Discurso durante a 105ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Avaliação das dificuldades envolvidas em uma campanha eleitoral no Brasil.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA. ELEIÇÕES. POLITICA FISCAL.:
  • Avaliação das dificuldades envolvidas em uma campanha eleitoral no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 08/07/2006 - Página 23157
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA. ELEIÇÕES. POLITICA FISCAL.
Indexação
  • ANALISE, DIFICULDADE, CONSTRUÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (PSOL), COMENTARIO, IMPORTANCIA, POLITICA, DEFINIÇÃO, DIRETRIZ, PAIS.
  • COMENTARIO, OBJETIVO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (PSOL), RESGATE, DEMOCRACIA, SOCIALISMO, ANALISE, DIFICULDADE, DISPUTA, ELEIÇÕES, REGISTRO, EXPERIENCIA, ORADOR, POLITICA.
  • REGISTRO, IMPOSSIBILIDADE, ENRIQUECIMENTO, POLITICO, AUSENCIA, CORRUPÇÃO, IMPORTANCIA, ACEITAÇÃO, RESULTADO, ELEIÇÕES.
  • AGRADECIMENTO, ELEITOR, PARTIDO POLITICO, PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (PSOL), REGISTRO, LANÇAMENTO, CANDIDATURA, ORADOR, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, ESCOLHA, LOCAL, HOMENAGEM, NEGRO, INDIO, PESSOAS, BAIXA RENDA, BALANÇO, CAMPANHA ELEITORAL.
  • ELOGIO, EMISSORA, TELEVISÃO, APRESENTAÇÃO, TOTAL, CANDIDATO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, CRITICA, TEMPO, HORARIO GRATUITO, CAMPANHA ELEITORAL, MEIOS DE COMUNICAÇÃO.
  • PROPOSTA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (PSOL), REDUÇÃO, JUROS, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO, BRASIL.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Serei rápida. Sr. Presidente, Senador Geraldo Mesquita, realmente tenho quase como obrigação parlamentar - assim me sinto - nunca trazer assuntos eleitorais para os meus pronunciamentos. Nunca faço isso. Às vezes, acho que não combina muito bem tratar de eleição ao tempo em que estou no exercício do mandato, mas acaba que todas as pessoas vão falando sobre isso, todas as pessoas vão perguntando sobre isso também.

Tivemos a oportunidade, ontem, de iniciar a difícil, muito difícil batalha que o P-SOL enfrentará nesta eleição. Sabe V. Exª, como um dos Parlamentares que tanto nos ajudou na fase de legalização, o quanto é difícil construir um Partido. Muito difícil! Muito difícil! Fácil no mundo da política é o banditismo, a vigarice, isso tudo é fácil.

No mundo da política, parece que é assim. A política é um espaço muito importante, porque é na política que se definem as normas da vida em sociedade; é no mundo da política que se define tudo, tudo; das coisas consideradas mais simplórias, mas, de fato, muito importantes na vida da mãe, da criança, que é uma creche, até a área de segurança pública, a violência, o desenvolvimento econômico, a inclusão social, a política de juros, as políticas sociais, a distribuição ou a concentração da riqueza - tudo isso é definido no mundo da política.

Mas, talvez até pelo espaço precioso que ele é de transformar o mundo, é também no mundo da política que talvez se estabeleça o maior coeficiente de bandidos. É uma coisa impressionante. Talvez seja exatamente por isso, porque, como aqui é que se define a organização da vida cotidiana das pessoas, as normas estabelecidas da vida em sociedade, também, para o mundo da política, acaba demandando um número maior de pessoas associadas ao que de mais podre existe.

Às vezes, as pessoas de bem até se distanciam do mundo da política, porque é tanta vigarice, banditismo, mentira, traição que a pessoa de bem diz: ”Não quero saber de me aproximar da política, de ser Vereador, ou Prefeito, ou Senador, ou Presidente da República, ou Deputado, porque é tanto bandido que lá está que, talvez, lá estando eu, me contamine também”.

Com certeza, pensam assim muitas pessoas de bem que deveriam disponibilizar seus nomes para participar das instâncias de decisão política, para que não estivessem mandando no nosso destino, no nosso País e na nossa Pátria aqueles que responsabilidade, de fato, não têm.

