Discurso durante a 70ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre a matéria publicada na primeira página do jornal Folha de S.Paulo, do último domingo, intitulada "Kroll recorreu à CIA para espionar governo brasileiro". (como Líder)

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SOBERANIA NACIONAL.:
  • Comentários sobre a matéria publicada na primeira página do jornal Folha de S.Paulo, do último domingo, intitulada "Kroll recorreu à CIA para espionar governo brasileiro". (como Líder)
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 31/05/2006 - Página 18487
Assunto
Outros > SOBERANIA NACIONAL.
Indexação
  • GRAVIDADE, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, ESPIONAGEM, EMPRESA ESTRANGEIRA, GOVERNO BRASILEIRO, AMBITO, PENDENCIA, DISPUTA, CONTROLE, EMPRESA, TELEFONIA, BRASIL, INTERESSE, BANQUEIRO, VINCULAÇÃO, CORRUPÇÃO.
  • EXPECTATIVA, ACESSO, POLICIA FEDERAL, DOCUMENTAÇÃO, ESPIONAGEM, CONTINUAÇÃO, INVESTIGAÇÃO, DENUNCIA, SUSPEIÇÃO, VINCULAÇÃO, AGENCIA, INFORMAÇÕES, GOVERNO ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), LEITURA, TRECHO, NOTICIARIO, IMPRENSA, PROTESTO, AMEAÇA, SOBERANIA NACIONAL, CONCLAMAÇÃO, MANIFESTAÇÃO, SENADO, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Pela Liderança do PT. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, há alguns dias, e nesse final de semana próximo passado especificamente, a Imprensa tem trazido algumas matérias que, dependendo do viés como são tratadas no Congresso Nacional, são interpretadas sob uma ou outra vertente.

No entanto, Senador Cristovam Buarque, há uma matéria, publicada no jornal Folha de S.Paulo, estampada na primeira página da tiragem de domingo, que creio ser impossível que este Senado da República não lhe dê a devida atenção. Diz a manchete: “Kroll recorreu à CIA para espionar governo brasileiro”.

Empresa usou informações da agência americana quando prestava serviços para a Brasil Telecom.

A empresa de espionagem Kroll recorreu à CIA, a Agência de Inteligência Americana, para investigar o Governo brasileiro. A ação ocorreu quando a Kroll trabalhava para a Brasil Telecom, então dirigida pelo Banco Opportunity de Daniel Dantas.

E por aí vai a matéria.

Tais assuntos: Banco Opportunity, Daniel Dantas, operações de investigação de grampos telefônicos, seguir autoridades, interceptar e-mails, e por aí afora, tem fortes, fortíssimos indícios de que possa efetivamente ter ocorrido ingerência da agência americana, a CIA, junto às autoridades brasileiras.

Sr. Presidente, estamos acompanhando atentamente - já dissemos isso há bastante tempo - uma das principais encrencas e disputas comerciais das últimas décadas no Brasil, quiçá do mundo, que é essa briga pelo controle da Brasil Telecom, originada no processo de privatização da telefonia estatal brasileira, em que o Banco Opportunity conseguiu algo extremamente inexplicável para qualquer acordo comercial qualquer acordo comercial. Ou seja, o Banco Opportunity, que praticamente não colocou nenhum recurso na compra da empresa de telefonia, o dono do Opportunity acabou sendo o gestor desta que é, indiscutivelmente, uma das principais empresas de telecomunicação, a Brasil Telecom. E, fruto dessa disputa pelo controle da Brasil Telecom, disputa que se arrasta no Judiciário brasileiro e no judiciário de outros países, de forma muito especial nos Estados Unidos, na Itália, é que temos essa entrada da CIA, que o jornal Folha de S.Paulo estampa nas manchetes do final de semana, além de várias reportagens veiculadas por outros meios de comunicação.

A saída do Sr. Daniel Dantas do Opportunity, do controle da Brasil Telecom, se deu em 2005 por conta das articulações feitas por meio dos fundos de pensão, de forma muito especial a Previ, que conseguiram, na Justiça, tirar o comando da Brasil Telecom do Banco Opportunity. A Brasil Telecom, à época, comandada pelo Sr. Daniel Dantas, foi quem contratou a Kroll para fazer as investigações, os grampos, para seguir as autoridades, para interceptar e-mails e tantas outras barbaridades que, até agora, não temos muito claras, tampouco o que foi feito em relação a tantas ilicitudes que ainda hoje aparecem indícios.

