Discurso durante a 82ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o projeto de reforma universitária apresentado pelo governo federal.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. ENSINO SUPERIOR.:
  • Considerações sobre o projeto de reforma universitária apresentado pelo governo federal.
Publicação
Publicação no DSF de 17/06/2006 - Página 20581
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, EDUCAÇÃO, BRASIL, ATRASO, MELHORIA, COMPARAÇÃO, MUNDO, REGISTRO, ALTERAÇÃO, FORMA, GARANTIA, RIQUEZAS, IMPORTANCIA, CONHECIMENTO, NECESSIDADE, DESENVOLVIMENTO, ENSINO, TECNOLOGIA, CIENCIAS.
  • IMPORTANCIA, UNIÃO, JUVENTUDE, LUTA, MELHORIA, EDUCAÇÃO, DEFESA, ORADOR, FEDERALIZAÇÃO, EDUCAÇÃO BASICA, CRITICA, PROJETO, REFORMA UNIVERSITARIA, PROPOSIÇÃO, SUPERIORIDADE, DESTINAÇÃO, RECURSOS, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), ENSINO SUPERIOR, PREJUIZO, ENSINO FUNDAMENTAL, ENSINO MEDIO.
  • NECESSIDADE, GARANTIA, QUALIDADE, EDUCAÇÃO BASICA, FORMA, MELHORIA, ENSINO SUPERIOR, IMPORTANCIA, SENADO, APERFEIÇOAMENTO, REFORMA UNIVERSITARIA, PEDIDO, DEBATE, ESTUDANTE, EFEITO, REFORMULAÇÃO, ESTRUTURA UNIVERSITARIA, APREENSÃO, ELEIÇÕES, IMPEDIMENTO, DISCUSSÃO, PROJETO.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, nessas últimas semanas, os jornais brasileiros têm feito referência a um fato político ocorrido no Chile. Esse fato é uma greve, uma longa greve de estudantes secundaristas. Não se deu tanta importância a esse fato aqui, apesar de o noticiário a respeito ter sido grande. Mas aquela greve tem um simbolismo, para o qual eu gostaria de chamar a atenção, sobretudo, da juventude brasileira. Aquela foi uma greve por uma reforma da educação, que consistia, Senador Paim, em pedir ao governo da nova Presidente que federalizasse a educação no Chile.

O Chile teve uma boa educação, mas, a partir de um certo momento, o regime militar tirou a responsabilidade do governo central - lá não se chama federal - e a entregou aos municípios. E o resultado foi uma sistemática desigualdade na educação do Chile. Não vou falar em queda da qualidade, porque a educação melhora até se os governos não fizerem nada. Ela vai melhorando aos pouquinhos, pela televisão, pelos novos meios de informação; enfim, a educação melhora sempre, mas não faz a revolução nem fica mais igual. Ela tende a se desigualar se os governos não agirem, e fica para trás em relação à dos outros países. São dois fenômenos graves. Portanto, a questão não é de melhorar ou piorar. Melhora sempre, mas muito devagar e desigualando as pessoas e as regiões.

A cidade cuja renda é baixa ou o prefeito não gosta de educação fica pior do que outra em que o prefeito ou a prefeita gosta de educação e, ao mesmo tempo, tem recursos para investir. Quando a educação é municipal, ela vai se desigualando; e, quando os governos centrais não dão importância à educação, mesmo quando elas melhoram, melhoram menos do que nos outros países.

É isso o que temos visto no Brasil. O Brasil não tem piorado, é impossível piorar em educação. Não há como a educação piorar em um país inteiro. O que acontece é que estamos melhorando muito devagar se compararmos com outros países. E o século XXI é o século do conhecimento.

Até pouco tempo atrás, o que fazia um país rico eram as máquinas das fábricas, as máquinas da agricultura; agora, é o conhecimento das pessoas. Não é mais o capital físico e material dos equipamentos mecânicos que faz um país rico, mas são os equipamentos intelectuais, tecnológicos e científicos que fazem um país desenvolvido. Mudou.

Ao mesmo tempo também, o que fazia uma pessoa ser mais rica do a que outra era ser dona da máquina e o outro ser o dono das mãos que trabalhavam as máquinas. Não é mais isso. Hoje, um trabalhador assalariado com alta formação tem um padrão de consumo, um padrão de vida muito próximo daqueles que são os donos dos equipamentos. Não há grande diferença entre o engenheiro mais capacitado de uma fábrica e o dono da fábrica. Um tem mais patrimônio do que o outro, mas o padrão de vida, o consumo, a casa, os médicos, quantos anos de vida vai ter, quando vai ser atendido, a escola dos filhos, quantas viagens faz por ano, tudo isso é muito próximo.