Às vezes, o afastamento do mundo da política contamina até nós. Lembro-me de que, uma vez, eu disse no programa do Jô Soares - recebi muitas cartas de mães e pais, preocupados com o futuro do Brasil, que diziam que eu não devia ter dito aquilo - que não quero os meus filhos no mundo da política. Quero-os no movimento social, no outro mundo da política, porque todos nós, ao reivindicar, ao pressionar, ao exigir, estamos fazendo política também. Mas, com cargo, com mandato, prefiro que eles não estejam; prefiro que eles possam ir à faculdade, trabalhar muito, não virar vigarista ou ladrão; prefiro que eles dêem a contribuição como cidadãos brasileiros sem necessariamente estar aqui.

É claro que, quando fazemos isso, também acabamos reproduzindo um comportamento que criticamos, que é o comportamento das pessoas de bem que se ausentam do mundo da política, das instâncias de decisão política, dos espaços de poder. Portanto, as pessoas perdem a possibilidade concreta, direta e emergente de participarem do futuro do País.

É evidente que foi com essa possibilidade, acreditando nisso, que resolvemos criar o P-SOL, que é um Partido pequeno - reconhecemos que é um Partido pequeno. É um Partido tão pequeno que, talvez, na disputa presidencial, terá apenas um minuto ou talvez menos de um minuto para discutir suas idéias, apresentar suas alternativas e, na nossa capacidade de avaliação, desmascarar a farsa técnica, a fraude política, a irresponsabilidade fiscal, social, financeira, orçamentária, contábil e administrativa desse projeto, esse projeto que se alardeia para a opinião pública até numa terminologia tecnicamente sofisticada, mas escondendo uma farsa, uma fraude técnica e política.

Nós, então, humildemente, achamos que nascemos para cumprir esse papel: um Partido pequenininho - é claro que não é um dos Partidos nanicos que funcionam como moeda de troca no jogo sujo eleitoral e que só se tornam nanicos, moeda de troca, porque alguns partidos grandes o permitem e deles se apropriam para que eles sejam “satélites” dessas estruturas partidárias. Mas é um Partido pequeno que tenta resgatar as concepções programáticas acumuladas pela esquerda socialista e democrática que, pela atuação do atual Governo, acabaram quase que liquidadas no imaginário popular.

É por isso que a nossa tarefa é muito mais difícil, porque, depois de oito anos de Governo Fernando Henrique e quatro anos de Lula legitimando a verborragia neoliberal, o pensamento único, todos os dias, no imaginário popular, é evidente que até bons corações, ora inocentes, ora ignorantes, acabam também achando que essa é a única alternativa possível.

A gente inicia uma disputa eleitoral muito difícil. É claro que é muito difícil! Imaginem o que é enfrentar duas estruturas poderosíssimas: uma, a estrutura representada pelos oito anos de Governo Fernando Henrique. É lógico que muitos que serviram ao Governo Fernando Henrique hoje servem ao Governo Lula. São os eternos camaleões do mundo da política: “és poder, estou dentro; és governo, sou também”. Há esses que estão em todos os governos que passam. Passou um governo pela frente, eles viram governo. Se o governo é da Direita, eles passam a ser Direita. Isso é uma coisa impressionante!

Fora esses, há duas candidaturas muito fortes, muito poderosas. Não vou levantar os aspectos relacionados aos dólares nas peças íntimas do vestuário masculino. Não vou falar dos bilhões de dólares para os paraísos fiscais, do comportamento como moleque de recado do capital financeiro, dos sabotadores do desenvolvimento econômico, dos concentradores de renda para os banqueiros e dos distribuidores de migalhas para os pobres, para os marginalizados do Brasil. Não vou falar disso.

            Mas são estruturas muito poderosas. Há muitas articulações políticas, regionais. É por isso que as pessoas pensam que estamos quase numa viagem interplanetária.

