Discurso durante a 67ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

A questão da violência promovida pelo crime organizado no país. Destaque para a necessidade de reestruturação da segurança pública no Brasil.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • A questão da violência promovida pelo crime organizado no país. Destaque para a necessidade de reestruturação da segurança pública no Brasil.
Aparteantes
Antonio Carlos Magalhães, Flexa Ribeiro, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 26/05/2006 - Página 18227
Assunto
Outros > LEGISLATIVO. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • CRITICA, AUMENTO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), EFEITO, PARALISAÇÃO, TRAMITAÇÃO, MATERIA, ORDEM DO DIA, COMENTARIO, DESAPROPRIAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ANTONIO CARLOS MAGALHÃES, SENADOR, OBJETIVO, ESTABELECIMENTO, PRAZO, VOTAÇÃO, PROPOSIÇÃO.
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, CRISE, SEGURANÇA PUBLICA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, ATUAÇÃO, CRIME ORGANIZADO, QUESTIONAMENTO, RELAÇÃO, POBREZA, DESIGUALDADE SOCIAL, FORMAÇÃO, CRIMINOSO, AUMENTO, VIOLENCIA.
  • REGISTRO, AUMENTO, VIOLENCIA, EFEITO, DESIGUALDADE SOCIAL, CRESCIMENTO, POBREZA, ECONOMIA INFORMAL, INEFICACIA, ESTADO, AUTORIDADE POLICIAL, DIREITOS E GARANTIAS TRABALHISTAS.
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, AUMENTO, INVESTIMENTO, REESTRUTURAÇÃO, SEGURANÇA PUBLICA, CONSTRUÇÃO, MANUTENÇÃO, PENITENCIARIA, OBJETIVO, ISOLAMENTO, CRIMINOSO.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de fato, é lamentável que, apesar de uma vasta pauta a ser votada no Senado Federal, em face das medidas provisórias, estejamos impedidos de fazer a nossa parte, ou seja, exercer nossa atividade legislativa, que é a de deliberar sobre matérias constantes da Ordem do Dia, vindas das Comissões.

            Aliás, sobre isso, Sr. Presidente, propus, quando da ocasião da PEC do Senador Antonio Carlos Magalhães, uma alternativa a fim de que o Senado Federal e a Câmara dos Deputados tivessem três dias para acordo relativo a votação de medida provisória. No caso de não haver acordo, nós teríamos três dias para votação das nossas matérias do Congresso Nacional - da Câmara e do Senado.

            Foi uma sugestão que, infelizmente, o Senado não acatou. Se tivesse acatado e a Câmara aprovasse, somando-se à iniciativa louvável do Senador Antonio Carlos Magalhães, nós não estaríamos, certamente, com a pauta trancada hoje, porque já se passaram mais de três dias e nós não votamos nada.

            Sr. Presidente, antes de iniciar o meu discurso, registro a presença neste plenário de dirigentes da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, que vieram de todo o Brasil pedir a celeridade na votação daquela matéria tão importante para a Educação Nacional, que é o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação - Fundeb. Essa entidade trabalha em todos os Municípios brasileiros e eles vieram aqui pelo interesse que têm pela votação de uma matéria tão importante como é o Fundeb. E é isso que nós justamente esperamos dessas entidades.

            O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Permita-me V. Exª um aparte?

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Com muito prazer, nobre Senador Antonio Carlos Magalhães.

            O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Senador Antonio Carlos Valadares, ainda há pouco tomei como compromisso a desobstrução da pauta, que o Governo nunca deixa que aconteça, porque, a cada dia, manda uma medida provisória. A nossa prioridade é a votação do Fundeb.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Senador Antonio Carlos Magalhães, V. Exª - posso dar o testemunho -, ao designar o Senador José Jorge como Relator, fez muito bem e deu a maior celeridade possível na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, cumprindo, portanto, não só o seu papel como o de todos os Senadores que integram aquela Comissão, como eu, o Senador Romeu Tuma, a Senadora Ana Júlia, tantos outros e o próprio Relator, que se dedicou inteiramente à construção de um projeto que pudesse atender aos brasileiros, principalmente aos educadores e à juventude do Brasil, a juventude estudiosa.

