Discurso durante a 70ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre os debates dos candidatos à Presidência da República.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • Reflexão sobre os debates dos candidatos à Presidência da República.
Aparteantes
Arthur Virgílio, Eduardo Suplicy, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 31/05/2006 - Página 18516
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • CRITICA, DEBATE, CANDIDATO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, FALTA, ATENÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, COMBATE, DESIGUALDADE SOCIAL.
  • DECISÃO, CANDIDATURA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DEMOCRATICO TRABALHISTA (PDT), PRESIDENCIA DA REPUBLICA, DEBATE, PROPOSTA, FUTURO, PAIS.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Romeu Tuma, Srªs e Srs. Senadores, numa República como a nossa, a eleição para Presidente da República é o momento de pensarmos o futuro, especialmente num país que sempre se assumiu como país do futuro.

Lamentavelmente, o que estamos vendo, faltando apenas quatro meses para eleição, é um debate em que o futuro parece não existir ou parece ser apenas a continuação do presente. Assistimos a um debate entre dois dos grandes candidatos em que não se vê diferença de perspectiva para o futuro. Não vemos o enfrentamento dos problemas fundamentais do Brasil, não apenas os deste momento, como a desigualdade, a violência, a corrupção, mas sequer daqueles de longo prazo.

Como o Brasil vai estar daqui a vinte ou trinta anos no cenário mundial num tempo de globalização? Como vamos fazer para garantir oportunidades iguais a todos os brasileiros? Qual o modelo econômico que será capaz de garantir sustentabilidade respeitando o meio ambiente, protegendo nosso patrimônio natural para gerações futuras? Como serão as relações de trabalho em um mundo onde o trabalho está sendo cada dia mais desnecessário? O debate sobre o Brasil que queremos não está sendo feito.

Temos, de um lado, esses dois grandes pólos de iguais discutindo como ajeitar a taxa de juros, como vêem a taxa de câmbio que o Brasil deve ter, como enfrentar, manter ou mudar programas de assistência social, mas não estamos vendo o debate sobre o Brasil que nós queremos.

Na República, quando, a cada quatro anos, escolhemos um Presidente, é exatamente para pensar que futuro queremos para nosso país. É isso que o eleitor precisa ouvir para escolher na hora em que vota. Ele não vota entre um candidato com barba e outro sem barba, entre um com cabelo e outro careca. Não! Ele vota é na cara de um futuro ou na cara de outro futuro. Não estamos vendo esses futuros sendo trazidos para o debate.

Felizmente, temos uma candidata que traz um futuro, que é a Senadora Heloísa Helena. É preciso reconhecer que S. Exª formula um projeto para o futuro. Eu discordo do projeto porque ele parece desligado do presente. Temos, então, dois tipos de candidatos: os que só que pensam no presente e os que só pensam no futuro, os que ignoram o futuro e os que ignoram o presente.

É preciso que tenhamos candidatos que assumam a responsabilidade de dizer “nós temos um desenho diferente para o Brasil do futuro” e tenham a responsabilidade de dizer “esse Brasil do futuro já começou”. Esse Brasil do futuro não é um sonho desligado da realidade de hoje. Esse Brasil do futuro tem amarras que dificultam a velocidade com que devemos caminhar. Já que está na hora da Copa, vemos nossos jogadores, no treino, correndo amarrados, para desenvolverem mais força nas suas pernas. Se cortarmos aquelas amarras, eles cairão.

Assim também o Brasil não pode, de repente, cortar essas amarras. Temos de levar em conta de que temos dificuldades nas relações internacionais, nas contas do setor público, que devem ser administradas com cuidado, na medida em que sabemos para onde queremos ir.

Não estamos vendo esse debate, Senador Ramez Tebet, a quem concedo o aparte.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Cristovam Buarque, é sempre um prazer imenso ouvir V. Exª, que faz um pronunciamento à altura da sua própria grandeza e à altura do conceito de que V. Exª goza perante o País. Eu só quero dizer - V. Exª já afirmou isso - que nós não temos projeto de desenvolvimento para nada. Nós estamos vivendo em um improviso, Senador Cristovam Buarque. Há uma improvisação. Nós estamos vivendo o dia-a-dia, o nosso dia-a-dia. Precisamos ter um projeto de desenvolvimento também para agora, porque nossos filhos não podem esperar. Nós não podemos fazer um projeto de desenvolvimento utópico.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Isso.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Daí V. Exª ter afirmado que um projeto de futuro para o Brasil envolve o presente também. E nós não temos projeto nenhum de desenvolvimento para o presente. Não temos uma política industrial, não temos uma política agrícola, não temos uma efetiva política habitacional para o País, para resolver o problema daqueles que não têm casa própria. Nós estamos engatinhando no processo educacional, no qual V. Exª é mestre.