Imaginem a pressão para mim, na minha querida Alagoas! Eu, como bem lembrou hoje o Senador Arthur Virgílio, de forma generosa, fazendo considerações sobre mim, com certeza, teria uma probabilidade muito maior de ser reeleita Senadora. Trocar oito anos de mandato no Senado, com estabilidade financeira e política, por dois anos de campanha eleitoral, nadando contra a correnteza todos os dias não é uma coisa qualquer. Por circunstâncias históricas, foi assim. Poderia ter sido qualquer outra mulher ou qualquer outro homem militante da esquerda socialista e democrática que não se vendeu para ser aceito no convescote do capital e para se lambuzar com o luxo e a estrutura do poder. Poderia ter sido qualquer outra pessoa, mas acabou sendo eu.

Então, por circunstâncias históricas, sobrou para mim e para o meu querido companheiro militante César Benjamin, que, torturado pela ditadura ainda com dezesseis anos de idade, não se vendeu, não entregou os companheiros. E hoje é, como socialista, não apenas um internacionalista, mas é um patriota, um nacionalista, um homem que produz conhecimento, porque está entre mulheres e homens intelectuais do Brasil que não venderam seus neurônios e a sua produção de conhecimento, de ciência e de tecnologia para os poderosos de plantão, para os inquilinos das estruturas e dos palácios do poder. Ele é quem está conosco nessa chapa.

É uma tarefa difícil reeleger os nossos deputados federais; é uma tarefa dificílima andar pelo Brasil, porque é um país de dimensões continentais, e nós não temos os jatinhos, os bilhões, aerolulas e outras coisas mais. Então, não é uma coisa qualquer. Sabe V. Exª, que é da região Norte, o significado de andar pela região Norte e do Norte para o Nordeste, tão pertinho no nosso belo mapa do Brasil, mas tão longe na prática.

Duas vezes em um mês praticamente, eu saí à 1h30min da manhã de Manaus para chegar às 14h30min em Natal ou em outro Estado do Nordeste, dormindo em saguão de aeroporto, indo ao banheiro lavar o rosto para não ficar tão envergonhada de estar passando pelos saguões de quatro ou cinco aeroportos. Com essa crise da Varig, pela irresponsabilidade e insensibilidade, mais difícil ainda ficou.

As duas outras candidaturas, até pelo que apresentaram que iam gastar, são realmente muito poderosas. Senador Geraldo Mesquita, eu já desconfiava disso antes de entrar para a política, mas depois que entrei tive certeza: só enriquece na política se for ladrão. Claro que, se eu tinha um salário R$1,1 mil como professora de universidade e passo a ter um salário de senadora ou de deputada, durante doze anos, eu teria a obrigação de melhorar de vida. Eu não melhorei como o meu salário permitia e como a minha família merecia, porque quem é militante da esquerda socialista acaba disponibilizando um percentual muito grande de seu salário para a organização partidária. Aliás, para tristeza minha, descobri que, ao tempo em que eu estava no outro partido, toda a gigantesca contribuição partidária que eu dava acabava sendo usada para lavar dinheiro, porque todo o dinheiro que estava circulando na estrutura partidária tinha como desculpa, inclusive nos tais empréstimos, as contribuições dos parlamentares, que eram muito maiores, e dos militantes. Acabei descobrindo isso.

Mas não me arrependo. De certas coisas, porém, eu me arrependo. Não vou ser fingida, dissimulada nem cínica e dizer que não me arrependo dos riscos que corri ao longo de minha história de vida para defender algo que depois se configurou uma grande decepção e traição. Não vou ser fingida e dizer que não me arrependo nesses casos.

Das causas que defendi, especialmente a do socialismo, não me arrependo. Embora não acredite que vá vivenciar uma sociedade socialista nos moldes daquela em que acredito, não me arrependo. No planeta Terra não há nenhuma experiência socialista que tenha materializado aquilo em que acredito, que é o socialismo, a liberdade, a tolerância, os aspectos plurais, o respeito. Existem experiências que temos de respeitar, cujos avanços temos de aplaudir, mas não são as ideais para mim.

