Discurso durante a 113ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa de mudanças na política econômica brasileira, como a redução na taxa de juros e revisão na tributação imposta à classe média. Acusa o governo federal de ser o responsável pelo desinteresse para a realização da reforma tributária.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Defesa de mudanças na política econômica brasileira, como a redução na taxa de juros e revisão na tributação imposta à classe média. Acusa o governo federal de ser o responsável pelo desinteresse para a realização da reforma tributária.
Publicação
Publicação no DSF de 19/07/2006 - Página 24467
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • VISITA, REGIÃO SUL, COMPROVAÇÃO, CRISE, FALENCIA, EMPRESARIO, AGRICULTURA, INDUSTRIA, COMERCIO, DESEMPREGO, TRABALHADOR, REGISTRO, INEXATIDÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, REPRODUÇÃO, DECLARAÇÃO, ORADOR, REFERENCIA, JUROS, ESCLARECIMENTOS, DEFESA, SOCIALISMO, COMBATE, LIBERALISMO, RESTRIÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, BRASIL, DENUNCIA, FAVORECIMENTO, CAPITAL ESPECULATIVO, LUCRO, BANCOS.
  • ACUSAÇÃO, INCOMPETENCIA, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), CRIME DO COLARINHO BRANCO, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, ALEGAÇÕES, RISCOS, INFLAÇÃO, QUESTIONAMENTO, AUTONOMIA, BANCO OFICIAL, MOTIVO, SUJEIÇÃO, MERCADO FINANCEIRO.
  • DEBATE, IMPEDIMENTO, GOVERNO FEDERAL, REALIZAÇÃO, REFORMA TRIBUTARIA, MOTIVO, PREVISÃO, BAIXA, ARRECADAÇÃO, OBRIGATORIEDADE, REDUÇÃO, JUROS.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acho que nem vou falar mais da corrupção e do banditismo político, porque há tantas coisas inimagináveis, no passado e no presente, que não sei se vale a pena. Até porque, se essa campanha eleitoral pudesse ter um caráter plebiscitário entre quem compartilha ou não com o banditismo político, com certeza, o triunfo da vigarice não aconteceria. Mas, como existem muitas coisas no âmbito da eleição, que vão desde as migalhas distribuídas para os pobres, manipulação da complexa subjetividade humana, utilização de dólares nas peças íntimas do vestuário masculino, à remessa de bilhões de dólares para o exterior, tantas coisas que mexem no processo eleitoral, nem sabemos ao certo o que acontecerá.

Falarei rapidamente sobre taxa de juros e reforma tributária.

Hoje, li matéria de um jornal de circulação nacional reproduzindo uma fala minha sobre política de juros em Florianópolis.

Estive no Rio Grande do Sul, acompanhada por minha querida companheira Deputada Luciana Genro, e em Santa Catarina - aliás, saí do Amapá à uma hora da madrugada, onde estava um sol de quase 40 graus, para chegar ao meio-dia em Porto Alegre, num frio danado. Porque, como não usamos dinheiro público roubado e não temos dinheiro das grandes estruturas empresariais do País e dos banqueiros, é evidente que a campanha é muito mais difícil. Aproveito para agradecer a forma sempre generosa, delicada desses e de todos os Estados brasileiros onde tenho tido oportunidade de ir.

Hoje, o Sul passa por uma situação econômica muito difícil, até em função dessa política de juros altos, câmbio baixo, aumento das importações, redução da exportação, o que tem levado a uma quebradeira como há muito não se via na agricultura, na indústria e no comércio.

Todos que estudam ou que conversam conosco, os trabalhadores que estão sendo demitidos na indústria, no comércio, na agricultura, em Santa Catarina, no Paraná ou no Rio Grande do Sul, na Região Sul do País, todas essas pessoas falam das suas experiências no setor produtivo, seja entre os trabalhadores, seja entre os comerciários e comerciantes. Tive a oportunidade de falar sobre juros e fiquei impressionada com a forma como o jornalista elaborou um pequeno parágrafo. Prefiro concluir que o jornalista não fez isso por má-fé. Mas que, talvez, a verborragia neoliberal, com o seu ar de sofisticação técnica, quando, de fato, representa uma farsa técnica e uma fraude política, realmente manipule boas mentes e bons corações. Primeiro, o rapaz relaciona taxa de juros a socialismo. Realmente, não tem nada a ver.

É lógico que todos sabem que eu sou socialista de carteirinha; defendo o socialismo e creio que ele seja a mais bela declaração de amor à humanidade. Aprendi a ser socialista na Bíblia, porque é lá que está escrito, com uma formação belíssima: ou se serve a Deus ou ao dinheiro. Portanto, quem é serviçal do capital vai virar churrasco do demônio. Eu vou para o céu. Está tudo bem.

