Discurso durante a 106ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com o quadro de guerra civil, em razão da violência que impera no Brasil. Proposta de convocação do Conselho da República, a fim de se buscar uma solução para a violência que assola o país.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Preocupação com o quadro de guerra civil, em razão da violência que impera no Brasil. Proposta de convocação do Conselho da República, a fim de se buscar uma solução para a violência que assola o país.
Aparteantes
Eduardo Azeredo.
Publicação
Publicação no DSF de 11/07/2006 - Página 23289
Assunto
Outros > HOMENAGEM. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, DANTE DE OLIVEIRA, EX PREFEITO, EX GOVERNADOR, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), EX-DEPUTADO, EX MINISTRO DE ESTADO, ELOGIO, VIDA PUBLICA, LUTA, ELEIÇÃO DIRETA, REDEMOCRATIZAÇÃO.
  • GRAVIDADE, VIOLENCIA, BRASIL, SEMELHANÇA, GUERRA CIVIL, COMANDO, CRIME ORGANIZADO, MORTE, POLICIAL, NECESSIDADE, COMPROMISSO, RESPONSABILIDADE, GOVERNO FEDERAL, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DEMOCRATICO TRABALHISTA (PDT), CRIAÇÃO, AGENCIA NACIONAL, SEGURANÇA PUBLICA, MELHORIA, SISTEMA, INFORMAÇÃO, AUTONOMIA, PROCEDIMENTO ESPECIAL, ESTADOS, DECISÃO, CONSELHO DA REPUBLICA, PRESENÇA, GOVERNADOR, PROIBIÇÃO, CORTE, RECURSOS ORÇAMENTARIOS.
  • DEFESA, POLICIAL, UNIFICAÇÃO, CARREIRA, ESTADOS, MELHORIA, POLITICA SALARIAL.
  • DEFESA, FORMAÇÃO PROFISSIONAL, APERFEIÇOAMENTO, SISTEMA PENITENCIARIO, SEPARAÇÃO, PRESO, CARACTERISTICA, CRIME, ALTERNATIVA, PENA, PREVENÇÃO, ALICIAMENTO, CRIME ORGANIZADO.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, antes mesmo de entrar no assunto que me traz à tribuna, quero complementar a fala de V. Exª, Sr. Presidente, sobre Dante de Oliveira.

Eu conheci e convivi com ele, como V. Exª também, e não podemos deixar de respeitá-lo como um dos políticos que mais fortemente deixou uma marca na História do Brasil, no século XX, por um gesto fundamental que foi o de acreditar no impossível. Dante acreditou no impossível: a eleição direta. Naquele momento, era absolutamente impossível acreditar que a eleição direta para Presidente seria um fato no Brasil. Ele acreditou e teve a coragem não só do ridículo de apresentar uma idéia que parecia absurda como também de enfrentar as forças que, naquele momento, se opunham ao que ele defendia.

Por isso eu me somo, Sr. Presidente, à referência que V. Exª fez e à saudade que ele deixa, tanto do ponto de vista pessoal como do ponto de vista político. Mas ficou na História e deixou a sua marca.

Mas, Sr. Presidente, eu vim falar de um outro assunto. Eu vim falar da guerra civil, mas não da guerra civil, Senador Antonio Carlos Magalhães, que está lá no Iraque, na Colômbia, e que já esteve no Vietnam. Eu vim falar da guerra civil que temos ao nosso redor e da qual não estamos nos dando conta.

Continuamos falando em violência, quando o Brasil já ultrapassou a barreira da violência e caiu na guerra civil. Violência é contra batedores de carteira; violência é quando o batedor de carteira assalta por descuido as pessoas; violência é até mesmo quando alguns cometem latrocínio. O que nós temos hoje não é mais violência; o que temos hoje é uma guerra civil, onde bandidos tomam conta de ruas, como se tivessem suas trincheiras, mesmo que invisíveis, e nem precisam construí-las. Guerra civil é quando soldados são mortos, como nossos policiais, não por estarem enfrentando, mas simplesmente por estarem nas ruas. Isso é uma guerra civil, Sr. Presidente, Srs. Senadores, e a guerra civil não será enfrentada enquanto ela não for tratada como tal.