Embora não acredite que vá vivenciá-lo com esta estrutura anatomofisiológica presente - a não ser que reencarnação haja -, acredito que é o socialismo a mais bela declaração de amor à humanidade. Para completar, sou cristã. As mais belas lições socialistas, eu aprendi, primeiro, no Evangelho, na Bíblia, com a história de luta e libertação do povo de Deus, mesmo antes de eu ler, como todos os militantes lêem muito, a história, os clássicos e a produção científica e literária da esquerda socialista e democrática.

Eu aprendi e não me arrependo de não ter vivenciado condições de vida melhores. Claro que, para uma pessoa simples como eu, hoje vivo em melhores condições. Não estou falando da vaidade feminina, porque sabem todos que acho que as mulheres têm de fazer o que gostam. Se querem usar o cabelo vermelho, roxo, punk, perua, de qualquer jeito, a mulher tem de ser do jeito que ela gosta. Se ela é simples, tem de ser respeitada como simples; se ela é muitíssimo arrumada, usa o sapato mais alto que há, mestra do encantamento, com o batom mais vermelho que existir, ela tem o direito de ser feliz. Portanto, não se trata disso. Estou falando da vaidade, do luxo, da arrogância, da ostentação, daqueles que acham que ser celebridade significa ser a celebridade da ostentação, do luxo, do dinheiro fácil.

Senador Paim, eu ganhava R$1,1 mil como professora de universidade - se não tiver a honra de chegar ao Palácio do Planalto, vou continuar ganhando R$ 1,1 mil no ano que vem, comendo pó de giz, na minha querida sala de aula na Universidade Federal de Alagoas. Portanto, com o salário que eu ganhei durante esses doze anos, melhorei de vida, mas enriquecer, só sendo ladrão. Não tem justificativa. Eu precisei, Senador Paim, chorar a morte do meu tio mais querido, que deixou para mim um patrimônio, para que eu pudesse construir uma casa para morar com os meus filhos. Então, não há dúvida: só enriquece na política quem é ladrão.

O cabra pode enriquecer no mundo empresarial, explorando mão-de-obra, não pagando ou seguindo as regras do capitalismo. Isso pode ocorrer, existem regras no mundo capitalista que possibilitam o enriquecimento, mas com o salário, não. Tem-se a obrigação de melhorar de vida, embora nós, da esquerda, nunca tenhamos feito isso porque priorizamos outro tipo de luta; outro tipo de luta sempre foi priorizada por todos nós.

Sei exatamente o que vai significar a dureza dessa campanha eleitoral. No entanto, é difícil descrever exatamente como me sinto. Às vezes, dá um misto de depressão e de tristeza; às vezes, dá uma alegria muito grande encontrar alguém que diga: “Você falou o que eu queria falar. Que bom, porque agora eu não vou votar nulo” - com todo respeito a quem quer votar nulo, não tem nenhum problema. Aliás, qualquer que seja o resultado dessa eleição, nós, como democratas, temos obrigação de humildemente aceitá-lo. Se ele simbolizar, na nossa concepção, o triunfo do banditismo, temos de aceitá-lo; se simbolizar o triunfo da esperança, temos de aceitá-lo também porque faz parte do jogo democrático.

De coração, quero agradecer não apenas às militantes e aos militantes do PCB, do PSTU, do PCR e do P-Sol que estão conosco, mas, de forma muito especial, agradecer às muitas pessoas espalhadas pelo Brasil. Às vezes, chegam para mim e dizem: “Heloísa, vou votar em você, mas não concordo com o que você diz. Tenho dúvidas sobre o seu modelo de política econômica, sobre o que você fala dos juros, do superávit, da seguridade social, da democratização da riqueza, da informação e da cultura, das políticas sociais, da terra e do espaço urbano”, que são os quatro eixos centrais das nossas propostas. Mas dizem que é bom para a democracia e importante para o resgate da esperança. Especialmente muitas pessoas que não têm partido - muitas não gostam de partido, muitas têm o coração partido, mas não têm a alma vendida - estão nos ajudando muito nessa caminhada.