Então, não se trata de falar em socialismo, porque não existe nenhuma experiência socialista no Planeta Terra. Nenhuma. Então, por mais que eu defenda o socialismo, tenho convicção de que, com essa estrutura anatomofisiológica, não vou vivenciar, infelizmente, uma sociedade socialista, mas espero que as futuras gerações o possam. Existe coisa mais bela do que a formulação que diz “De cada um, conforme as suas possibilidades. Para cada um, conforme as suas necessidades”? Claro que não há. Essa é a mais bela declaração de amor.

Mas isso não tem nada a ver com a política econômica que estamos defendendo, com o que falamos sobre reforma tributária e taxa de juros. Por quê? Como a verborragia da patifaria neoliberal está sendo sustentada todos os dias no imaginário popular - já que são oito anos do Governo Fernando Henrique e quatro anos do Governo Lula -, todas as vezes que se fala em qualquer outra alternativa de política econômica, imediatamente se levantam algumas pessoas supostamente conhecedoras, mas que não conhecem nada, e dizem: “Oh! Não podem baixar a taxa de juros!” E se vai baixar por decreto? Isso poderia ser feito, se quisesse. Pode-se baixar por decreto. Aliás, as principais resoluções do Banco Central são feitas por decreto: decreto que autoriza o Conselho Monetário a alterar as metas para a inflação; decreto que estabelece a sistemática de metas para a inflação. Então, as principais resoluções do Banco Central foram adotadas por decreto presidencial.

Mas nem se está falando sobre isso, porque quem de fato define como deve ser a atuação dos juros do País não é o Copom - estão lá os diretores do Banco Central com o seu Presidente. Acho que eles são moleques de recado do capital financeiro, porque não os acredito incompetentes, mas são serviçais do capital financeiro. Não é à toa que os banqueiros nunca ganharam tanto no Brasil. O maior lucro de toda a história das instituições de capital aberto na América Latina se deu justamente no ano passado e, neste ano, ainda se conseguiu bater o recorde do ano passado.

Quem de fato define o chamado modelo do PIB potencial brasileiro é o Conselho Monetário Nacional. Então, nem precisaria de decreto para baixar os juros, porque bastaria que no Conselho Monetário Nacional tivesse três homens e não três moleques do capital financeiro.

O Ministro da Fazenda, o Ministro do Planejamento e o Presidente do Banco Central estabelecem, pela chamada formulação econométrica, a meta do crescimento brasileiro. E, embora o mundo todo esteja crescendo numa meta de 6% - a Argentina cresce, há três anos, 9%; a China, 10%; a Índia, 8% -, mesmo assim, esses senhores iluminados, farsantes tecnicamente, estabeleceram que o Brasil não pode crescer mais de 3,5%.

Então, todas as vezes que começa um crescimento econômico, vem a lenda, o fato, aquela coisa que diz, assim: “não pode crescer”. Quando o Brasil começa a crescer, ou seja, dinamizar a economia local, gerar emprego, gerar renda, a indústria fortalecida, o comércio fortalecido, os trabalhadores ganhando bem para sustentar as suas famílias dignamente, tendo dinheiro não para comprar Senador e Deputado, mas tendo dinheiro para aumentar os gastos públicos no saneamento, na habitação, na saúde, na segurança, na moradia popular, todas as vezes que o Brasil começa a crescer, os senhores supostamente iluminados, mas farsantes tecnicamente, dizem: “tem que parar o crescimento brasileiro”. Porque, dizem eles - tudo mentira - que tem que parar o crescimento brasileiro; e aumenta-se a taxa de juros. Mas alguém diz: “Se baixar a taxa de juros para 6,2%, nominal, isso vai significar uma fuga de capitais e um aumento da inflação”. Eles são tão desqualificados tecnicamente e, infelizmente, encontram algumas pessoas para reproduzir essa farsa técnica e essa fraude política como se verdade fosse, que muita gente começa a achar que isso é natural.

Não há possibilidade alguma de haver fuga de capitais, porque quem define o percentual de troca de real por dólar é o Banco Central; isso se tiver lá realmente um homem ou uma mulher, não um moleque como tem hoje, que deveria estar preso na cadeia por crimes que patrocinou contra o Sistema Financeiro e de conspirar contra os interesses nacionais.

A legislação em vigor no País define o percentual de moeda que pode ser trocada, define o montante de dólar que pode ser remetido para o exterior. O Banco Central define o dinheiro que vai ser estacionado nas instituições bancárias do País. Tudo isso sob a égide da legislação em vigor no País. Então, não precisaria nem inventar absolutamente nada. Aí eles dizem: “Vai aumentar a inflação”. Começa que estamos num período de deflação. Gente mentirosa; farsante tecnicamente; cínica politicamente; e continua a conquistar gente com essa mentira.