O que faz as pessoas desiguais, hoje, não é ter ou não ter capital econômico, mas, sim, ter ou não ter capital do conhecimento. E o que faz um país ser desigual em relação a outro é ter ou não ter conhecimento.

Por isso, o Brasil tem ficado para trás em relação a outros países. O Brasil não vai dar saltos consideráveis no século XXI se não tivermos uma revolução na geração do capital humano, do capital do conhecimento, que vem da educação. E não só a educação, mas também a ciência e a tecnologia.

Pois bem, o que vimos no Chile, e não vemos no Brasil, é a juventude lutando por seus ideais. E esse é um desafio que faço, pois não vemos a juventude brasileira fazer o que vimos no Chile. Foi uma luta forte, firme e sistemática por uma mudança na educação. Não lutaram por coisas pequenas. Lutaram pela idéia de o governo central adotar a educação de todas as crianças chilenas e não deixar como é hoje, nas mãos dos municípios.

Essa mudança, estamos tendo dificuldades de defendê-la no Brasil. Quando se fala em federalizar a educação básica no Brasil, como venho defendendo, as pessoas reagem, achando que isso é centralizar e tomar o poder. Não. As escolas continuarão administradas pelos prefeitos. Vou até mais longe: os prefeitos nem gostam quando digo isso, mas podemos até deixar que a escola seja administrada pelos pais e professores. Radicalizo na descentralização. Os pais e professores podem gerenciar bem uma escola, até sem precisar de prefeito, mas têm que cumprir metas nacionais. Não podem ser metas locais. Devem cumprir a meta nacional do salário decente e digno do professor, vinculado à sua formação e dedicação; o padrão mínimo nacional de equipamentos e edificações; o padrão mínimo de conteúdo. Não é o gerente que decide se a escola vai ter ou não o padrão mínimo. É a Nação que tem que decidir. O Governo Federal e o Congresso têm que decidir o padrão que as 160 mil escolas públicas do Brasil devem seguir. Quem administra pode ser o prefeito ou até os pais. Essa é uma revolução que precisamos fazer.

Pena que, enquanto no Chile os próprios jovens foram para as ruas lutar por isso, no Brasil vemos uma juventude passiva, acomodada. A verdade é que, no Brasil, nossa juventude está dividida entre dois grupos: um, que vemos, pelo desespero, caindo no crime, e outra parte da juventude que vemos caindo no acomodamento. Os primeiros, os jovens do crime, matam pessoas; os outros, os jovens do acomodamento, matam o futuro do Brasil. O futuro é assassinado pelo acomodamento porque o acomodamento e a passividade impedem a construção de um País melhor. Nossa juventude, hoje, está acomodada.

Fiquei feliz ao ver, no Chile, a juventude indo para as ruas, fazendo greve, não por coisas menores, mas uma greve grande, maior, pela mudança radical na educação do seu país - e um país que já vem melhorando muito mais do que o Brasil, um país que já deixou o Brasil para trás. Mas a juventude de lá não está contente.

Mas não quero falar apenas dessa mudança fundamental na educação básica. Quero falar que, em breve, estará chegando aqui um projeto de reforma universitária. E esse projeto, Senador Paulo Paim, não traz as duas coisas fundamentais que uma reforma universitária precisa ter. Só faltam duas coisas nessa proposta: o Brasil e o futuro. A reforma não prevê a universidade de que o Brasil precisa e que é necessária para o futuro. É uma reforma feita para as universidades, olhando para dentro delas, e não para fora, e olhando a crise atual que elas vivem, e não a crise que o Brasil vai viver se não fizermos uma refundação da universidade brasileira.

O projeto cuida de como financiar e as universidades precisam de dinheiro. Mas não é reforma que faz mais dinheiro para a universidade. Ela prevê que 75% dos recursos que o Ministério da Educação tiver à sua disposição têm de ir obrigatoriamente para as universidades federais. Isso significa que apenas 25% - apenas 25%! -, por lei, a partir de agora, irão para o ensino básico, saindo do Ministério da Educação. É uma quota ao revés. É uma quota que, em vez de dar direito, tira direito, impede que a educação básica tenha um pouco mais de dinheiro do Governo federal. É uma quota ao contrário. É uma quota para beneficiar a universidade contra a educação básica.