Como, sabem todos, sou cristã, sempre digo que, se até Jesus Cristo - imaginem o filho de Deus na terra, um “cabra” muito poderoso - disse: “Pai, afasta de mim esse cálice”. Por três vezes, Ele pediu ao Pai que afastasse d’Ele o cálice. Se Jesus Cristo suou suor de sangue. E, fisicamente, é demonstrado isso mesmo. Não é à toa que só o evangelista Lucas, porque era médico, entendeu o que estava acontecendo: a hematidrose, processo que ocasiona uma vasodilatação tão intensa dos capilares provocado por um profundo terror, medo, abalo moral, humilhação da estrutura física; falência muito grande da estrutura anatomofisiológica. O terror, o medo e o pavor dão isso mesmo: uma profunda vasodilatação dos capilares cutâneos que faz misturar o sangue ao suor de milhões de glândulas sudoríparas; na exsudação, se verifica o suor de sangue.

Com certeza, não estamos aqui reclamando das tarefas que vamos enfrentar, mas apenas agradecendo a todas as pessoas que têm demonstrado carinho, solidariedade e muita esperança para que continuemos essa caminhada que, volto a repetir, é muito difícil, mas preciosa e democrática para aqueles que pensam que o Brasil não é propriedade do PT, do PSDB e do seu único projeto; para aqueles que pensam ser possível a democratização da riqueza, da informação e da cultura, das políticas sociais, da terra, do espaço urbano, para aqueles que acreditam que, mesmo sob a égide da globalização capitalista, é possível nela se inserir sem ser de forma subserviente, subordinada ao capital financeiro e aos interesses comerciais das grandes nações. Esses, com certeza, terão um projeto para entender, apreciar, aceitar ou não. Isso será muito bom para a democracia representativa brasileira.

Tivemos a oportunidade de lançar a nossa candidatura, do P-Sol, em Alagoas. Foi uma briga grande no meu Estado, porque morei em muitos lugares. Nasci em Pão de Açúcar, morei em Palmeira dos Índios, em Inhapi, em Igaci, num povoadozinho do alto sertão chamado Poço Branco, Mata Grande, até numa cidadezinha de Pernambuco, chamada Inajá. Foi muito difícil escolher um lugar, e por isso o lançamento se deu lá, Senador Paulo Paim, como tributo às negras e negros guerreiros, herdeiros da tradição de Zumbi, Dandara, Acotirene, República dos Palmares, lá na Serra da Barriga, onde havia negros, índios, brancos, pobres, oprimidos e marginalizados, que foram capazes de ajudar na celebração da luta e da esperança.

Ontem fizemos a primeira caminhada. Claro que nós sempre agradecemos o carinho e a atenção de todos os Estados brasileiros. Tive a oportunidade de estar em todos os Estados: na Bahia, no Maranhão, no Pará, Pernambuco, São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Sergipe, Santa Catarina, Rio Grande do Norte, Piauí, Espírito Santo, Paraíba, Ceará, Rio Grande do Sul, Amazonas, Paraná, Acre, Mato Grosso do Sul, nosso Distrito Federal, segunda casa de todos nós, Tocantins, Amapá, Rondônia, Roraima.

Nós andamos no processo de legalização. Não conseguimos ainda estar nesses lugares. E muitas serão as dificuldades para que consigamos chegar a cada um desses lugares, claro.

Ontem, fizemos a primeira caminhada também para duas homenagens. No Rio de Janeiro, temos o nosso querido Cezinha e o Milton Temer, nossos companheiros. Mas sentimos muito, especialmente quando saíamos ali da Candelária, no Rio de Janeiro, cujo espaço foi palco de dois momentos especiais e tão distintos: o grande comício das Diretas - portanto o espaço rico da democratização, da pluralidade, do encontro de gerações na busca da democratização do País - e o local do assassinato de oito crianças pobres (entre negros, brancos e favelados). E não é só no Rio de Janeiro que isso acontece. Essas malditas guerras silenciosas contra as nossas crianças e os nossos jovens se dão em todos os lugares do País, infelizmente, para tristeza de todos nós.

