Discurso durante a 88ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

A questão da violência urbana e o instituto da prisão perpétua.

Autor
Sibá Machado (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Machado Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • A questão da violência urbana e o instituto da prisão perpétua.
Publicação
Publicação no DSF de 24/06/2006 - Página 21475
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, CONCEITO, SEGURANÇA PUBLICA, CIDADANIA, REPUDIO, AMEAÇA, CIDADÃO, FAMILIA, RESPEITO, DIREITOS HUMANOS, DEBATE, COMPLEMENTAÇÃO, REPRESSÃO, PREVENÇÃO.
  • QUESTIONAMENTO, AUSENCIA, VALORIZAÇÃO, TRABALHO, POLICIAL, AUMENTO, DEMANDA, PUNIÇÃO, CRIME, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), VIOLENCIA, COMANDO, CRIME ORGANIZADO, DEBATE, NECESSIDADE, ISOLAMENTO, LIDER, PROIBIÇÃO, TELEFONE CELULAR, RESTRIÇÃO, ATUAÇÃO, ADVOGADO, ANALISE, ETICA, UTILIZAÇÃO, ESPIONAGEM, IMPORTANCIA, SEPARAÇÃO, PRESIDIO, IMPLEMENTAÇÃO, PRISÃO PERPETUA.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Senadora Heloísa Helena, Srs. Senadores, quanto aos episódios que ocorreram nos Estados de São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul, capitaneados pelo PCC, no meu entendimento, não tivemos talvez tempo para fazermos uma reflexão um pouco mais acurada sobre o problema. Por isso, eu gostaria de tecer algumas opiniões, Srª Presidenta, a respeito da violência urbana e segurança pública.

Quando tratamos de segurança, o revés a ser observado é o medo. Todos os seres humanos necessitam de segurança. Todos os seres humanos têm o direito de serem protegidos de todas as espécies de medo, que têm raízes profundas na alma, radicado no inconsciente e objeto constante da pesquisa científica.

Uma sociedade fundada no espírito de solidariedade deve buscar construir modelos de convivência que afastem o medo do horizonte permanente de expectativas. Numa sociedade fraterna, o homem não será lobo do outro homem.

A Constituição da República Federativa do Brasil determina que a segurança pública é dever de Estado, direito e responsabilidade de todos. Será exercida para a preservação da ordem e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

No meu modo de ver, em absoluta prioridade, sem qualquer bem ou valor que se possa assemelhar a ele, a segurança pública deve preservar a incolumidade das pessoas, inscrevendo-se dentro de um quadro de respeito à cidadania, que por sua vez exige que se viva dentro de um ambiente eficaz e seguro.

Não haverá pleno usufruto da cidadania se houver o domínio do medo, sob ameaça de dano ou lesão à nossa individualidade ou a incolumidade de nossa família.

O Poder Público, com a participação da sociedade, há de prover a segurança pública como caminho para o exercício da cidadania. No provimento da segurança pública deverá o Estado estar atento ao conjunto dos direitos humanos e dos direitos do cidadão. Não se justifica que, em nome de uma pretensa exigência de segurança pública, sejam sacrificados determinados “direitos humanos” ou determinados direitos inerentes à cidadania.

A busca da segurança pública e a busca da cidadania plena deverão constituir um projeto solidário do Poder Público e da sociedade.

Nos momentos em que ocorrem grandes episódios de violência na sociedade, é natural que os poderes públicos busquem dar uma resposta à sociedade que tenha caráter mais imediato. No entanto, é preciso estar atento à legitimação das políticas ditas de segurança pública quando centradas naquilo que denomino hipótese repressiva, ou seja, pensar o crime como consumado e o que fazer após sua prática.

Tais políticas produziram o extraordinário efeito de reduzir a idéia de segurança ao papel que podem desempenhar as polícias.

Neste início de século, entretanto, apenas espíritos que não aceitam a complexidade seriam capazes de sustentar essa redução.