            Sr. Presidente, volto à tribuna do Senado Federal uma semana após ter me pronunciado sobre a necessidade de conciliar, de um lado, o braço forte do Estado contra o crime organizado e, do outro lado, o respeito aos direitos do cidadão para novamente falar da violência.

            Todos somos contra o crime organizado. O trabalhador, a trabalhadora, enfim todas as pessoas de bem repudiam a bandidagem e a violência promovida pelo crime organizado na cidade de São Paulo, cuja finalidade foi mostrar força, foi dizer que “existe um poder paralelo”. É por isso que digo que não tem nada a ver, não existe nenhuma relação entre o crime organizado do PCC e os grupos de reivindicação ou movimentos sociais: o PCC não quer falar da miséria. O PCC vive às custas da miséria! Os movimentos sociais não querem poder ou constituir um “poder paralelo”. Eles querem apenas, pelas vias democráticas, reivindicar direitos, mas principalmente reivindicar eficiência das políticas sociais do Estado brasileiro.

            O PCC não questiona ou se insurge contra a miséria. Não se pode falar que o PCC é fruto da degradante superlotação dos presídios ou que a sua origem está na formação de um grupo contrário à condição de vida sub-humana nos presídios brasileiros. Não! O PCC segurou essa bandeira para contar com a simpatia dos outros detentos. Para arregimentar outros presos. E, ainda assim, no início da sua formação. O PCC é criminoso, a sua lógica é a da ilegalidade, da ilicitude.

            Portanto, não entendo por que se busca uma relação entre os movimentos sociais e o PCC. Não entendo o porquê de tanto rancor e ódio quando se faz a relação entre o aumento da criminalidade e a desigualdade social, no Brasil. A sociedade brasileira sabe que a pobreza e a miséria também contribuem para a formação da bandidagem. Ao mesmo tempo que a sociedade brasileira sabe que outros fatores também contribuem para o surgimento do crime organizado: como a fraqueza do próprio Estado, a sua organização policial e, principalmente, o sentimento de impunidade.

            Ora, não há organização criminosa sem o braço do Estado. Como entram celulares e armas nos presídios? Há um braço do Estado nessa história. O que está por trás disso tudo? Se o PCC trabalha com tráfico de armas, de entorpecentes, com roubo a bancos, há outros interesses. Então, há responsabilidade de alguns agentes do próprio Estado. Tudo isso precisa ser combatido.

            Ninguém questiona medidas que previnam e estanquem o crime organizado.

            Naturalmente, Sr. Presidente, não podemos incluir aí os policiais ativos, os policiais que trabalham nas Polícias Militares de todo o Estado, com dedicação, inclusive com risco de vida. E, neste ponto, mais uma vez solidarizo-me com as famílias das vítimas, dos policiais que foram massacrados, de forma traiçoeira e covarde, no Estado de São Paulo.

            Entretanto, Sr. Presidente, o que estou querendo dizer é que a sociedade brasileira é madura o suficiente para saber que é inaceitável extrair dividendos eleitorais da gravíssima crise de segurança pública em São Paulo. E que por isso não é preciso tanto ódio da elite reacionária brasileira quando se faz a relação distribuição de renda e aumento da criminalidade. Como se essa relação fosse fantasia dos intelectuais que não conhecem a realidade do crime e ficam apenas filosofando nas universidades...

            A sociedade sabe que somente a pobreza não gera bandidos. Ela também sabe que pobreza e desigualdades sociais são coisas distintas e que a desigualdade social, por si só, não é capaz de gerar criminosos, mas é capaz de gerar falta de coesão social, falta de união, de solidariedade, de brasilidade. A desigualdade social é capaz de provocar a ausência de uma torcida a favor de um mesmo e de um único time.

            O Sr. Flexa Ribeiro (PSDB - PA) - Permite-me um aparte, Senador Antonio Carlos Valadares?

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Daqui a pouco, concederei um aparte, com muito prazer, aos dois ilustres Senadores Romeu Tuma e Flexa Ribeiro.

            A má distribuição de renda faz com que, na esfera pública, não tenhamos a mesma união que veremos agora no futebol brasileiro.