Por isso, pedi para falar em nome da Liderança do PDT - e não foi preciso, graças à cessão do Senador Tião Viana, a quem agradeço - para manifestar a nossa preocupação, de todo o PDT, diante do quadro que aí está, e dizer o que gostaríamos de propor ao Brasil para enfrentarmos essa situação.

Primeiro, Senadores, é dizer que vivemos uma guerra civil, assumir essa realidade, não ficarmos apenas nas palavras vazias de que temos um quadro de violência. Violência nós temos há muitas décadas ou séculos, mas, nos últimos dez anos, atingimos o quadro da guerra civil. E, se é uma guerra civil, é preciso que o Governo Federal, a República, a União, o Presidente da República, assumam sua responsabilidade e não fiquem jogando essa responsabilidade em cima de Governadores e Prefeitos. Prefeito tem que combater, sim, o pequeno crime que acontece na sua cidade; Governadores têm que enfrentar crimes que acontecem nos seus Estados. Mas, quando um país entra num clima de guerra civil entre bandidos e a sociedade civil decente, então é preciso que o Presidente traga isso para o seu colo, não fuja da sua responsabilidade, como temos visto acontecer hoje no Brasil.

Segundo: depois de declarar que há uma guerra civil, assumir essa realidade e trazer para a Presidência da República a responsabilidade de enfrentar e, para isso, é preciso criar os instrumentos adequados. O primeiro instrumento é ter na Presidência da República uma agência específica para segurança interna, que pode ser chamada de ministério da segurança interna. Se não tivéssemos tantos ministérios, poderíamos criar mais um. Chamemos como quisermos, mas não dá para deixar que a guerra civil seja enfrentada a partir de uma simples subsecretaria dentro do Ministério da Justiça. O Ministério da Justiça não é preparado, não é competente para enfrentar a guerra civil. É preciso criar uma agência federal de segurança interna ou mesmo um ministério de segurança interna.

O segundo instrumento: é preciso que comecemos a colocar sob a responsabilidade dessa gente um sistema de informação e inteligência capaz de se antecipar ao que o crime está prevendo que vai fazer. Quando vejo os noticiários falando quantos dos nossos policiais são assassinados, eu não apenas fico triste, pelas suas famílias, pela polícia que perde um quadro, mas eu também fico, Senador, com vergonha de ver como é possível não se prever, através de sistemas de inteligência, que isso vai acontecer; como é possível que não tenhamos, dentro dos meios onde as ações são tramadas, um serviço que permita dar a inteligência que nos permitiria antecipar para evitar que esses crimes acontecessem.

Além disso, essa agência federal precisa começar a ter liberdade de fazer operações especiais nos Estados brasileiros. Não estou propondo que o Presidente da República assuma uma espécie de ditadura sobre os Governadores. Não! Não seria, Senador, algo decidido solitariamente por ele. Existe o Conselho da República. Em alguns momentos o Presidente pode convocar o Conselho da República e tomar decisões de enfrentar o crime em territórios de Estados brasileiros, porque não se limita apenas ao Estado a criminalidade no nível atual. Eu não entendo como é possível um Presidente da República, diante de tantas ações afoitas do PCC, ainda não ter convocado o Conselho da República para analisar, à luz de toda a República, a situação da guerra civil que nós vivemos.

Acho até que ele poderia fazer uma reunião do Conselho da República, ampliando para receber também os 27 Governadores. Coloque juntos esses senhores que nos representam no Conselho da República e que não é convocado nunca! É um Conselho que está previsto pela Constituição para servir ao Brasil com a sabedoria que eles têm. E o Presidente da República não convoca esse Conselho?

Eu proponho que se convoque o Conselho da República para debater o clima de guerra civil que o Brasil enfrenta. E que incorpore nessa reunião a presença dos Governadores. Mas não basta isso, Sr. Presidente. É preciso criar, no Brasil, um sistema de capacitação que leve os nossos policiais, hoje tão desiguais de um Estado para outro, a ter uma política salarial e de carreira unificada.