Claro que será muito difícil, para mim especialmente, que não vou me licenciar do Senado. Portanto, vou fazer as duas coisas ao mesmo tempo: continuarei a vir trabalhar no Senado, participando da CPI, e tentando fazer a campanha eleitoral. Espero que haja os debates e a exposição de idéias. Para profunda surpresa minha, já está sendo discutido com os partidos os debates na Band, no SBT, na própria Rede Globo - que sempre foi motivo de tanta crítica de todos nós e agora está fazendo um claro esforço para tentar apresentar todos os candidatos, mostrando onde eles estão. Isso temos que reconhecer. E assim as outras estruturas de comunicação. Espero realmente que possamos ter o debate de idéias porque o horário eleitoral é uma covardia: nós, com menos de um minuto, e os dois grandes e poderosos, um com quase dez minutos e o outro com mais de oito minutos, é uma desgraça. Só eu, sendo asmática e portanto tendo aprendido a falar sem respirar, combalindo as minhas já combalidas cordas vocais, para agüentar um negócio desses. Mesmo assim, espero que haja o espaço necessário para o debate programático, o debate de idéias para que possamos tratar de cada um desses temas, que, sem dúvida, são apaixonantes, não são uma coisa qualquer.

Algumas pessoas tentam descaracterizar, tratar de forma preconceituosa, pejorativa, toda alternativa diferente; quando você diz que quer baixar a taxa de juros, imediatamente aparecem aqueles que fingem um ar de sofisticação técnica, usam palavras difíceis, mas é tudo farsa porque sabem que não haverá fugas de capitais. Todo mundo sabe - não estou falando das pessoas mais simples, porque tem tanta coisa que não entendo - que muitas pessoas criticam, com virulência, dizendo que é tudo impossível. Tudo mentira!

A legislação em vigor do País permite. A estrutura do Banco Central e do Ministério da Fazenda, se não sabotarem o desenvolvimento econômico fazendo molecagem a serviço do capital financeiro, permite; permite que se possa ter, o ano que vem, 160 bilhões novos para aumentar os gastos públicos; não para roubar ambulância, comprar Deputado, Senador, dólar nas peças dos vestuários masculino. Não para isso. Mas 160 bilhões para investir naquilo que dinamiza a economia local, gera emprego, gera renda, possibilita a escola integral, a democratização das políticas sociais. São coisas que realmente podem ser feitas, e eu espero que tenhamos essa possibilidade; nós, do P-SOL, que estejamos à altura de representar, humildemente, um pouco de esperança, um pouco de identidade para o povo brasileiro. Como mulher, é claro, fico muito mais honrada ainda, porque tive o privilégio, Senador Geraldo Mesquita, de conviver com grandes mulheres. Eu não tive pai. É por isso que às vezes digo, Senador Paulo Paim, que não agüento grito de homem, porque acho que o homem que podia me ensinar a agüentar grito, que foi o meu pai, morreu quando eu tinha três meses de idade. Então, quando um homem altera a voz, já fico muito abusada, nervosinha.

Convivi com minha mãe, uma guerreira; convivi na universidade, na enfermagem, no movimento social. No campo, ou na cidade, sempre encontrei não apenas as mulheres sobre as quais eu li, que vai de Rosa de Luxemburgo a Simone de Beauvoir; mas sempre encontrei, ao longo da minha história de vida, grandes mulheres, competentes, honestas. Então, para mim não tem nada de vaidade me sentir feliz e honrada de ser a primeira mulher a disputar a Presidência da República. Não trago aqui nenhuma vaidade pessoal, porque sempre encontrei mulheres que, quando eu olhava para elas, humildemente baixavam a bola. Por circunstâncias históricas, talvez eu tenha mais visibilidade, pelas lutas que travei, pelo mandato, pela minha história de vida, mas muitas outras mulheres espalhadas pelo Brasil são muito especiais.

Então, é muito especial ter a honra também de representar as mulheres brasileiras, que, como já tive oportunidade de dizer várias vezes, não aceitam a mentira, a roubalheira, a traição; há mulheres que acreditam, e homens também. Só tenho um filhinho homem; meus irmãos são homens, o mais velho morreu, o meu irmão querido foi assassinado.