Seria, de qualquer forma, uma injustiça para com as polícias exigir-lhes a solução para a segurança, haja vista que as causas da criminalidade, por um lado, e da violência, por outro, estão muito além das possibilidades afetas à repressão.

O direito à segurança, em geral, assim como o direito à segurança pública, são direitos fundamentais. Não há qualquer oposição entre direitos humanos e segurança pública, como certos discursos pretendem sugerir.

Infelizmente, justamente em decorrência de grandes episódios de violência, vem se consolidando um espaço de irreflexão delimitado pelo senso comum de que o reforço da hipótese repressiva é o caminho necessário, quando não exclusivo, para o enfrentamento das graves mazelas modernas que encontram na violência seu ponto final.

Temos assim não a valorização do trabalho policial, especialmente da inteligência para o enfrentamento do crime, mas um super-acréscimo das suas possibilidades de controle já concebido como um correlato do apartheid social em curso, ao qual se soma uma crescente demanda social punitiva cada vez mais obcecada e ofuscada pelo encarceramento, em detrimento das possibilidades de prevenção e de re-socialização.

Em alguns Estados do País vivemos o mal estar de uma dominante sensação pública de insegurança, que corresponde, em parte, à experiência dos cidadãos que são vítimas de crimes e, em outra, à multiplicação seletiva de ocorrências violentas produzida como espetáculo pela mídia.

O ambiente que se está criando diante das recentes ocorrências no Estado de São Paulo, por exemplo, aponta para a industrialização de uma histeria penal aos moldes daquela vivida nos Estados Unidos da América que teve como conseqüência a política da tolerância zero, sem que se pense nos desdobramentos autorizados por essa lógica que se alimenta da idéia medieval de vingança.

Assistimos, desse modo, à reedição das propostas de autoridades que sustentam a necessidade de mais presídios, mais polícia, penas mais graves, redução da idade penal, entre outras medidas, em um verdadeiro mercado de ressentimento que confunde a idéia de justiça com a de vingança, sem talvez imaginar onde querem chegar e com a clareza de que, de fato, não estão apontando caminhos de solução para a violência, mas tão-somente discutindo o que fazer quando ela já se consumara.

A Justiça Criminal só existe porque alguém já errou para pagar por seu erro. Não podemos aceitar que o ódio seja combatido com ódio. Precisamos separar a pessoa do crime por ela praticado, reconhecendo-lhe os mesmos direitos pelos quais nos descobrimos humanos.

De nada adiantará aumentar penas, comprar novas viaturas, aumentar o efetivo policial, acrescer o número de presídios, se não houver projeto. A idéia central de uma política de segurança pública coerente, conseqüente, e que aponte para a real diminuição dos índices de violência deve ser a prevenção. Nela está o mote para mudar o futuro.

Srª Presidenta, do pouco que li sobre Rousseau em Do Contrato Social, é claro que o ser humano, segundo Domenico De Mazzi, do momento em que nasce até o seu décimo ano de vida, é indefeso e precisa de proteção do pai, da mãe ou de um tutor, do contrário não sobrevive. Por natureza, o ser humano precisa viver em grupo, em comunidade, em sociedade. Dessa necessidade, nascem as cidades.

As cidades do Século XXI tendem a uma confusão generalizada. Falta tudo, Srª Presidente. Falta espaço para os veículos, falta espaço para as moradias, falta água potável e faltam condições de sobrevivência. É claro que se gera aí uma grande luta por espaço. E essa luta é do vale tudo. Essa luta foi agravada pelo sistema capitalista, desenvolvido a partir dos séculos XVI, XVII e XVIII com a Revolução Industrial. No sistema vale tudo vira negócio no sistema “vale-tudo”.

O ser humano, segundo Raul Seixas, tem que pagar para nascer,tem que pagar para morrer, vai ter que pagar por tudo. Vai ter que pagar por tudo. A pessoa humana, do momento do seu nascimento até o momento do seu sepultamento, paga por tudo. É claro que o fato de esses espaços não serem de graça faz com se estabeleça o sistema das castas, que se vê muito bem na Índia.