Apesar de a Brasil Telecom haver pago a Kroll, ela não podia acessar os tais documentos e serviços que a Kroll executou a pedido, a mando...

(Interrupção do som.)

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/`PT - SC) - Sr. Presidente, eu pediria um pouco de tolerância, porque entendo que o assunto é de muita gravidade.

Então, para acessar os documentos, a atual diretoria da Brasil Telecom também teve de recorrer à Justiça. Por não conseguir na Justiça brasileira, recorreu à justiça americana, onde obteve êxito, para que a Kroll, só agora, nos últimos dias, entregasse as caixas - a imprensa diz que são 21 caixas, mas a informação que tenho é de são 25 caixas aproximadamente - com os tais trabalhos realizados, com os tais documentos: escutas, fitas, enfim, o que eles conseguiram nessa investigação, patrocinada pelo Sr. Daniel Dantas, controlador do Banco Opportunity durante muito tempo, da Brasil Telecom. A atual diretoria comunicou à Comissão de Valores Mobiliários, a CVM, porque o juiz americano deu autorização para que os documentos, essas caixas, fossem entregues à diretoria da Brasil Telecom, mas a diretoria não tem autorização para manusear esses documentos. Isso só pode ser repassado a uma autoridade brasileira para fazer a investigação. Foi comunicado à Comissão de Valores Mobiliários, assim como a outras autoridades, e, agora, nos últimos dias, na semana passada, a informação que temos é a de que a Polícia Federal vai fazer a abertura e a investigação do que está nessas caixas.

Vejam como são interessantes as questões. Nós nos preparamos para acompanhar mais este capítulo dessa novela, e, no Painel do Leitor, da Folha de S.Paulo, desta segunda-feira, tem uma carta “Kroll 1” e “Kroll 2”, assinada, nada mais, nada menos, pelo Sr. Andrés Antonius, Presidente Mundial de Serviços de Consultoria da Kroll, em que, entre tantas negativas desmentidas pelos fatos, ele diz, num determinado trecho, que o Sr. Frank Holder, a tal da figura que processou boa parte das investigações contratadas pela Brasil Telecom* com a Kroll, não faz parte do quadro de funcionários da Kroll desde 31 de janeiro de 2005. A Kroll também confirma que iniciou ação contra ele por violação a contrato de sigilo e não competitividade.

Sr. Presidente, quero ter a oportunidade de fazer a leitura, por ser absolutamente imprescindível que aprofundemos esse assunto, porque o Sr. Frank Holder não é qualquer pessoa. O procedimento de, por coincidência, Senador Cristovam Buarque, ele ter sido desligado da Kroll - está aqui na carta - no dia 31 de janeiro de 2005, foi posterior, portanto, à Operação Chacal da Polícia Federal, que prendeu equipamentos e o disco rígido do banco Opportunity, ou seja, a operação que identificou essa investigação ilícita, ilegal das autoridades brasileiras, envolvendo nada mais nada menos do que o Presidente da República, o Ministro da Fazenda, o Ministro da Justiça, autoridades do Judiciário, como o Ministro Edson Vidigal*, do Superior Tribunal de Justiça, entre outros.

Portanto, o Sr. Frank Holder, que foi desligado coincidentemente logo após a Operação Chacal, é uma pessoa que tem uma história bastante pertinente e interessante, que eu gostaria aqui de registrar a partir do que está publicado no “Alerta em rede”:

O caso de Frank Holder, diretor mundial de investigações da Kroll, que tem defendido a lisura dos métodos investigativos de sua empresa em declarações à imprensa brasileira, é igualmente emblemático. Oficial de inteligência da Força Aérea dos EUA, no início da década de 1990, ele foi transferido para o Departamento de Assuntos Latino-americanos da CIA, em cuja condição serviu na embaixada estadunidense em Buenos Aires. Ali, segundo uma reportagem publicada na revista chilena Qué Pasa de 9 de junho de 2002, uma de suas funções principais foi supervisionar o desmantelamento do projeto do míssil balístico Cóndor II, um dos principais objetivos da campanha de “apartheid tecnológico” movida pelos EUA contra os programas de desenvolvimento científico-tecnológico avançados da Argentina e do Brasil, na década passada. Fluente em espanhol e português, ele desligou-se do serviço ativo, mas permaneceu em Buenos Aires, onde fundou a empresa de consultoria Holder Associates, que foi adquirida pela Kroll em 1998.