Nós não podemos deixar que haja Estados no Brasil onde o policial militar ganhe um salário mínimo. E sua vida é arriscada não apenas no enfrentamento da bandidagem na rua, mas até mesmo saindo de casa, pelos afoitos, pelos afoitos bandidos do PCC e outras organizações.

Agora, é preciso também fazer com que essa desigualdade brutal entre os salários das altas cúpulas da polícia e os salários dos que estão na base diminua. Não é possível que a gente continue com os comandantes tendo salários decentes, dignos - não vou dizer que elevados - e os nossos policiais, lá na base, enfrentando bala, com os salários medíocres e ridículos que eles têm.

É preciso que a gente saiba que neste País uma política criminal não misture os diferentes tipos de crime na mesma cadeia. Nossas prisões se transformaram em academias do crime ao pegarem um menino que fez o pequeno crime de bater carteira, que é uma violência, e misturá-lo com criminosos do PCC e de outras centrais do crime. Ao misturar presos de diferentes tipos de crime, nós estamos transformando pequenos criminosos em criminosos grandes. Nós estamos transformando violência em guerra civil.

           É preciso também, Sr. Presidente, que a gente permita que o Presidente da República possa, quando necessário, ouvindo o Conselho da República, interferir - Sim! E eu falo isso com a responsabilidade, Senador, de representante de um Estado -, interferir na defesa da República em qualquer Estado. É preciso também proibir neste País que verbas para a segurança sejam contingenciadas. Enquanto nossos soldados policiais estão morrendo, enquanto nossa população está sendo vítima de uma guerra civil, os recursos federais para a segurança estão sendo contingenciados.

O Orçamento Impositivo serviria para reduzir ou até para eliminar isso. Mas enquanto não vem o Orçamento Impositivo, que a gente ponha com clareza que aquilo que interessa à população não pode ter a verba contingenciada. Infelizmente hoje elas são contingenciadas. E contingenciar um real de recurso da segurança pública no Brasil é colaborar com o crime, é colaborar por omissão com a criminalidade.

Por isso, o Senado precisa definir com clareza uma política em que verbas para enfrentar a guerra civil não possam ser contingenciadas. É preciso estimular penas alternativas, como a prestação de serviços comunitários e trabalhos estaduais, mas para os pequenos criminosos, até para que eles não entrem nas cadeias e se transformem em grandes criminosos. É preciso regionalizar as nossas prisões, mas sempre com prisões pequenas. As grandes prisões se transformam naturalmente em academias do crime, além de servirem para uma degradação humana, que é também outra forma de criminalidade do Estado.

Srªs e Srs. Senadores, precisamos de uma capacitação para os nossos policiais diferenciada da que está aí. Para isso, é preciso unificar a capacitação. Não é possível deixar que a capacitação dos policiais, num momento de guerra civil, possa ser feita independentemente, de Estado para Estado, conforme a Unidade da Federação quiser. É preciso ter uma regra, é preciso ter parâmetros que façam com que as polícias no Brasil se transformem quase numa polícia para o Brasil. Não precisamos chegar ao Chile, que tem quatro Forças Armadas: o Exército, a Marinha, a Aeronáutica e a sua Brigada de Polícia como uma instituição nacional.

Acho que temos que manter o respeito com as polícias estaduais, mas coordenadas. Como combater uma guerra civil, se não há uma coordenação plena entre as polícias? Por meio de uma agência federal, por meio de alguém na ante-sala do Presidente da República como comandante do enfrentamento da guerra civil no Brasil. Será que vamos esperar chegar o aumento da criminalidade até reconhecermos que já passamos da violência, Presidente Renan, e que já chegamos a uma guerra civil? E que os Estados não têm condições de ter 27 comandantes espalhados para a guerra civil? Eles, os Governadores, são os comandantes-em-chefe do combate à criminalidade tradicional, normal - não da que hoje tomou contas das ruas das cidades brasileiras.

Passo a palavra ao Senador Azeredo.