Falta qualidade no ensino. Falta melhor aperfeiçoamento dos professores. A saúde está capenga no País - e quanto está capenga a saúde no País! Precisamos reconhecer isso. Precisamos de um projeto de desenvolvimento. É preciso agir imediatamente.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito bem.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Esse é o meu pensamento. Daqui a vinte anos, tudo bem, mas temos que dar o primeiro passo agora, para, daqui a vinte anos, sonharmos. Stephen Zweig, escritor austríaco conhecido de V. Exª, que faleceu no Brasil, era otimista em relação ao Brasil e escreveu até o livro “Brasil, País do Futuro”. Mas vamos ficar falando “Brasil, país do futuro” até quando? Por quantos e quantos anos vamos ficar falando isso? Temos que falar sobre o Brasil de agora! O Brasil do futuro deve começar agora, deve começar com um grande debate, e o processo eleitoral tem, como disse V. Exª no início do seu pronunciamento, que se desdobrar nesse sentido, sob pena de estarmos fraudando o desejo da nossa população, de estarmos boicotando o exercício da cidadania. Cumprimento V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço, Senador Ramez Tebet, e quero dizer que não podemos saltar o futuro, tampouco ficar patinando no presente. E a combinação do futuro com o presente, do sonho com a realidade, da utopia com a aritmética é o desafio para os candidatos a Presidente mostrarem que têm propostas. Devem mostrar aonde ir e como chegar lá.

Lamentavelmente, insisto, não estamos vendo esse debate, não estamos vendo nem a proposta do futuro nem o como chegar lá.

Mas o PDT - quero afirmar aqui - terá candidato a Presidente com uma tarefa muita clara: mostrar que não basta ficar no presente e que não adianta querer chegar voando ao futuro.

Não há utopia sem a aritmética, nem há aritmética sem futuro. Queremos trazer um debate mostrando que é possível, Senadores, fazer a transformação social com responsabilidade econômica; não apenas com assistência social, não apenas com programas necessários de manutenção do quadro, com programas de emancipação. Programas de emancipação não podem estar soltos no ar; devem estar vinculados à realidade e às limitações do presente.

Vamos trazer um projeto porque entendemos que é responsabilidade de todos os partidos apresentar propostas e, para isso, ter candidatos. Lamento que partidos até mesmo ideológicos não se aliam a outros Partidos, que é a opção correta, nem lançam candidatos. Com medo das dificuldades conjunturais de elegerem Deputados, eles se alienam do processo do debate.

Volto a insistir no meu elogio à opção do P-Sol, que, correndo risco sério de chegar ao próximo ano sem representação nesta Casa, com a proporção de votos que tem hoje para a Heloísa Helena, sabendo que não se transferem os votos da Presidência para o Deputado. Mesmo assim, em nome de uma utopia, em nome de um projeto, como o PT sempre fez, Senador Eduardo Suplicy, quando lançava a sua utopia, o seu projeto, sem querer saber o resultado conjuntural ou circunstancial de quantos Deputados seriam eleitos, reconheço que, nesse sentido, o P-SOL está dando um exemplo ao Brasil, de que outros Partidos ideológicos estão abdicando, abandonando e fugindo.

O PDT não vai abdicar, não vai fugir e não vai abandonar. Imaginem Brizola não ter candidato a Presidente, fosse ele ou outro que ele apoiasse, como já ocorreu ao apoiar Lula e ao apoiar Ciro Gomes. Ele não foi candidato, ele não tinha esse apego de ser ele necessariamente o candidato. Mas ele jamais abdicou de ter um candidato, porque ele tinha um projeto, tinha uma proposta.

Vamos trazer, sim, a proposta de como será o Brasil, defendendo sua nacionalidade num mundo global. Não adianta ignorar a realidade da globalização, nem querer que o Brasil se dilua nela.

Vamos, sim, trazer projetos de como é possível ter um desenvolvimento econômico convivendo com o meio ambiente. É bem capaz que isso não traga votos, é até capaz que isso tire votos, mas tira hoje. Porém, em 2010, em 2014, em 2018, outros virão, como fez o PT, e vão trazer a transformação do sonho em realidade política.

Hoje, o que queremos é transformar a realidade econômica e social num sonho de uma sociedade que seja, ao mesmo tempo, justa, soberana, sustentável e eficiente. Trata-se de um sonho antigo que não podemos abandonar. Aparentemente, no debate hoje entre os dois candidatos principais, a impressão é de que abandonaram o futuro, estão presos às circunstâncias de hoje. Da mesma maneira, o P-Sol parece estar preso aos sonhos e ao futuro, ignorando as amarras do presente. Da mesma maneira, outros partidos estão abandonando esse debate, estão fugindo do debate por causa das circunstâncias locais e da cláusula de barreira.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Concedo o aparte ao Senador Eduardo Suplicy, com muito prazer.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Cristovam Buarque, primeiro, V. Exª sabe das raízes comuns que ambos temos e, sobretudo, que nos levaram a ser membros do Partido dos Trabalhadores. Quero expressar o respeito que tenho pela decisão que V. Exª acabou tomando. Sabe da recomendação que lhe fiz no sentido de considerar bastante, pensar, porque preferiria que continuasse no Partido dos Trabalhadores. V. Exª sabe, portanto, que continuo no Partido dos Trabalhadores e que estarei apoiando o Presidente Lula como candidato a Presidente se Sua Excelência confirmar a sua candidatura. Avalio como importante a disposição de V. Exª de contribuir com proposições e idéias, o que vai enriquecer o debate na sucessão presidencial. Era um registro que gostaria de fazer. V. Exª, como Senador, tem uma função importante ao presidir a Comissão de Direitos Humanos, tendo em vista a situação atual de grande relevância, qual seja, o fato de a Comissão de Direitos Humanos ter aprovado, semana passada, a constituição de uma Comissão para acompanhar, para ajudar no diagnóstico de todos os problemas que resultaram naquela erupção na região metropolitana maior do Brasil, em São Paulo, envolvendo não apenas a Capital, mas praticamente o Estado, com ramificações em outros Estados.

