Discurso durante a 78ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Necessidade de aprimoramento do projeto de reforma universitária anunciado pelo Governo.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. ENSINO SUPERIOR.:
  • Necessidade de aprimoramento do projeto de reforma universitária anunciado pelo Governo.
Aparteantes
Edison Lobão.
Publicação
Publicação no DSF de 10/06/2006 - Página 19892
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, DEBATE, IMPRENSA, OPINIÃO PUBLICA, PODER PUBLICO, PROJETO, REFORMA UNIVERSITARIA, PRIORIDADE, MODERNIZAÇÃO, ESTRUTURA UNIVERSITARIA, GARANTIA, PRODUÇÃO, CONHECIMENTO, DESENVOLVIMENTO, REFORÇO, PAIS.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, INFERIORIDADE, RECURSOS FINANCEIROS, MELHORIA, ENSINO SUPERIOR, NECESSIDADE, FEDERALIZAÇÃO, EDUCAÇÃO BASICA, OBJETIVO, AMPLIAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, POPULAÇÃO, ESCOLA PUBLICA, AUMENTO, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, REGISTRO, DADOS, DIVISÃO, RECURSOS, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), UNIVERSIDADE FEDERAL, ENSINO FUNDAMENTAL.
  • QUESTIONAMENTO, REFORMA UNIVERSITARIA, AUMENTO, FINANCIAMENTO, REDUÇÃO, CRISE, AUSENCIA, PROJETO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, ESTRUTURA UNIVERSITARIA.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Tião Viana, Presidente desta sessão, dispus-me a falar hoje levando em conta que ontem conseguimos algo fenomenal, que foi terminar esse período de CPIs. Felizmente terminamos tudo isso, e agora talvez tenhamos tempo para discutir outras coisas. Por coincidência, no mesmo momento em que terminamos as CPIs, em que o Senado pode começar a se dispor a discutir outros temas que possam chamar a atenção da opinião pública através da mídia, que sofre de uma sedução muito grande pelas CPIs, deve estar entrando aqui, não no Senado, ainda, mas no Congresso, o projeto de reforma universitária do Governo.

Sei que, talvez, ainda viciados no tsunami das CPIs, haja uma certa passividade e resistência a discutir outros temas, mas gostaria de fazer um apelo à imprensa, à opinião pública, às direções para que esse assunto seja discutido com a seriedade que é preciso, com a consciência de que o futuro do Brasil, que depende de muitas coisas, talvez não tenha nenhum outro vetor mais importante a discutir do que a fábrica de conhecimento, que, no século XXI, será o principal capital.

Houve um tempo em que o capital era físico, material: as máquinas de uma empresa, as edificações de um prédio, as construções de uma represa ou de uma central termoelétrica. Era a infra-estrutura econômica, eram as máquinas das indústrias, eram os equipamentos agrícolas que faziam um país rico. Mudou o tempo, nas últimas décadas. O que faz, hoje, um país ser considerado rico, forte, dinâmico não é mais a quantidade prédios, de edificações, de máquinas que tem; é a capacidade de gerar conhecimento, é a capacidade de produzir esse principal capital do século XXI, que é o conhecimento, que é o saber, que são as formas tecnológicas de produzir a partir dos desenhos da massa cinzenta da população. A universidade é a fábrica principal da geração de conhecimento.

Lamentavelmente, a passividade, a falta de apoio, o acomodamento também de nós todos, professores, na universidade - desculpem-me por dizer todos, é um exagero -, de muitos de nós, professores, e a perplexidade diante de um mundo onde o conhecimento muda fora da universidade e, ao mesmo tempo, é divulgado fora da universidade, fez com que perdêssemos o ritmo. Hoje grande parte desse capital fundamental do século XXI, que é o conhecimento, é produzido em fábricas, em escritórios, em hospitais, como aqui em Brasília, no Sarah Kubitschek, que é uma fábrica de conhecimentos novos na área da Medicina.

Por isso é que precisamos de uma reforma, uma reforma que traga de novo para dentro da universidade o centro de produção do conhecimento que o Brasil vai precisar, se quisermos ser uma Nação de ponta, se não quisermos continuar dependentes do que é produzido lá fora.

Essa velocidade nova, essa revisão vai precisar de uma refundação da universidade. Ela tem que ser refundada. Ela tem que deixar de ter aquela estrutura mais parecida com a época em que foi criada, há mil anos. É preciso criar uma nova, que sirva para o século XXI: mais rápida, mais dinâmica, mais ágil, com mais alunos fora dos seus territórios. Isso porque hoje não é preciso mais estar dentro da sala de aula para aprender.

O que temo, pelas informações recebidas até aqui sobre o projeto de lei lançado ontem pelo Presidente - ainda não conhecemos os detalhes desse projeto, mas, em geral, todo projeto lançado é mostrado na imprensa -, a reforma hoje proposta não traz uma refundação da universidade. Ela se limita a alguns ajustes, Senador Tião Viana. E esses ajustes, esses jeitinhos não vão trazer para o Brasil a universidade fábrica de conhecimento de que nós precisamos. Claro que o problema da universidade é falta de recursos, mas não apenas falta de recursos; é uma estrutura superada, é uma vinculação professor-aluno ultrapassada. Vamos ter de fazer uma reforma muito mais profunda e dar alguns recursos adicionais também à universidade. Porém, mais recursos sem uma reforma na sua estrutura, na sua concepção, na sua maneira de funcionar, não vai trazer para o Brasil a fábrica de conhecimento de que nós precisamos. E sem essa fábrica, o Brasil está condenado a ser um País marginal no cenário internacional.