Se olharmos bem nos números absolutos de hoje, 75% do dinheiro que está no MEC ainda é pouco para as universidades federais. É preciso aumentar o valor, mas não a porcentagem. Porque, ao aumentar a porcentagem ou vincular que 75% sempre terão de ir para as universidades, faz-se com que seja impossível aumentar dinheiro para a educação básica. Para cada R$100,00, a partir dessa lei aprovada, que forem para o MEC, R$75,00 terão de ir para as universidades federais e R$25,00 para a escola pública. Ou seja, para 550 mil alunos, 75%; para 40 milhões de crianças e jovens, 25%.

Isso é contra o futuro do Brasil! Isso é contra a universidade, se olharmos a universidade na sua perspectiva correta, porque a universidade não começa na universidade. Não há boa universidade que não cuidar radicalmente da educação básica das crianças. A universidade que acha que as crianças nasceram na véspera de entrar na universidade é uma universidade fragilizada, fraca.

O Brasil joga fora dois terços dos nossos jovens do ponto de vista intelectual e universitário, porque eles não terminam o ensino médio. Se eles não terminam o ensino médio não podem fazer vestibular. E, de um terço que entra para fazer vestibular, metade não está preparada. Então, dois terços são jogados fora, porque não investimos na educação básica.

Imaginem que o Brasil tivesse um poço de petróleo jorrando e indo para o ralo. Haveria um escândalo nacional, mas temos dois terços dos nossos jovens saindo da possibilidade da educação e ninguém faz nada, como se o petróleo fosse uma energia mais forte do que o intelecto dos nossos jovens; como se petróleo valesse mais do que a inteligência das nossas pessoas.

Só há um jeito de fechar essa torneira de energia intelectual perdida: é garantir a escola básica de qualidade para todos até o final do ensino médio. Aí, os melhores, os mais persistentes entrarão na universidade. Mas, quando escolhermos os universitários entre cem e não como hoje, entre trinta dos nossos jovens, a probabilidade é que melhorará a qualidade daqueles que entram na universidade. E, ao melhorar a qualidade dos que entram, a universidade melhorará também.

A reforma não prevê isso. Não se pode fazer uma reforma universitária se não vier com uma reforma da educação básica vinculada, junto, porque são uma coisa só, embora, administrativamente, eu defenda que devam ser separadas: a educação básica, com o seu Ministério próprio; e as universidades, no Ministério da Ciência e Tecnologia ou em um Ministério próprio para elas.

Não se prevê isso. Não se prevê reformas mais profundas que são necessárias nas universidades. O século XXI será das universidades, como o século XX foi das fábricas. Mas, com essa universidade do século XX, o século XXI não será nem das fábricas nem das universidades; será dos centros de pesquisa por fora das universidades; será o século dos centros de pesquisa dentro das próprias fábricas, nos laboratórios que elas têm; e as universidades perderão o rumo, deixarão de existir do ponto de vista do funcionamento pleno. Vai acontecer com as universidades, Senador, o que aconteceu com os conventos nos séculos X e XI: continuaram existindo, mas, do ponto de vista de conhecimento, ficaram com uma importância muito reduzida. E por quê? Porque as universidades tomaram conta do conhecimento novo; os conventos ficaram para trás.

Surgirão instituições como as já existentes universidades do Banco do Brasil, da Microsoft, do McDonalds. São entidades que formarão seus profissionais porque não acreditam mais nas universidades.

Lamento que estejamos perdendo a grande chance de fazer a refundação da universidade, porque o projeto que aí vem não prevê isso. É um projeto que não cuida nem do Brasil nem do futuro. Foi um projeto feito olhando para dentro das universidades, Senador Eurípedes Camargo, e olhando para o presente. Não olhou para o futuro nem olhou para o Brasil inteiro.

Creio que está em tempo de o Senado fazer as melhorias quando aqui chegar o projeto, se a Câmara não tomar a iniciativa de fazê-lo. Ou mudamos essa lei, trazendo o Brasil e o futuro para dentro das preocupações que ela tem, ou não conseguiremos. Ou trazemos a educação básica para dentro da preocupação com a reforma universitária, ou a reforma universitária será um desses fogos que acendemos e não sai nada, dá chabu, como se dizia quando eu era menino lá em Pernambuco.

Creio que é tempo, mas concluo com o pensamento com que abri esta fala, hoje, Senador Eurípedes Camargo: desconfio muito se conseguiremos fazer mudanças só a partir desta sala azul. Se a juventude brasileira não for para as ruas, não se mobilizar como fizeram os jovens chilenos nos últimos dias, não vamos conseguir mudar, não vamos conseguir fazer as transformações, primeiramente pelos arranjos e acordo que são feitos aqui para apressar projetos de lei quando é necessário para justificar qualquer coisa; e, segundo, porque o Poder Executivo vetará tudo que mudarmos e significar uma transformação real.