É realmente muito especial ter a honra - e espero estar à altura dessa tarefa - de representar as mulheres brasileiras e as mulheres e homens de bem e de paz, que não abrem mão de ter vergonha na cara, amor no coração e de pensar um Brasil não como um país qualquer, visualizado no mapa pelas belezas naturais e pela grandeza e combatividade do seu povo. Mas pensar a possibilidade de fazer deste Brasil maravilhoso uma pátria soberana, justa, igualitária, fraterna, uma pátria da qual a gente se orgulhe; que a gente possa não pensar simplesmente no futuro dos nossos filhos, ou da nossa família, mas pensar também nos filhos da humanidade, nos filhos e nas filhas do Brasil, no futuro do Brasil.

Então, é importante ser parte dessa tarefa, por mais dolorosa, exaustiva - porque é realmente algo de outro mundo - que seja, como muitas outras que já enfrentamos. Digo sempre também que todos nós somos sobreviventes, sempre tivemos que fazer nascer um Davi por dia nos nossos corações para enfrentar os gigantes da truculência, da arrogância, da vigarice, da intolerância, em todos os espaços pelos quais já passamos. Então, preparados estamos, embora exaustos, cansados, sofridos, mas com a certeza de que podemos apresentar ao Brasil uma alternativa que simbolize sonhos, luta e, especialmente, uma nova realidade objetiva, concreta para o Brasil. Eu não tenho dúvida de que isso é possível se fazer e é exatamente por isso que a gente se move em toda essa luta.

Então, só tenho mesmo é que agradecer. Farei um esforço inimaginável para não voltar mais tratando do tema, mas muito mesmo para agradecer a generosidade, a delicadeza, o carinho de milhares de pessoas espalhadas pelo Brasil que demonstram intenção de voto, que querem nos ajudar na caminhada.

Quando registramos a nossa candidatura e ficamos sabendo quanto o povo ia botar na campanha eleitoral, chegamos a tomar um susto e pensamos: meu Deus! A gente não tem nem dez mil; se disser que vai arranjar um milhão já é muito. E ia parecer tão estranho, porque era todo mundo com montante grande. Aí, fizemos a conta e pensamos: se quinhentas mil pessoas que assinaram a legalização - e foram mais de oitocentas - derem R$10 cada uma, vamos conseguir algo que nem esperamos conseguir, porque nem vamos gastar uma quantia dessas em dois turnos de campanha. Eu não sei como é que esse povo vai fazer essa gastança toda. Deve ter alguma coisa por trás de sujo e inexplicável, porque onde toca sai secreção purulenta. É dinheiro demais. Eu nunca vi um negócio desses!

Quando fomos registrar a candidatura, tinha lá uma velhinha de 76 anos, aposentada, que tirou R$20 da bolsa - eu morri de vergonha - e disse: “É o meu e o da minha filha”. Aí eu disse: mas não pode dar dinheiro. Fui explicar a legislação eleitoral: vamos nós duas tomar um sorvete por aí afora.

Ontem, também. Então, acho que todas essas pessoas vão nos ajudar muito. Mas, especialmente, acho que o que mais nos ajuda é a certeza que temos de que, independentemente até de votar em nós ou não, existem pessoas no Brasil, mulheres e homens de bem e de paz, repito, com vergonha na cara, com amor no coração, que não se vendem e que querem fazer deste nosso Brasil maravilhoso uma pátria soberana, igualitária, justa, fraterna, e sabem que é possível fazer. Não é possível fazer a longo prazo - a longo prazo é outra coisa -, mas a curto prazo, agora, não como mercadores de ilusão, não com a fajutice política, mas coisas que objetivamente são possíveis de serem viabilizadas, implementadas, implantadas no País da infra-estrutura, das relações comerciais internacionais - volto a repetir - não subservientes, subordinadas aos interesses comerciais das grandes nações ou ao capital financeiro, a esses senhores parasitas e sem pátria, é possível fazer. É preciso - é claro - da vontade da grande maioria da população brasileira.

            Então, agradeço a V. Exª, Senador Geraldo Mesquita, e ao Senador Paulo Paim pelo tempo excedente, excessivo quase, mas era uma comunicação que eu me sentia, por uma questão até de delicadeza e de agradecimento, na obrigação de fazer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/07/2006 - Página 23157