Daí, o papel das cidades nessa disputa pelo espaço gera uma violência constante, Srª Presidente, embora haja também o setor agrário, em que a violência ocorre apenas pela posse da terra, em que não se vêem outros tipos de violência ou, se há, é em escala muito menor.

Chega à cidade um verdadeiro estado paralelo. A situação que se vive é uma pergunta que se faz. Por mais que se ouçam juristas renomados, pessoas da área, policiais, pessoas que convivem com essa realidade mais diretamente, temos assistido, em debates deste Congresso Nacional, a respostas muito paliativas, no meu entendimento, para esse problema. Assim, fica um tema no ar para todos os governos, municipal, estadual e federal: como resolver o problema da violência?

No poder do Estado, há uma verdadeira tecnologia de espionagem contra-espionagem. Sabe-se que, todos os anos, a indústria automobilística é obrigada a criar, cada vez mais, melhores sistemas de proteção contra roubos. Imediatamente, aqueles que praticam roubo de carro descobrem como burlar esses sistemas.

Quase diariamente, Srª Presidente, é comum ver-se o aperfeiçoamento das técnicas e das táticas. Fico imaginando o seguinte: no período militar, o governo da época usou muito a Polícia Federal e outras polícias como políticas, que fizeram serviço portentoso no combate à guerrilha urbana e rural brasileira e que foram precisas nessa inteligência de combate.

Às vezes, fico pensando em como usar parte desse conhecimento, dessa inteligência para fazer um embate com o crime organizado das grandes cidades, que acaba gerando seus heróis. Sabemos que os muitos jovens que estão adentrando no crime, sendo recrutados, acabam tendo neles figuras em que se espelham, que os levam a pensar em ser futuros líderes nessa área. Aquela história de Fernandinho Beira-Mar ficar passeando pelo Brasil, e agora a história do Marcola, que se tornam espelho para quem deseja entrar no crime, é um grande erro.

Srª Presidente, não acredito que a Itália tenha varrido, de uma vez por todas, da superfície do seu país o crime organizado, mas deu uma grande demonstração, trancafiando os cabeças da Cosa Nostra e de tantas outras organizações criminosas, dando a eles confinamento; não têm acesso ao que ocorre fora das quatro paredes. Estão trancafiados, sem acesso ao mundo exterior.

Debateu-se muito aqui o uso do telefone celular. O que fazer com o advogado que defende criminosos se a Constituição lhes dá o direito de defesa? Como o advogado pode avaliar se faz ou não a defesa de alguém. Outros podem dizer: se ele se recusar a defender alguém, estará prejulgando a pessoa. Quando somos ou não políticos pelas atitudes que tomamos?

Discutimos muito no campo científico quando o pesquisador, o cientista, é ou não é político na sua área de trabalho, quando ele defende ou não uma opinião, se ele tem ou não esse direito. Transporto a discussão para a questão do advogado. Como é que ele vai defender uma pessoa que, de cara, a sociedade já prejulga. Ele tem ou não esse direito? O que fazer no Brasil para definir a chamada “envergadura do crime”, separando as pessoas que praticam um ato em legítima defesa das que, em algum momento, praticam um ato considerado banal, no qual, precisando imediatamente de um bem para prover sua subsistência, roubam uma lata de manteiga, um pedaço de queijo ou coisa parecida? Como é que o Brasil vai distinguir tais atos? Ainda acho que é preciso reservar um território do País para presídios reservados a crimes mais cruéis, como os hediondos e assim por diante.

