Discurso durante a 75ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre o momento político e os episódios de vandalismo que ameaçam a democracia.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MANIFESTAÇÃO COLETIVA. CONGRESSO NACIONAL.:
  • Reflexão sobre o momento político e os episódios de vandalismo que ameaçam a democracia.
Aparteantes
Almeida Lima.
Publicação
Publicação no DSF de 07/06/2006 - Página 19216
Assunto
Outros > MANIFESTAÇÃO COLETIVA. CONGRESSO NACIONAL.
Indexação
  • AMEAÇA, CONGRESSO NACIONAL, FALTA, DEFESA, VIOLENCIA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, SEM-TERRA, ANALISE, RESPONSABILIDADE, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DESCUMPRIMENTO, PROMESSA, REFORMA AGRARIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), AUSENCIA, CONTROLE, ATUAÇÃO, LIDERANÇA, DESRESPEITO, DEMOCRACIA, CRITICA, PRESIDENTE, CAMARA DOS DEPUTADOS, SIMULTANEIDADE, IMPUNIDADE, CONGRESSISTA, PROPINA, MESADA.
  • CONCLAMAÇÃO, SENADOR, PRESIDENTE, SENADO, PROVIDENCIA, DEFESA, DEMOCRACIA.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Romeu Tuma, o Congresso que não é capaz de se defender não merece sobreviver. Se não soubermos enfrentar o que aconteceu hoje aqui, estaremos caminhando - não sei se a passos largos ou curtos, em questão de meses ou anos - para extinguir a justificativa para a existência de um Congresso.

Nós não temos forças, a não ser a força moral, a competência política de cada um de nós e a liderança de cada um de nós para conduzir, diante da opinião pública, a Nação brasileira.

E, nessa competência política, talvez o mais importante seja a capacidade de anteciparmos para onde estamos indo e a capacidade de entendermos o que está acontecendo.

Hoje há uma conspiração que poderá levar - não sei se a passos largos ou curtos - ao fim da razão de ser do Congresso. Quando digo “conspiração”, Sr. Presidente, não me refiro à conspiração feita por conspiradores conscientes do que fazem. Às vezes, a história leva a uma conspiração inconsciente em que cada um de nós cumpre o seu papel sem nem saber, sem nem perceber.

Nesse jogo, a maior responsabilidade, obviamente, está no Presidente da República, que, não cumprindo as promessas que fez, incentiva rebeliões, manifestações e protestos.

Está claro também que faz parte dessa conspiração - talvez inconsciente, talvez sem determinação de levar adiante a desmoralização e o conseqüente fechamento do Congresso Nacional - o Partido dos Trabalhadores se não for capaz de controlar algumas das suas forças.

O que aconteceu hoje aqui foi liderado por um grupo que é parte do Partido que está no Governo e que veio ao Congresso Nacional reclamar de coisas que o Poder Executivo não está fazendo. Isso leva a uma grande suspeita de conspiração, talvez de forma inconsciente.

Temos de perceber que há coisas estranhas acontecendo, uma delas é quebrar parte do Congresso Nacional, ferir seguranças que cuidam do Congresso e desmoralizar o Congresso, como seremos desmoralizados daqui a duas horas, quando as notícias forem veiculadas pelos jornais nacionais e como já fomos desmoralizados nos jornais da Europa e de países onde o horário nobre ocorre antes do nosso.

Quem faz isso - não sei se conscientemente ou deliberadamente - quer fechar o Congresso ou está participando de uma conspiração que ameaça, de forma muito forte, a democracia.

O Presidente da Câmara dos Deputados faz parte, hoje, dessa conspiração, talvez de maneira inconsciente. Não acredito, pela história dele, que o Deputado esteja querendo desmoralizar o Congresso, do qual ele faz parte. No entanto, ao não agir corretamente, o Deputado colabora com um processo - não sei se a passos largos ou curtos - que pretende desmoralizar completamente o Congresso.

Se isso acontecesse em qualquer outro momento, seria muito grave. Mas acontecer hoje é ainda muito mais grave, diante da crise moral que o Congresso vive, inclusive porque nós também fazemos parte da conspiração.

Fazemos parte da conspiração quando isentamos e não cassamos Deputados que estavam comprovadamente envolvidos em atos ilícitos. É claro que isso leva a uma desmoralização.

O Sr. Almeida Lima (PMDB - SE) - Senador Cristovam Buarque, V. Exª me concede um aparte?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Por favor, Senador Almeida Lima.

O Sr. Almeida Lima (PMDB - SE) - Quero solidarizar-me com o pronunciamento de V. Exª e dizer que compreendo, entendo e vejo o problema da mesma forma que V. Exª. Em outra ocasião, dessa mesma tribuna, mostrei que aquela convocação extraordinária do Congresso Nacional, no final do ano passado e início deste ano, atendeu exatamente ao objetivo de desmoralização do Congresso Nacional. De forma imediata, o Presidente da Câmara, Aldo Rebelo, tirou da gaveta um projeto que abordava o aumento do número de Deputados Federais, para que a imprensa brasileira, mais uma vez, fizesse as críticas que fez ao Legislativo Federal. Portanto, quero me solidarizar com o pronunciamento de V. Exª e dizer que esse também é o meu pensamento. Há poucos instantes eu disse a um companheiro de plenário que, hoje, quando o Presidente Lula se manifestar, vai dizer: ‘Isso não é problema meu, porque isso não aconteceu no Palácio do Planalto; isso aconteceu nas dependências do Congresso Nacional. E o Presidente do Congresso, que é o Presidente do Senado, mais o Presidente da Câmara é que deveriam tomar as providências”. Portanto, esse é o aparte que faço ao pronunciamento de V. Exª. Muito obrigado.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço a V. Exª, Senador.