Mas essa não é minha única preocupação, nem a maior preocupação, porque esse problema nós vamos resolver aqui. Daqui vai sair um projeto alternativo de reforma universitária. O que mais me preocupa é essa percepção equivocada de que é possível mudar a universidade sem mudar a educação básica, de que é possível ter uma fábrica de conhecimento a partir apenas daqueles que estão dentro da universidade, sem levar em conta, Senador Lobão, todos os jovens que estão hoje na pré-escola, no ensino fundamental e na educação média. Não se começa a reformar o topo do edifício sem se reformar seus alicerces, e é isso que, aparentemente, se quer fazer. Não temos como fazer uma séria reforma universitária sem fazermos uma radical reforma da educação básica no Brasil.

Apenas um terço dos nossos jovens terminam o ensino médio. Desses, apenas a metade sonha em entrar na universidade. Não só por falta de dinheiro, mas também, sobretudo, por falta de preparo, o que não lhes deixa ao menos sonhar com a idéia de um ensino superior.

Se apenas um sexto dos nossos jovens sentem desejo de fazer vestibular pelo conhecimento que adquiriram na educação básica, significa que estamos jogando fora cinco sextos dos nossos potenciais universitários. Quantos gênios não morreram antes de aprender a ler e não puderam desenvolver o seu conhecimento literário? Quantos não morreram antes de aprender aritmética e não puderam desenvolver plenamente o seu potencial científico?

Com a responsabilidade pela educação entregue aos Municípios, Municípios pobres que não têm como levar adiante a educação, não vamos ter uma boa educação. Ou nacionalizamos a educação brasileira, ou a federalizamos, se assim quiserem, ou tornamos a educação de cada criança uma preocupação do País inteiro e não apenas do pobre prefeito. Ou fazemos com a educação básica aquilo que fizemos com a universidade quando a federalizamos, ou fazemos com que a educação de cada criança seja um compromisso do Brasil e não apenas do Município; caso contrário, não vamos ter uma boa universidade.

Quando falo em nacionalizar a educação, não quero dizer que Brasília deve gerenciar 160 mil escolas. Não acredito nisso! Sou favorável à descentralização. Aliás, sou tão radicalmente favorável à descentralização que acho que a escola não precisa nem ser do Município; ela pode ser dos pais e dos mestres e, mesmo assim, ser pública, se ela cumpre padrões mínimos para o Brasil inteiro. E, para isso, terá de haver mais recursos da União.

A reforma universitária que vem por aí, pelo que leio nos jornais, não é uma reforma universitária; é um ajuste de financiamento para resolver a crise emergencial e não a crise estrutural da universidade. E se ela vier limitada à universidade, ela estará condenada ao fracasso.

Há um artigo que diz que o Ministério da Educação está proibido de aplicar mais de 25% dos seus recursos na educação básica, porque está escrito lá que pelo menos 75% do dinheiro do MEC tem de ir para as universidades federais. Isso é um contra-senso, um absurdo! Hoje, 75% ainda é pouco para as universidades; tinha que ser 90%, 110%. Mas, daqui a cinco anos, quando aumentarmos as verbas do MEC, vamos continuar tendo de mandar 75% para as universidades e 25% para a educação básica? Esse é um contra-senso. Não há boa universidade sem educação básica; não há boa universidade no século XXI sem uma refundação e não apenas um jeitinho na universidade.

Ouço o Senador Edison Lobão, com muito prazer.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Senador Cristovam Buarque, por todas as razões, foi bom V. Exª ter vindo para o Senado da República. V. Exª é um Senador que contribui significativamente para o aperfeiçoamento e para o encaminhamento das questões fundamentais que por aqui passam. Mas ressalto a presença de V. Exª na discussão do problema educacional no Brasil. V. Exª se tornou uma espécie de sentinela dos mais legítimos interesses dos jovens brasileiros que precisam demandar as escolas de primeiro grau, de segundo grau e de terceiro grau. Não tenho dúvida de que ou caminhamos acertadamente na direção do ensino profundo, a partir da pesquisa na universidade de boa qualidade, ou não iremos a lugar nenhum como Nação. Admiro, portanto, a presença freqüente de V. Exª na tribuna para nos alertar a todos, especialista que é, educador que é, Ministro brilhante que foi, Governador que aplicou a sua imaginação criadora em fórmulas que ainda hoje estão sendo consagradas no Brasil e até no mundo. V. Exª tem, portanto, essa presença animadora para que o Brasil siga o caminho correto, a fim de que possa desembarcar na ilha da prosperidade e da felicidade que todos nós desejamos. Cumprimento V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado, Senador. Um aparte como esse é gratificante para qualquer um, ainda mais vindo de V. Exª.

Como não vamos ter CPIs nas próximas semanas, a não ser que se instale a CPI dos Sanguessugas, espero que possamos ter mais tempo para discutir os projetos. É verdade que agora, depois de concorrermos com as CPIs, vamos concorrer com a Copa do Mundo e, a partir de julho, com as eleições. Talvez isso leve a reforma universitária para o próximo ano, mas espero que não haja desvio de outras atividades no próximo ano e que discutamos o assunto, porque o futuro do Brasil passa por essa lei chamada de reforma universitária, que está vindo não como reforma, mas como um jeitinho para garantir mais recursos para a universidade. São necessários mais recursos, mas mais recursos não bastam para enfrentar os desafios do século XXI.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/06/2006 - Página 19892