do ponto de vista de justiça social, graças à democracia, a não ser projetos de transferência de minúsculas gotas de renda, por meio do Bolsa-Família?

Nós já mentimos muito! E a impressão é que estamos voltando a mentir, diante do quadro da violência que acontece em São Paulo. Mentindo, quando pomos a culpa em um dos Governadores, ou em outro Governador, ou no Presidente da República apenas, sem perceber que todos eles são culpados. Inclusive nós, os líderes deste País, mesmo estando no governo ou na oposição, temos uma parcela de culpa.

Mentimos quando falamos daquela violência como se fosse comum, como se tratasse de uma simples criminalidade o que hoje acontece em São Paulo. São atos que aterrorizam a população, são atos terroristas de uma guerra civil em marcha, e que não se limita a São Paulo, está em todas as grandes cidades do Brasil; está no campo também, quando são assassinados líderes camponeses que lutam para ter um pedaço de terra neste País, cinco séculos depois da criação das Capitanias Hereditárias. Ainda hoje nos negamos a distribuir a terra neste País, e camponeses são assassinados.

Não podemos continuar com a mentira de jogar culpa nos outros; temos de assumir essa culpa! Não podemos continuar na mentira de que se trata de uma simples violência. Ali não há latrocínio, ali não há crimes passionais, ali o que há é terror; e, para vencer o terror, exigem-se duas coisas: uma revolução nas ações e não apenas pequenos gestos presidiários e o longo prazo.

Sr. Presidente, por isso, chamo a atenção para a mentira que está por trás daqueles que dizem que basta cadeia para resolver o problema da violência, e daqueles que também dizem que basta escolas para resolver o problema da violência, e a mentira daqueles que dizem que vão resolver isso amanhã, no dia seguinte...

Sr. Presidente, o que o Brasil precisa, na marcha para se transformar numa sociedade pacífica, para parar com essa onda de violência generalizada que vigora há décadas? É preciso lembrar que foram 794 mil assassinatos, quase 800 mil nos últimos 25 anos. Eu fiz as contas: por dia, morreram, em média, mais do que nesses dias em São Paulo; só que em São Paulo foi concentrado. Precisamos acabar com a mentira de que só cadeia resolve, que só escola resolve, e que resolvemos tudo isso no curto prazo.

Para resolver esse problema, sem dúvida alguma, precisaremos de medidas muito duras e firmes no que se refere à repressão contra os terroristas e contra os criminosos que infestam as nossas cidades e os nossos campos; medidas de repressão, que podemos simbolizá-la com a palavra “cadeia”, do mesmo jeito que medidas de educação, podemos simbolizá-las com a palavra “escola”. Vamos precisar, sim, de cadeias; vamos precisar, sim, de mudar o sistema presidiário para que as cadeias não sejam essas grandes cidades que misturam os diversos tipos de crimes; vamos precisar de cadeias especializadas conforme o tipo de crime; cadeias pequenas, para controlá-las melhor, separando os criminosos assassinos dos criminosos do roubo, separando os grandes barões do crime daqueles pequenos criminosos; vamos precisar fazer uma limpeza geral nas direções dos presídios para acabar com a conivência. Por um período de dois ou três meses, tirar todos os atuais funcionários das prisões e colocar outros que venham da PM, dos Bombeiros, do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, de onde for, por um período de dois meses, até limpar e separar o joio do trigo entre aqueles que dirigem, que comandam, que controlam, que administram nossas prisões.

Vamos precisar, sim, de medidas judiciais que acabem com essa impunidade que temos no Brasil, em que as pessoas cometem crimes e continuam soltas ou cumprem uma pena pequena e depois vão embora. Temos de fazer tudo isso que simbolizamos em torno da palavra “cadeia”. Mas não vai bastar. Será preciso também fazer medidas naquilo que se pode chamar de “escola”, naquilo que vai fechar a torneira da fábrica de violência que caracteriza a sociedade brasileira, uma sociedade que não é violenta apenas porque durante três dias bandidos em São Paulo incendeiam ônibus e matam inocentes e policiais, mas que é violenta porque durante quatro séculos seqüestramos africanos - nós os trouxemos para cá contra a vontade deles e os tratamos como mercadoria, vendendo-os em mercado, separando pais e mães dos filhos, maridos das mulheres e obrigando-os ao trabalho forçado. Durante quatro séculos, nossa Nação foi uma nação seqüestradora, e isso deixa raízes. Temos de mudar isso. Enquanto houver um resquício desse período de seqüestradora que foi nossa Nação em seu início - mas no início de quatro séculos dos cinco que temos -, enquanto houver esse resquício, continuarão sendo violentas nossas cidades. E, para parar a lembrança, para que fique só a história e não a lembrança daquele tempo, precisamos fazer justiça aos que são herdeiros dos escravos, não apenas os negros - os negros sobretudo -, mas os pobres também, porque o pobre é um descendente social dos escravos. Os negros são descendentes biológicos e sociais, mas os brancos pobres são descendentes sociais dos escravos.

Enquanto houver esse clima, resquício do nosso tempo de seqüestradores, a violência continua.