            Tenho plena consciência de que outros fatores, complexificados, de ordem social, psicológica e até moral, geram a criminalidade. Disso ninguém duvida. Apenas estou dizendo que a sociedade brasileira sabe avaliar o aumento da violência e da criminalidade após anos e anos de aplicação de políticas de desmanche do Estado, de retirada do Estado da economia, e do fim de uma universalização dos serviços públicos, além do desmantelamento das regras trabalhistas.

            Os trabalhadores brasileiros sabem o que é trabalhar na informalidade da economia informal: um estágio de completa insegurança social, econômica e jurídica para o cidadão, que se sente à mercê de uma sociedade que parece não lhe reconhecer como partícipe da cidadania. O trabalhador brasileiro sabe o que é a insegurança de ter interrompida a sua viagem ao trabalho ou o retorno para casa, para ser forçado a descer do ônibus que irá pegar fogo. Ser forçado a abandonar a perspectiva do pleno emprego e de uma segurança previdenciária e de acesso aos serviços públicos.

            Concedo a palavra ao Senador Flexa Ribeiro e, em seguida, ao nobre Senador Romeu Tuma.

            O Sr. Flexa Ribeiro (PSDB - PA) - Senador Antonio Carlos Valadares, V. Exª traz à tribuna um assunto que faz com que a sociedade brasileira toda esteja em pânico, eu diria; não aflita, mas em pânico. Faço este aparte ao pronunciamento de V. Exª para dizer que, ainda há pouco, participei, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, de uma audiência pública para tratar exatamente da questão da violência, audiência pública essa aprovada por requerimento de autoria do nobre Senador Romeu Tuma. E faço o mesmo registro que fiz naquela altura, lá na comissão, ao verificar o sentimento humano do Senador Romeu Tuma, emocionado ao se pronunciar na Comissão de Relações Exteriores. E também a emoção de todos os participantes convidados para aquela audiência pública. É importante dizer que esse é um problema nacional. O crime é localizado, mas o problema é de toda a sociedade, é nacional. V. Exª falou aqui exatamente em não se fazer questão partidária, eleitoreira desse grave problema que aflige a Nação brasileira. E, mais do que isso, tomar medidas concretas que nos direcione para uma solução. Ainda lá, discutíamos a necessidade de haver recursos no Orçamento que sejam alocados para segurança pública, assim como o são para educação e saúde. E disse lá que votaria, quando o projeto chegasse ao plenário e nas comissões, para que houvesse a vinculação também para segurança pública. Porque não é possível que o Fundo Nacional de Segurança Pública tenha apenas liberado, em 2005, R$ 0,60 per capita no âmbito nacional, quando foi feito o orçamento de R$ 2,00 per capita, o que já era pouco. Novamente, o Governo Lula contingencia e só libera praticamente um terço ou menos de um terço desses recursos. O próprio Secretário Nacional disse que os recursos necessários eram da ordem de R$ 1 bilhão, ou seja, duas vezes e meia o que está orçado e quase dez vezes o que foi liberado. Parabéns pelo pronunciamento de V. Exª e parabéns ao Senador Romeu Tuma pela demonstração de civismo, de brasilidade e de competência que deu na Comissão de Relações Exteriores.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Senador Flexa Ribeiro, agradeço o seu substancioso aparte, que vem, sem dúvida alguma, fortalecer as minhas palavras. Peço licença a V. Exª para incluir neste pronunciamento o seu aparte, que vem engrandecer a minha fala, hoje à tarde, no Senado Federal.

            Concedo um aparte, com muita honra, ao Senador Romeu Tuma, um dos grandes lutadores pela paz social em nosso País.

