Discurso durante a 62ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a correlação entre a questão da criminalidade e a falta de educação.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Considerações sobre a correlação entre a questão da criminalidade e a falta de educação.
Publicação
Publicação no DSF de 19/05/2006 - Página 17428
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, AUSENCIA, CORRELAÇÃO, CRIME, FALTA, ESCOLARIDADE.
  • EXISTENCIA, CORRELAÇÃO, AUSENCIA, EDUCAÇÃO, FALTA, OPORTUNIDADE, VIDA, EFEITO, BUSCA, CRIME, SOLUÇÃO, SUBSISTENCIA, IMPORTANCIA, ANALISE, VINCULAÇÃO, CORRUPÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, VIOLENCIA.
  • DEFESA, COMBATE, CORRUPÇÃO, SETOR PUBLICO, AUMENTO, FISCALIZAÇÃO, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA.
  • NECESSIDADE, RECONHECIMENTO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, GUERRA CIVIL, VIOLENCIA, TERRORISMO, BRASIL, DEFESA, CRIAÇÃO, MINISTERIO, SEGURANÇA NACIONAL, SEPARAÇÃO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), DEFINIÇÃO, RESPONSABILIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, CENTRO DE INTELIGENCIA, ACESSO, INFORMAÇÕES, CRIME ORGANIZADO.
  • DEFESA, SUBSTITUIÇÃO, TOTAL, AGENTE PENITENCIARIO, SELEÇÃO, CORRUPÇÃO.
  • DEFESA, AUMENTO, CONVOCAÇÃO, JUVENTUDE, SERVIÇO MILITAR, AMPLIAÇÃO, ORÇAMENTO, EXERCITO, SEGURANÇA PUBLICA, REFORMULAÇÃO, POLICIA MILITAR, PADRONIZAÇÃO, SALARIO, INTEGRAÇÃO, ESTADOS.
  • IMPORTANCIA, POLITICA SOCIAL, EDUCAÇÃO, AUMENTO, OPORTUNIDADE, CRIANÇA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Pode ser por aí mesmo, penso que idade tem os seus méritos. Se o Senador Sibá tiver com alguma urgência de viagem ou outra coisa, não tenho nenhum problema de falar depois de V. Exª.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srª Senadora presente, nesta tarde, tive oportunidade de assistir a diversos discursos aqui sobre o problema da relação entre violência e educação.

            Está se acusando muito a criminalidade como resultante da falta de educação e que pessoas sem educação são honestas. Quero também confirmar que os analfabetos são muito mais honestos do que os doutores. Aqui mesmo nesta Casa, não digo o Senado, mas no conjunto do Congresso temos demonstrado que há muitos doutores cometendo atos ilícitos, que dificilmente pessoas sem educação cometeriam. Não há uma correlação entre falta de educação e criminalidade. Agora há uma correlação, sim, entre falta de educação e falta de oportunidades na vida. Há também uma correlação entre falta de oportunidades e a busca do crime como solução para problemas pessoais. É neste sentido que falo, não no de se dizer que é o indivíduo, a pessoa sem educação tendente à criminalidade. Nunca isso, mas no sentido de que a pessoa sem oportunidade na vida tende, sim, a buscar soluções de forma que não são as lícitas.

O que temos que trabalhar, Senador Pedro Simon, é a idéia de que nós temos hoje um triângulo da maldade no Brasil. Um triângulo composto pela corrupção, a desigualdade e a violência. É uma trindade, obviamente não santíssima; ao contrário, demoníaca trindade: a da corrupção, da violência e da desigualdade. Essa trindade é uma só nelas três. Imagine um jovem pobre, sem dinheiro para comprar aquilo que ele precisa, sem dinheiro para comprar remédio dos pais ou dos irmãos menores, sabe da notícia da corrupção no Congresso. É claro que essa situação é um incentivo à violência, como forma de resolver seus problemas.

A corrupção existente no setor público brasileiro é um indutor, um vetor, um motor da violência. Ao mesmo tempo, quando vemos a desigualdade brutal que há neste País - alguns com tantos e outros com tão pouco -, é natural que essa desigualdade induza à violência. Em alguns países, a desigualdade não gera violência ou porque a nação é um exemplo social sem corrupção ou porque razões religiosas levam as pessoas pobres ao acomodamento diante da desigualdade, como é o caso da Índia, em que as castas servem para manter a justificativa da desigualdade. Felizmente, não temos as castas. Felizmente, temos um modelo que acena com o direito de todos serem iguais.