A situação do estupro, Srª Presidente, no meu entendimento, está acima de qualquer coisa. Alguns dizem que quem pratica um crime dessa natureza está, digamos, com problemas psicológicos. Se assim for, por que não revela tais problemas psicológicos em outras atitudes e muitas vezes se comporta no meio social como uma pessoa tão querida, revelando-se de repente tão monstruosa e tão brutal? Nesse caso, no meu entendimento, a nossa legislação deveria, daqui para frente, considerar essa diversificação e definir de fato o que é ressocialização. Porque há casos em que temos que acreditar no poder divino. V. Exª já nos revelou aqui que acredita muito em sua fé cristã na sua fé divina, lê a Bíblia, interpreta-a bem, trabalha bem esta área, é uma fiel, digamos assim. Como é que podemos aqui julgar os direitos e os deveres dos seres humanos? Como é que vamos nos comportar diante de uma situação dessas?

Acredito nisto: não admito, no Brasil, na pena de morte porque considero a vida algo de mais sagrado. Vamos acreditar que todas as pessoas, por mais que tenham cometido um tipo de crime por mais bárbaro que seja, têm, em algum momento da sua vida, uma oportunidade de se reconciliar, de pedir o seu perdão e de se recuperar.

E como podemos fazer isso? No meu entendimento, separando imediatamente os tipos de crimes. O Brasil não pode mais fazer das cadeias públicas, dos presídios verdadeiras universidades do crime. Porque é comum se ver isso - não precisa nem contar, é a olhos vistos - uma pessoa, às vezes, por ter cometido um crime tão pequeno, se misturar com pessoas de crimes tão profissionais e se tornar tão frias, tão satânicas, digamos assim, quando saem de uma experiência de presídio. E aí passamos a ter dois criminosos perigosos: o que já estava lá, que ensinou; e este, que acaba de aprender.

Então, não posso concordar muito com o que ocorreu, aqui, no calor das emoções do que foi a operação do PCC. Nesse momento, recrudescemos na lei as penalidades dos crimes. Mas tenho visto que parece que eles zombam disso. Podem escrever o que quiserem no texto.

Quanto à questão da espionagem e da contra-espionagem, como eu estava falando, é sabido que as polícias comumente infiltravam no mundo do crime pessoas para trazerem excelentes informações para desbaratar verdadeiras quadrilhas. Mas se sabe também que hoje eles fazem o inverso.

Colocam pessoas em lugares estratégicos, para prestarem excelentes informações. Vejam o caso da fita do depoimento dos delegados, na CPI da Câmara dos Deputados, que foi vendida por 200 reais. Isso é um acinte, uma coisa impossível de se aceitar.

Então, fica aqui a idéia de uma pessoa que não entende bem do assunto, mas todos nós, como bons brasileiros, temos uma sugestão para tudo, quero prestar a minha sugestão. No meu entendimento, não adianta recrudescer na lei, ao máximo, a penalidade, quantos anos vai durar por determinado crime. Uma pessoa que pegou mais de 300 anos de pena é o mesmo que condená-la, à prisão perpétua. Então, que se crie, no Brasil, a prisão perpétua. Podemos criar esse instituto da prisão perpétua. E, aí, começamos a separar: presídios para quem tem prisão perpétua, presídios para quem cometeu crimes de 30, 40 anos, e aqueles presídios para penas inferiores a uma década. Pode-se também implementar a chamada pena alternativa, que é a prestação de serviços sociais, por determinado tipo de regularidade de comportamento das pessoas.

Srª Presidente, agradeço a V.Exª pelo tempo de tolerância que me deu. Fica aqui o depoimento de uma pessoa que viveu muitos momentos de conflitos no campo, não tendo quase experiência de ver conflitos urbanos, a não ser, pela grande imprensa. Mas, na questão do campo, acompanhei algumas. Vi como é e - com dor no coração que digo isso -, mas por muitas vezes o próprio poder do Estado dando guarida, dando importância, em algumas instâncias, para esse tipo de atitude. É claro que na impunidade é que as pessoas crescem, robustecem-se e se acham no direito de continuar praticando as ilicitudes que bem lhe aprouverem.

Muito obrigado e era o que eu tinha a dizer, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/06/2006 - Página 21475