Não haverá aumento da inflação. É impossível haver aumento de inflação. A única possibilidade seria distribuir esse R$ 1 trilhão de dinheiro volátil - são R$ 180 bilhões só de juros -, que é o “bolsa-famíliamília-banqueiro” do Governo Lula. Para os pobres é a média de R$ 52,00 por família; para os banqueiros são R$ 610 mil ao mês, para o grande especulador brasileiro.

Eles dizem assim: “Vai aumentar a inflação porque as pessoas vão consumir mais”. Quem vai consumir mais? Como vão consumir mais? Como vai distribuir R$ 1 trilhão? Vão tirar todo o dinheiro do banco? Essa eu quero ver! Imaginem tirar R$ 1 trilhão do Sistema Financeiro! Não existe moeda, nem papel para trocar isso. Ah, mas, se não receberem R$ 180 bilhões de juros, vão tirar o dinheiro? Como se faz isso?

A única chance de aumentar a inflação seria os grandes especuladores, os banqueiros nacionais distribuírem R$ 180 bilhões para os pobres brasileiros, que iriam correr para comprar comida, eletrodomésticos, uma casinha para morar. A única chance seria essa.

Por quê? Porque 70% dos preços que movimentam a inflação no Brasil são administrados pelo Governo, são definidos pelo Governo. Portanto, é muito importante que tenhamos compreensão destas coisas: de que é possível fazer uma política de desenvolvimento econômico com inclusão social; de que é possível reduzir a taxa de juros para que nós tenhamos R$ 160 bilhões, no próximo ano, de dinheiro limpo e novo, para aumentar os gastos públicos - e não para comprar parlamentar vigarista -, para investir nos setores que dinamizam a economia local, geram emprego, geram renda, para democratizar as políticas sociais, fazendo investimento na saúde, na educação, na segurança pública.

Onde é que está escrito que não se pode fazer isso? Não está escrito na legislação brasileira, na ordem jurídica vigente, em nenhuma experiência internacional. Em nenhuma. E aí eles dizem: “Isso vai quebrar a autonomia do Banco Central!” Ô gentalha farsante e cínica politicamente. Quem fala da autonomia do Banco Central? É o Banco Central americano independente. “Eu quero igual”. Mentira! É preciso um Banco Central autônomo em relação ao capital financeiro, o que não há. Hoje, o Banco Central, em vez de ser autônomo do capital financeiro, é serviçal do capital financeiro e sabota o desenvolvimento econômico e a inclusão social no Brasil. Essa é que é a questão.

A independência do Banco Central americano é completamente diferente. Primeiro, tem um orçamento impositivo; se não fizer o orçamento impositivo, o ministro vai para a cadeia.

As três ações necessárias para o Banco Central ser independente significam: pleno emprego; capacidade plena da atividade econômica - no Brasil, mais de 60% da capacidade econômica está ociosa; não há ninguém para consumir com essa quebradeira geral - e estabilidade monetária. É uma coisa completamente diferente.

Aliás, esses farsantes que saem por aí a discursar isso como se preparados tecnicamente fossem - e não são - são incompetentes e cínicos, e ousam dizer isso.

O Banco Central americano é obrigado, se um recurso faltar para o cumprimento do orçamento impositivo, a depositar, imediatamente, na conta do Tesouro, para que esse recurso seja viabilizado e disponibilizado para as ações aprovadas no orçamento.

Essas eram algumas das considerações que eu queria fazer em relação à reforma tributária, da qual 500 pessoas falam milhões de vezes, mas que não é feita. A reforma tributária não é feita porque o Governo não quer. Não é pela ineficácia do Congresso Nacional - nem daqui e, especialmente, da Câmara - é porque o Governo não quer.

O Governo sabe que uma reforma tributária significa, no curto prazo, a diminuição da arrecadação que ele teria que compensar obrigatoriamente com a redução da taxa de juros, e não quer, porque é um moleque de servilismo do capital financeiro.

É por isso que hoje existe uma brutal e avassaladora transferência de renda do pobre da favela, da classe média assalariada, do setor produtivo para o capital financeiro.

É por isso que seria essencial isentar a cesta de consumo da população pobre, reduzir a carga tributária da classe média assalariada e do setor financeiro. E como compensa isso na arrecadação? Reduzindo a taxa de juros. Pode ser feito? Pode. Onde está escrito? Em qual manual, em qual lei, em qual formulação está escrito que a taxa de juros brasileira não pode ser igual à segunda maior do Planeta Terra? Onde é que está escrito? Quero ver quem vai mandar o dinheiro para a Turquia! Pode ser feito, sim!

Vejo algumas pessoas que foram para uma faculdade, que tiveram oportunidade de estudar imporem uma interpretação absolutamente distinta daquilo que se fala. Realmente, sei que o debate econômico tem uma sofisticação técnica e muita enrolação política, que é justamente para as pessoas não entenderem, mas é inaceitável tanta incompetência para tratar desse tema, como está sendo feito.

É só, Presidente.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/07/2006 - Página 24467