Ao concluir, quero dizer o quão importante será essa Comissão. Gostaria de propor a V. Exª - hoje já dialogamos sobre isso - que pense bastante sobre a melhor maneira de essa Comissão realizar um trabalho com frutos importantes, dando relevância à Comissão presidida por V. Exª e a nós que queremos colaborar com V. Exª nesse diagnóstico sobre o porquê de tanta violência, da superlotação das prisões e sobre o que fazer diante do narcotráfico, dos PCCs e assim por diante.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço, Senador Eduardo Suplicy, e já comentei que vamos fazer uma reunião amanhã da Comissão, para começarmos os trabalhos. V. Exª, não sei se propositadamente ou não, trouxe para mim um exemplo de um candidato, de uma candidatura que discuta o assunto preso ao presente e ao futuro em relação à violência, por exemplo.

Há duas maneiras de cuidarmos da violência: uma é ignorarmos que hoje há bandidos na rua e dizermos que, com base na educação, amanhã teremos uma sociedade pacífica completamente. Essa é uma posição absurda daqueles que acham que é possível saltar ao futuro. A outra é daqueles que, presos no presente, acham que o problema é apenas colocar os bandidos de hoje na cadeia.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - O que vamos trazer, o PDT, Senador Arthur Virgílio, é uma proposta de como é possível ter, daqui a algumas décadas, uma sociedade pacífica, sem bandidagem, mas sem ignorar que na realidade de hoje há bandidos - alguns presos e muitos soltos - ameaçando o dia-a-dia do cidadão.

Senador Eduardo Suplicy, eu gostaria que mantivéssemos, além das raízes comuns, os sonhos em comum, sabendo que é possível construir, por exemplo, no caso da violência, uma sociedade pacífica. Não esqueçamos que hoje a sociedade é violenta e precisa de ações diretas para enfrentar a violência.

O que eu digo com relação à violência serve para qualquer outro problema. Há aqueles que cuidam somente do presente, os que cuidam somente do futuro e aqueles que querem ser uma ponte construindo um novo Brasil, sem ignorar a realidade que traz amarras no presente.

Concedo o aparte ao Senador Arthur Virgílio.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Senador Cristovam Buarque, eu parabenizo V. Exª pela iniciativa e digo que na minha Bancada não tenho o hábito, como Líder, de me auto-indicar para nada. Deixo, primeiro, todos os Senadores escolherem e optarem. Havia uma vontade muito grande de muitos dos meus colegas Senadores tucanos de participarem dessa iniciativa. Eu pedi a eles, hoje, que me deixassem participar pessoalmente. Quero dizer a V. Exª que integro a comissão representando o meu Partido. Quero tornar bem clara a preocupação com esse tema que não pode ser tratado eleitoreiramente ou levianamente. Sinto que seria uma opção minha não estar nisso. Portanto, parabenizo V. Exª novamente, e digo que estarei ao seu lado e com os demais Senadores nessa comissão externa para São Paulo. Muito obrigado, Sr. Presidente.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu agradeço que o Senador Arthur Virgílio tenha assumido a posição de ele mesmo estar presente, como eu também vou estar, como Presidente da Comissão.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Peço mais dois minutos, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PFL - SP) - Certo, não há problema, V. Exª os terá. Apenas faço o apelo porque haverá sessão do Congresso em seguida.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Gostaria de mostrar, por esses dois comentários, como é difícil falar do futuro no Brasil de hoje, como o presente consome o nosso dia-a-dia e como alguns esquecem que existe esse presente.

Vamos ter candidato, Presidente Romeu Tuma, porque queremos trazer sim para o debate nacional a necessidade de um outro Brasil, mas queremos trazer para o debate nacional o caminho para chegar nesse outro Brasil. E queremos definir esse caminho levando em conta as amarras, que não podemos ignorar, do presente.

Não vamos nos abster, em razão dos riscos eleitorais e mesmo da cláusula de barreira, não vamos abdicar do que Brizola nos deu como exemplo: pensar o Brasil por inteiro, e não os Estados individualmente. E o Brasil do longo prazo, e não apenas o Brasil de hoje.

Vamos trazer a proposta que permita um concerto, com “c”, do Brasil, concerto de maestro; levando em conta a necessidade de consertos com “s”, dos consertos de mecânicos, que precisamos para a realidade de hoje.

Não vamos fugir dessa luta. Não vamos nos abster diante das exigências e do debate de que Brasil queremos, como construí-lo e como sair das amarras de hoje.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/05/2006 - Página 18516