O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - Senador Cristovam, eu quero apenas dar uns dados que eu tenho aqui do Orçamento e que confirmam exatamente o seu pronunciamento. Em 2005, o Governo, no item Custódia e Reintegração Social, conseguiu pagar apenas 37% do que estava previsto. No item Policiamento, 43,8%. Isso no ano passado. Agora, para este ano, é pior ainda. No item Policiamento, o Governo conseguiu liberar 0,01%; no item Custódia e Reintegração Social, 1,52%. Isso no meio do ano, seis meses. Quer dizer, daí a necessidade não só do Orçamento Impositivo como também de termos atenção verdadeira nessa área de segurança. São dois itens. Eu poderia citar aqui o terceiro, que é o item referente à Assistência à Criança e ao Adolescente. Da mesma maneira, teve apenas 11,57% liberados e pagos, ano passado, e este ano teve uma pequena melhora, com 14,52%; mas ainda assim muito longe dos 50%, que seria o natural no meio do ano. Então, veja que os itens Policiamento, Custódia e Reintegração Social e o item Assistência à Criança e ao Adolescente sofreram desembolso muito aquém do que deveria ser. Daí a importância do pronunciamento de V. Exª e também de aprovarmos, de uma vez por todas, o Orçamento Impositivo.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador Eduardo Azeredo, quando vemos esses dados, até nos perguntamos se o Orçamento não é controlado pelo crime organizado. Eu acho que, se o crime organizado controlasse o Orçamento, era capaz de liberar um pouco mais, para disfarçar; não ficava somente nesse 0,1%.

Quero encerrar, Sr. Presidente, dentro do prazo, deixando clara a nossa posição. O Brasil não tem somente um quadro de violência, mas de guerra civil. O assunto não pode ser tratado apenas de uma maneira espontânea, livre e isolada por cada um dos Governadores e suas polícias, mas deve ser trazido para o nível federal, o centro do Poder da União. Isso é possível. Os recursos existem e falta apenas trazer para o colo do Chefe do Estado Brasileiro, da Nação, a responsabilidade, o compromisso e a obrigação de enfrentar a guerra civil!

Para não dizerem que uma vez que seja eu falei de outro assunto sem tocar em educação, quero dizer que o que disse é para controlar a violência, mas não é suficiente para construir a paz.

Não basta controlar a violência; é preciso colocar os bandidos na cadeia, hoje, controlando a violência, mas tomar as medidas para construir uma sociedade de paz no futuro, a qual somente virá se, ao lado das cadeias, construirmos as escolas para as crianças de hoje, a fim de garantirmos oportunidades iguais às crianças para que muitas delas não terminem se desviando para a criminalidade, e também para aquelas que ainda não estão no crime e já não são crianças. Isso faz parte da nossa proposta.

Há mais de dez anos, tento passar a idéia de um imenso programa civil-militar, administrado, se possível, pelas Forças Armadas, pelo seu patriotismo e pela competência de fazer as coisas bem feitas, em que possamos incorporar, não ao serviço militar tradicional - entendo que devemos aumentar o seu contingente, sim, porque é uma vergonha um país do tamanho do Brasil ter 70 mil recrutas -, mas, paralelo a isso, sem funções militares, dois milhões de jovens entre 16 e 20 anos para aprenderem um ofício, fazerem ginástica, terem noções de civismo e conseguirem amigos. Isso barraria o caminho à criminalidade de muitos dos jovens de hoje. Com dois bilhões e quatrocentos milhões de reais, podemos não apenas aumentar os recursos para as Forças Armadas, mas também dar uma pequena renda a esses jovens. Se tirarmos dois milhões de jovens do risco que estão, da marginalidade entre a vida normal e o crime, se tomarmos as medidas necessárias para enfrentar a guerra civil, nós começaremos a dar os passos para a estabilidade de que o Brasil precisa.

O Brasil precisa de duas coisas, fundamentalmente, Sr. Presidente: educação e estabilidade. Estabilidade da moeda, da justiça, das regras políticas e nas ruas do Brasil.

Por isso, não quis deixar passar a oportunidade de fazer, nesta tarde, um pronunciamento pessoal e também em nome do meu partido. O Brasil vive uma guerra civil, mas não é cada Estado, isoladamente, enfrentar essa guerra civil.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/07/2006 - Página 23289