Segundo a Qué Pasa:

(...) pouco depois de sair da CIA, Holder começou a recrutar antigos companheiros, bem como pessoal de outras agências de inteligência dos EUA e, em 1995, os incorporou à empresa Kroll Associates”. Por outro lado, afirma, “fontes de inteligência, tanto no Chile como na Argentina, afirmam que a Kroll Associates ‘é uma empresa que continua vinculada à inteligência norte-americana ou é uma cobertura para atividades da CIA no Cone Sul’, agregando que suas atividades vão alem da simples espionagem industrial... a empresa - com filiais no Brasil, México e Venezuela - é conhecida nos círculos de inteligência da região como a ‘CIA privada’.

Neste mesmo material, Senador Cristovam Buarque, tem um estudo do analista Duncan Campbell, intitulado Marketing the New “Dogs of War” (Comercializando os novos “cães de guerra”), que descreve assim a atuação das empresas britânicas, que, não tenho dúvida, se aplica literalmente à empresa Holder Associates, a empresa que o Sr. Holder criou, e à atuação do Sr. Frank Holder:

Quando um serviço é bastante sensível... a rede de exército privado pode assumir o trabalho. Nada deve ser escrito em registros governamentais. Se necessário, oficiais do SAS (Special Air Service) podem ser e têm sido retirados da folha de pagamento do governo, retornando depois que o serviço for feito. No extremo do mesmo espectro, encontram-se serviços privados efetuados puramente para contratantes comerciais. Mas, mesmo assim, é da natureza da rede que o SIS (MI-6) e, se for apropriado e necessário, a CIA, são mantidos informados, de acordo com ex-oficiais de inteligência.

Portanto, as tais 24 ou 25 caixas que, depois de uma longa briga judicial, a Kroll entregou agora, por ordem e determinação de um juiz americano, podem, inclusive, não conter o material de espionagem, efetivamente realizado, das principais autoridades brasileiras, porque, como o Sr. Frank Holder - diz a própria nota do Presidente da Kroll - foi desligado da Kroll, a empresa que ele comanda - a Holder Associates - também foi desligada da Kroll, o que pode ter acontecido é que o que importa e o que é relevante dessa espionagem ilícita e afrontosa à soberania brasileira tenha ido parar nos escritórios do Sr. Frank Holder - da empresa dele - e não tenham ficado sob a tutela....

(Interrupção do som.)

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Portanto, Sr. Presidente, lamento tantas interrupções, mas quero deixar registrado que considero inadmissível que, com este grau de indícios de ingerência de organismos internacionais dos Estados Unidos - da CIA -, associados à Kroll do Sr. Frank Holder, o Senado da República não se debruce sobre esse tema e não o traga para o debate, aqui, nesta Casa.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Nobre Senadora, por que V. Exª não faz um requerimento pedindo a instalação de uma Comissão para que avancemos nisso? Terá a minha assinatura.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Inclusive, hoje, pela manhã, eu conversei muito rapidamente com o Senador Roberto Saturnino, considerando que a Comissão de Relações Exteriores fosse a mais adequada para tratar desse assunto. Tenho certeza absoluta de que, pela sua sensibilidade, o Senador Roberto Saturnino não ficará inerte diante de algo que eu reputo como da maior gravidade à soberania brasileira, uma afronta e ingerência aos assuntos de Estado e de...

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Prepare o requerimento que assinarei com V. Exª.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Com certeza, Senador Ney Suassuna. Agradeço a V. Exª.

Faço esse registro, Senador Cristovam Buarque. V. Exª, que já presidiu a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, sabe da gravidade e da importância de tratarmos, com a delicadeza que merece, um assunto dessa magnitude. O Senado da República, que possui como uma de suas principais prerrogativas tratar da soberania nacional, não pode deixar de se debruçar sobre um assunto dessa gravidade.

Agradeço a gentileza de V. Exª por me permitir passar bastante do meu tempo previsto.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/05/2006 - Página 18487