Lembro que, nessa conspiração, temos uma responsabilidade. Se essas vidraças quebradas mostrassem um Congresso limpo, puro diante da opinião pública, ela se manifestaria contra os baderneiros. No entanto, temo que as vidraças quebradas mostrem ao povo sanguessugas e mensaleiros perdoados. Lá fora, vão ver não apenas baderneiros, como o são, ameaçando a democracia, mas também vão ver que conspiramos para enfraquecer a instituição pela qual temos obrigação de zelar.

Faz parte dessa conspiração o Presidente do Supremo Tribunal Federal, que, durante meses e meses, agiu de maneira política, partidarizando as decisões tomadas na Corte Suprema nacional. Faz parte, sim, dessa conspiração o fato de que as regras eleitorais são mudadas de tal maneira que levam à polarização, quase impossível de ser vencida no cenário nacional.

Temos apenas a força moral, a liderança que conquistamos ao longo da vida e a respeitabilidade da opinião pública. Isto se formos capazes de antecipar o que está para acontecer nos próximos meses ou anos, de entendermos o que está acontecendo, seja por opção deliberada de algumas pessoas neste País de desmoralizar o Congresso, seja por conspirações espontâneas, que acontecem, às vezes, em alguns momentos da história.

Senador Tasso, temo que estejamos vivendo um desses momentos. E que cada um de nós aja sem saber que está levando à realização de um final que ninguém deseja, como nas peças gregas, em que cada ator cumpre a sua função. Nenhum quer o resultado final da tragédia, mas cada um cumpre a tragédia pessoal de levar à tragédia final.

Não vamos conseguir manter esta Casa com o seu poder se precisarmos ir atrás de apoios de fora daqui, se precisarmos apelar para forças estranhas. Ou nós nos defendemos com a força que temos, da credibilidade, da liderança, da competência de articular, de antecipar, de tomar as medidas necessárias, ou caminharemos para uma desmoralização tão grave que a quebra de vidraças será vista como algo natural.

É para isso, Sr. Presidente, que eu queria alertar esta Casa.

Proponho que V. Exª, como Presidente da Mesa, leve ao Presidente da Casa a necessidade da qual outros Senadores já falaram aqui: de nos encontrarmos para analisarmos como vamos nos defender.

Se a CPI dos Sanguessugas não for convocada, isso é tão grave quanto quebrar as vidraças, além de que as vidraças quebradas vão mostrar a realidade suja daqui de dentro.

Se não levarmos adiante o nosso papel como o povo espera, estaremos mostrando, lá fora, que as vidraças quebradas mostraram algo que não representava o que o povo quer.

A primeira coisa é punir quem fez tudo isso; a segunda - não tenho nada a ver com isso, porque não devemos nos meter nos Partidos -, Senador Siba Machado, é que o Partido dos Trabalhadores tem de dizer qual é a posição que vai tomar diante do fato de que alguns dos seus membros importantes lideraram essa ação contra a Casa do povo, o centro da democracia.

O Presidente da República tem de manifestar-se sobre isso. Que eu saiba, não houve ainda nenhuma manifestação, nem de solidariedade com o Congresso, nem de crítica ao que foi feito por alguns dos membros do Governo, nem uma mea culpa, se for o caso, por não ter feito a reforma agrária como prometeu.

Estamos diante de uma conspiração que continuo achando que é espontânea, que não é fruto da articulação de ninguém que queira fechar o Congresso e assumir poder autoritário. Mas uma conspiração que, mesmo sendo espontânea, sem ninguém por trás para articular, sem um engenheiro-chefe de tudo isso, mesmo assim, pode levar a conseqüências que só se descobre depois que acontece.

Sr. Presidente, creio que a Casa tem de saber o que vai fazer. Aquilo aconteceu no Congresso, nas dependências físicas da Câmara, mas nas dependências institucionais do Congresso Nacional. Aqui mencionei a responsabilidade do Deputado Aldo Rebelo, mas não nos podemos isentar de responsabilidade nesse episódio, não. Não vamos jogar a culpa no Presidente apenas porque as instalações físicas são do outro lado. Do ponto de vista institucional e na opinião pública, isso aconteceu no Senado Federal, na Câmara dos Deputados, no Congresso Nacional, que o povo, felizmente, vê como a mesma coisa. Não adianta querermo-nos divorciar da Câmara dos Deputados.

Deixo à Mesa as perguntas: o que, amanhã, vamos dizer à opinião pública diante do que aconteceu hoje aqui? Que ações vamos dizer que tomamos para reprimir aquilo que aconteceu? E o que vamos fazer para que, quando vidraças sejam quebradas, as entranhas do Congresso que apareçam não sejam aquelas que estão aparecendo agora, tão trágicas que podem levar parte da opinião pública a não se constranger diante do que aconteceu, não se sentindo, ela própria, violentada, como deveria se sentir, porque a Casa é do povo, como se fosse uma coisa do Congresso com baderneiros e não de baderneiros contra a democracia?

Pergunto à Mesa: o que a Presidência do Senado vai fazer de concreto para enfrentar essa conspiração, espontânea ou não, que hoje acontece contra a democracia?


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/06/2006 - Página 19216