Portanto, quando vemos a desigualdade, vemos a violência. Quando vemos a corrupção, vemos a violência. Quando vemos a violência, também vemos a corrupção e a desigualdade. É essa trindade diabólica que devemos romper neste País. É preciso parar a corrupção, quebrar a desigualdade e, com isso, zerar, se fosse possível, a violência. É um triângulo. Não adianta tratar nenhum desses pontos isoladamente, porque isso não vai resolver a situação. Por exemplo, se amanhã todos acordassem iguais, a violência não acabaria. Além disso, não vamos acordar amanhã iguais. O processo de marcha à igualdade é um processo de décadas; às vezes, secular. E não adianta prometer hoje à sociedade brasileira, tensionada, assustada, amedrontada, aterrorizada, que, daqui a 14 anos, 20 anos, graças à quebra da desigualdade, graças à educação, vamos quebrar a violência. Temos que quebrar a violência hoje! Temos que quebrar a violência nestes dias! Temos que tomar medidas drásticas, duras para resolver o problema da violência. E creio que algumas dessas medidas não são difíceis de imaginar.

Gostaria de pedir licença ao Presidente para me dar um pouco mais de tempo, tendo em vista que tantos falaram hoje aqui... Ontem, foram discursos tão bons!

Eu queria voltar a insistir em relação a esta trindade diabólica: violência, desigualdade e corrupção. No que se refere à corrupção, sabemos o que fazer. Tem-se falado: são necessárias medidas claras. Não que se diga: “Nós somos honestos”. Mas, que se diga: “Mesmo que haja um bandido, um ladrão ao nosso lado, não conseguirá roubar no setor público”. Mas, com relação à violência, creio que estamos tentando deixar de lado um problema sério. O Presidente Lula jogando a culpa no Governador de São Paulo. O Governador de São Paulo jogando a responsabilidade em fenômenos conjunturais.

Senador Virgílio, em primeiro lugar, o Presidente da República - o atual ou o próximo - deve ter a coragem de vir à televisão e dizer ao povo brasileiro que, por omissão de décadas e décadas de uma sociedade que nasceu violenta contra os índios; que seqüestrou quatro milhões de negros na África e os condenou a trabalhos forçados, estamos vivendo um clima de guerra civil neste País. Que em guerra civil, a culpa não é de um Estado ou de um Prefeito. A guerra civil será vencida se a União, se a República, se o Presidente da República assumir a sua responsabilidade, o que não estamos vendo acontecer hoje. E o que fazer? Creio que uma das coisas é assumir que estamos vivendo um clima de guerra civil, que estamos tratando com terroristas. Não foi latrocínio o que aconteceu recentemente em São Paulo; não foi seqüestro o que ocorreu em São Paulo; não foram assassinatos por paixões; foram medidas que visavam amedrontar, e isso se chama terrorismo. É preciso, portanto, além de adotar o problema para a Nação inteira, criar no Brasil o Ministério da Defesa Interna, o Ministério da Segurança Nacional. Não podemos deixar que a segurança, que a guerra civil que estamos vivemos seja administrada de uma salinha qualquer no Ministério da Justiça. Primeiro, porque o Ministro da Justiça tem dezenas de outras tarefas, e essa não é a fundamental, é secundária para ele. Precisamos ter aqui, Senador, alguém que diga “minha responsabilidade é a segurança”.

O SR. PRESIDENTE (Pedro Simon. PMDB - RS) - Há Estados que já têm a Secretária de Justiça e a Secretaria de Segurança - e nós aqui não temos.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu fui Governador e criei isso. Temos a Secretaria de Justiça e a Secretaria de Segurança.

O SR. PRESIDENTE (Pedro Simon. PMDB - RS) - O Rio Grande do Sul, também.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - O Brasil precisa fazer isso.

Vão dizer: “Mais um Ministério?!” Dá para fechar 15 sem fazer falta alguma para o País. Temos que criar um Ministério ou da Defesa Interna ou da Segurança Nacional...

O SR. PRESIDENTE (Pedro Simon. PMDB - RS) - Um pouco é culpa de V. Exª. Quando o Lula assumiu, ele dobrou os Ministérios. Alguém esqueceu de dizer para ele criar o da segurança também. Ele o teria feito.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu não sugeri esse. Sugeri o da educação básica. Ele chegou a aceitar, mas recuou depois.

O SR. PRESIDENTE (Pedro Simon. PMDB - RS) - Faltou alguém sugerir a ele o da segurança.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Não, porque eu sugeri e ele não quis. Também foi elaborada uma proposta excelente para ele, por pessoas da maior respeitabilidade que propunham a Secretaria Especial da Presidência, não o ministério. E ele disse sabe o quê, Sr. Presidente - e isso eu ouvi de um dos quadros que elaboraram o programa: “Não quero trazer esse problema para o meu colo”. Essa foi a afirmação que ele disse a um dos membros da equipe que elaborou o projeto. “Criar essa secretaria é trazer o problema para meu colo”. Ou seja, o problema fica com a população de São Paulo. Tem que trazer para o colo do Presidente o problema da educação básica, que ele também joga para os Municípios, bem como o problema da segurança.