Concluo, lembrando uma heróica greve desses meninos e meninas - porque não são nem jovens, são secundaristas - que, no Chile, foram para as ruas durante semanas, com calma, competência, mas com firmeza, lutando pela educação do País deles.

Faço um desafio aos nossos jovens brasileiros: não fiquem passivos diante de uma reforma universitária que vai tocar nos estudos de vocês. Não fiquem passivos. Não aceitem que o Poder Executivo junto com o Congresso, sozinhos, com a alienação que nos caracteriza hoje diante do Brasil e do futuro, com as preocupações corporativas imediatistas como trabalhamos hoje. Faço um apelo aos jovens: não deixam que essa reforma seja feita apenas a partir do Congresso e do Poder Executivo. Vão às ruas, movimentem-se, protestem, sugiram, mas com cuidado.

Saiam de seus interesses puramente corporativos, saiam de seus interesses puramente imediatistas. Não pensem na reforma apenas para resolver o problema dos próximos quatro ou cinco anos, quando vocês estarão na universidade; nem pensem na reforma apenas na ótica da instituição universitária. Pensem na luta por uma reforma que atenda às necessidades do Brasil e do futuro, duas palavras que, ao meu ver, ficarão de fora, Senador Eurípedes, da proposta de reforma universitária que a Câmara recebeu e que o Senado receberá em breve.

Espero que o projeto chegue aqui já melhorado; senão, espero que os Senadores debrucem-se sobre ele, porque, talvez, não haja outro mais importante para o futuro do Brasil do que esse, Senador Paulo Paim.

Até agora, as mudanças que fizemos, nesse tempo em que estou aqui, foram para resolver os problemas de hoje, de imediato. Não vi grandes discussões sobre projetos a longo prazo. Às vezes, há debates sobre finanças, mas finanças não são o futuro; finanças significam cuidar do presente. Mesmo quando cuidamos das finanças do futuro é porque estamos pensando no presente, naquele momento, mas não estamos pensando na construção dinâmica do País.

Espero que nos debrucemos com cuidado sobre isso, com a responsabilidade de quem vai assinar uma lei que vai mudar ou não o Brasil; que vai permitir que o Brasil entre ou não no século XXI como deve entrar; que vai abrir ou não a porta da modernidade do século XXI para o Brasil.

Na verdade, esse projeto vai abrir ou não a porta da modernidade. E espero que os jovens não deixem que façamos isso aqui isoladamente, como fazemos nesse frio. Que eles se mexam, que se mobilizem, que tragam o calor das ruas, o calor do campus universitário, o calor de cada sala de aula. Parem as aulas para discutir esse projeto de reforma universitária! Parem, porque, alguns dias de discussão sobre ele, vão trazer mais vantagem para o futuro do que as aulas daqueles dias.

Não deixem o Congresso sozinho para fazer a reforma, porque temo que a maneira como temos agido aqui, olhando apenas o próprio umbigo, o umbigo do presente, o umbigo da instituição que tentamos mudar, do problema que tentamos resolver, sem falar de Brasil, sem falar de futuro, temo que, se ficarmos fazendo uma análise do umbigo da universidade, não daremos a contribuição que o Brasil precisa. 

Esse é o recado, Sr. Presidente, lembrando aqueles movimentos que foram feitos no Chile, pela nacionalização da educação básica daquele país, e a coincidência no sentido de que, na mesma semana das greves, chegou aqui a proposta da reforma universitária.

Espero que ainda discutamos muito esse assunto nesta Casa.

Temo também o calendário eleitoral, o calendário do TSE, e o calendário da Fifa - dois assuntos que, atualmente, subordinam a política brasileira - , que nos amarram no dia-a-dia e impedem o desempenho pleno dos nossos trabalhos. Depois, temo que, nos meses das eleições, não seja discutido esse tema.

Se pelo menos o Congresso ficasse impedido de discutir esses temas, por causa das eleições, mas se os candidatos à Presidência os discutissem, debatessem, comentassem, falassem, assumissem compromissos, se pelo menos isso acontecesse, o Brasil, em outubro ou novembro, encontraria um caminho. Adiaríamos por uns meses. O meu medo não é adiarmos por uns meses; o meu medo é apressarmos demais e não honrarmos o nosso compromisso com a história de fazer uma reforma universitária que inclua a educação básica como parte dela e que inclua o futuro e o País inteiro nas suas preocupações e compromissos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/06/2006 - Página 20581