            O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Muito obrigado, Senador. Fico profundamente agradecido por V. Exª interromper o seu discurso para me conceder um aparte. O Senador Flexa Ribeiro demonstrou muito interesse no assunto quando foi à Comissão de Relações Exteriores, ocasião em que levou dados para apresentar à sociedade brasileira o total da população carcerária, como ela vem aumentando e os critérios para se obter alguma coisa mais organizada do que depósitos de presos, onde essas pessoas se transformam em criminosos cada vez piores, pela convivência e pela promiscuidade que existe dentro dos presídios. V. Exª falou uma coisa que é para mim muito importante. O Senador Flexa Ribeiro deve se lembrar do que disse a Delegada responsável pela Divisão de Repressão a Entorpecentes. Ela fala em circunstâncias iniciadas há dez anos, quando começou a prender os grandes traficantes. Hoje, chega um chefe e ela toma um susto: “Mas você, chefe do tráfico?! Por quê?”. Porque é esta a seqüência: eliminam-se os chefes e novos chefes se formam. É o substrato que sobra daqueles que nasceram no crime e com ele convivem, quando, socialmente, não se oferece nenhum tipo de apoio e proteção que possa lhes dar outra oportunidade. São analfabetos ou semi-alfabetizados que só têm no tráfico e na criminalidade a convivência que lhes dá uma sobrevida. Então, o apoio social foi totalmente afastado em razão de medo ou de falta de interesse do Estado. A Delegada mostrou que alguns trabalhos estão sendo feitos, inclusive com a Polícia Militar, em que meninos do tráfico de alguns morros do Rio de Janeiro estão se interligando com a Polícia humanizada para fazerem trabalhos conjuntos e depois voltam para dormir no morro de onde saíram. Mas, ainda assim, estão muito mais ligados ao respeito à lei do que anteriormente, quando não tinham amparo nenhum. Longe de mim dizer que pobre é bandido ou raciocinar ou pensar nesse sentido, mas acho que para quem tem, como liderança, como exemplo e convivência, a criminalidade não aprende outra coisa, pois não tem outra oportunidade. É aquilo que vale para ele. O herói daquela criança é o criminoso. É isto que o Estado tem que ver: como fazer com que a parte social chegue à área dominada pela criminalidade. V. Exª tem muita razão. Peço licença para me incorporar à homenagem que V. Exª faz às Polícias, tanto Estadual, Militar como Civil e às Guardas Municipais, enfim, todo esse sistema que está desagregado. E hoje se discutiu muito sobre a agregação de um sistema de segurança, uma central de informações objetivando levantar a criminalidade, o modus operandi e os responsáveis pelas lideranças desses grupos, porque hoje não se precisa mais sair da cadeia para liderar um grupo; o bandido está muito mais confortável sob a proteção do Estado, gastando dinheiro do Estado e, de lá, comandando a criminalidade que se comete do lado de fora das grades. Que Deus o abençoe e parabéns pelo seu discurso.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Senador Romeu Tuma, V. Exª, que tem uma experiência vasta no campo da segurança pública, pode dar uma opinião abalizada, com fundamentos concretos, porque V. Exª vivenciou, não só agora como em outros tempos, com muito equilíbrio, com muita moderação e sabedoria, a situação de devastação, de degradação da segurança pública.

            Precisamos repensar a segurança pública em nosso País, não como um gasto, não como uma despesa, mas como um investimento para prevenir acontecimentos que ponham em risco o equilíbrio da nossa sociedade. Afinal de contas, os presídios federais seriam da mais alta relevância para a manutenção de cadeias públicas de alta segurança, onde os bandidos mais perigosos, que lidassem com entorpecentes, que quisessem enfrentar o Estado, como aconteceu no Estado de São Paulo, ficassem isolados da sociedade durante um certo tempo.

            É difícil pensarmos que um bandido que foi criado desde pequeno no meio a que V. Exª se referiu deseje reciclar-se numa prisão. Não é fácil conseguir a reciclagem de um bandido.

(Interrupção do som.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Existem os Direitos Humanos - é bem verdade -, e devemos dar oportunidades a todos para que um dia possam voltar ao convívio social, mas é da maior importância que, durante um determinado período, haja o isolamento do preso sem que possa utilizar-se de advogados, de visitas íntimas, de celulares, e, da cadeia pública, paga pela sociedade, comandar massacres contra pessoas civis, contra policiais civis e militares. Enfim, o Estado tem de se aparelhar, tem de investir na segurança pública e, assim como disse o Senador Flexa Ribeiro, na educação e na saúde, porque aí - quem sabe? - aqueles que estão mergulhando ou ingressando no crime pensem duas vezes antes de tomar essa direção.

            Agradeço a V. Exª, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/05/2006 - Página 18227