Criado esse ministério, é preciso tomar algumas medidas. Esse ministério tem que ter um serviço de informações contra a criminalidade. Não venhamos nós, que fomos vítimas do serviço de informações no passado político, a ter medo disso.

O Congresso tem uma comissão para cuidar que os serviços de informações não saiam do rumo. Como é possível que bandidos saibam o que acontece numa reunião secreta aqui no Congresso, comprando por R$200,00 um CD, e o Governo não sabe o que acontece nas reuniões do crime? Tem que ter um serviço de informações. E, com esse serviço de informações, tem que ir lá, onde estão os terroristas e trazê-los para a Justiça.

É preciso também - e sei que isso pode parecer drástico -, Sr. Presidente, durante 60 dias, substituir todos os agentes penitenciários deste País, todos! Todos os diretores de prisão e todos os agentes! Tire-os por 60 dias e coloquem para cuidar das prisões PMs ou até um contingente do Exército. Sou contra eles irem para as ruas, mas não seria contra que gerenciassem aquilo. Nesses 60 dias se faria uma triagem para ver onde está a desonestidade. Essa secretaria, esse ministério traria para o serviço militar um milhão de jovens a cada seis meses neste País. O ideal é que as Forças Armadas fossem capazes de absorver esse um milhão de jovens em seis meses e o outro milhão em outros seis meses. Mas, se não é possível, façamos um serviço pacífico, sem armas nas mãos, em que os jovens aprendam noções de civismo, aprendam um ofício, arranjem amigos, administrem a energia que eles têm com ginástica. Mas que tiremos esses jovens das ruas! Tirar dois milhões de jovens das ruas por ano, a um custo de 2,4 milhões, teria impacto na violência imediatamente.

Temos que ter também mais recursos. Mas o Governo Federal demonstrou que não cuida da educação ao contingenciar os poucos milhões de dólares que tivemos para segurança.

Necessitamos também de uma reforma nas polícias militares do Brasil. Uma dessas, Sr. Presidente, é quebrar essa brutal desigualdade nos salários entre o topo da PM e a base da PM. Há polícias no Brasil em que o soldado ganha um salário mínimo e o coronel, R$20 mil. Que moral tem uma tropa que, recebendo um salário mínimo, vai para as ruas, corre risco diante de bandidos, é assaltada e morta por terroristas e recebe ordem por telefone de um coronel que ganha R$20 mil? Tem que haver uma reforma sim que achate essa desigualdade e ponha nossos PMs com uma formação equivalente em todo o País e com o salário padronizado. E que permitam também, Senador Marco Maciel, mobilizar os PMs de um Estado para outro, até para acabar com a conivência de alguns deles com a criminalidade local.

Essas são medidas, Sr. Presidente, que podemos tomar para enfrentar um dos lados, um dos pontos dessa trindade diabólica no Brasil.

A outra, como eu falei, é um programa de erradicação da corrupção no Brasil.

O terceiro é a quebra da desigualdade. Mas esta virá apenas por meio de um programa educacional. As fábricas, o crescimento econômico, eles não diminuem a desigualdade porque lá só entram aqueles que já foram escolhidos antes. Nós precisamos é de um programa que dê oportunidades iguais a todos neste País. Na hora em que nascem têm oportunidade igual, mas são talento e persistência que farão a desigualdade.

Aqui nós temos uma pessoa que é um exemplo disso, o nosso grande lutador “Tigre”. Ele é um exemplo de oportunidade igual para o desempenho do seu trabalho, e o seu talento e a sua persistência fizeram com que ele se tornasse um campeão mundial de luta livre. Mas nossos jovens têm essa oportunidade igual e viram grandes craques no futebol. Porque bola e um campo de pelada todo menino tem neste País, independentemente de ser rico ou pobre; mas, livro, computador poucos têm, e aí não têm a mesma oportunidade. É por meio da oportunidades iguais que vamos quebrar o círculo vicioso da pobreza e da desigualdade e, assim, eliminar um dos pontos deste triângulo maldito, desta trindade diabólica que domina o Brasil de hoje: violência, desigualdade e corrupção.

No centro desse triângulo, Senador Sibá, está a palavra educação. Agora, também para os dias de hoje, está a palavra cadeia, sem o que vamos dizer que daqui a vinte anos não terá mais corrupção e até lá estaremos todos assassinados pela criminalidade. Cadeia, hoje, para resolver a nossa criminalidade agora. E escola, hoje, para resolver a criminalidade do futuro.

Sr. Presidente, agradeço o tempo que me concedeu.

Esse era o recado que eu queria dar, provocado pelo debate a que assisti hoje aqui sobre relação entre educação e violência. Analfabeto não é violento. Agora, pessoas sem oportunidades iguais terminam se desviando ao longo da história de vida e caindo na criminalidade como solução para a sua vida, não como opção. Essa é uma opção de muito poucos, dos maus, dos perversos, que existem, mas são poucos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/05/2006 - Página 17428