Precisamos fazer as reformas sociais que este País se recusa a fazer, o que não deixa de ser da mesma forma um seqüestro permanente do dinheiro. Já não vendemos um escravo para um lugar ou outro. Hoje, eles são desempregados. Já não os vendemos, mas hoje pagamos salários miseráveis, o que é uma forma de se apropriar do dinheiro deles. É uma forma de resgate que cobramos ao trabalhador seqüestrado, pelo desemprego, pela fome, pela necessidade.

Enquanto não fizermos essas reformas sociais - não nos iludamos -, a lembrança do tempo da Nação seqüestradora de africanos continuará na alma do Brasil e aí continuará havendo uma violência intrínseca na sociedade brasileira.

Faz parte também dessa guerra civil, de seu enfrentamento, perceber que é preciso fechar a torneira da fábrica de violência cuidando bem das crianças brasileiras.

Há algum tempo, a Senadora Heloísa Helena, que está aqui, disse que o Brasil precisava adotar uma geração de crianças, e eu achei, por trás dessa poesia, uma força política muito grande. Se adotássemos uma geração, se estabelecêssemos que adotaríamos essa que está aí com menos de cinco anos, de uma maneira radical, dando a toda criança brasileira a mesma oportunidade, sem nenhuma diferença, elas não serão iguais quando crescerem, porque algumas têm talentos maiores, outras não têm; algumas têm persistência para usar o próprio talento, outras deixam o talento morrer, mas as oportunidades seriam iguais. Se nós fizéssemos isso, fecharíamos essa torneira da fábrica de violência que é a sociedade brasileira. É aí que entra a escola, ao lado da cadeia; não uma ou outra, porque estão mentindo a você, ouvinte, estão mentindo a você, povo brasileiro, quando dizem que cadeia resolve, quando dizem que só escola resolve. O que resolverá é o casamento da repressão aos bandidos de hoje com o cuidado às crianças de hoje, para que não sejam tentadas aos desvios que vemos acontecendo em uma grande parte da juventude brasileira por falta de cuidado no momento certo.

Eu vim aqui falar de mentira. Eu vim aqui falar de que é preciso parar de mentir. Eu vim aqui dizer que há cinco séculos este País mente ao seu povo. As lideranças enganam. Enganaram com a inflação, aumentando os salários que depois eram comidos, com a promessa de que a democracia traria justiça; e trouxe vantagens, sim, para nós, exilados, para nós, presos políticos, mas não ficou grande coisa de material para o povo. Mentimos com a idéia de que o desenvolvimento era o caminho da igualdade e da solidariedade pacífica. Mentimos com a idéia de que o sonho socialista seria realizado no dia seguinte. Mentimos, em 2002, quando prometemos que um Presidente operário seria capaz de romper os grilhões com o passado e fazer uma nova sociedade. Está na hora de pararmos de mentir e entendermos que se trata, hoje, não de uma criminalidade simples, mas de uma guerra civil; trata-se, hoje, não de um ou outro instrumento, mas de uma verdadeira revolução da paz no Brasil. E essa revolução da paz exige cadeia e exige escola.

Para concluir, Sr. Presidente, quero falar da outra mentira. A de que isso será feito rapidamente. Não há como.

Presidente Sibá, para transformar o Brasil em uma sociedade pacífica, precisaremos de muitos, muitos anos. Se para construir uma represa são necessários doze a quinze anos, precisamos, para fazer do Brasil uma sociedade pacífica, do tempo de formação de uma geração inteira. E isso os dirigentes de hoje têm de ter coragem de dizer, mesmo sabendo que, eleitoralmente, em geral, é um desastre dizer que aquilo que se propõe levará quinze anos para acontecer plenamente. Mas não podemos continuar mentindo ao povo brasileiro. Já mentimos aos filhos, como políticos, não podemos mentir aos netos. Não podemos prometer que o Brasil vai ficar uma sociedade da paz apenas porque fazemos escolas hoje, ou apenas porque fazemos prisões hoje, ou apenas porque até fazemos os dois e não esperamos o tempo de maturação de uma nova sociedade brasileira, que, para ser pacífica, tem de ser justa, e só será justa se conseguirmos que ela seja pacífica. E só será justa e pacífica se conseguirmos que ela seja educada. Ela só será educada se houver urgência para começar, persistência para continuar as medidas e paciência para esperar a maturação desse País novo.

Sei que falar em esperar, não para começar, mas para concluir, incomoda, mas temos esperado. Pior, temos adiado começar. Vamos, agora, parar de adiar e começar. Vamos persistir em uma revolução da paz no Brasil - uma revolução plena, completa, com prisões e com escolas -, para acabar essa guerra civil em que vivemos hoje, que não é apenas em São Paulo nem começou na semana passada, ela tem 500 anos, está no Brasil inteiro e não é apenas de atos de criminosos, mas uma guerra civil. E a responsabilidade não é de um ou outro governante, mas de todos nós que lideramos este País.

Sr. Presidente, era o que tinha a falar nesta manhã de sexta-feira.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/2006 - Página 17504