Discurso durante a 120ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Relato da participação na Reunião Conjunta Parlamentar do Mercosul, na cidade de Córdoba, Argentina. Destaque para alguns pontos da entrevista concedida pela Sra. Viviane Senna, à revista IstoÉ, desta semana, sobre o ensino fundamental e o alto índice de repetência.

Autor
Geraldo Mesquita Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Geraldo Gurgel de Mesquita Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR. EDUCAÇÃO.:
  • Relato da participação na Reunião Conjunta Parlamentar do Mercosul, na cidade de Córdoba, Argentina. Destaque para alguns pontos da entrevista concedida pela Sra. Viviane Senna, à revista IstoÉ, desta semana, sobre o ensino fundamental e o alto índice de repetência.
Publicação
Publicação no DSF de 01/08/2006 - Página 25578
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • PARTICIPAÇÃO, ORADOR, REUNIÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), ANALISE, SUPERIORIDADE, NIVEL, EDUCAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, SOLUÇÃO, CRISE, PAIS.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), LEITURA, TRECHO, ENTREVISTA, PRESIDENTE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), ANALISE, PROBLEMA, EDUCAÇÃO, BRASIL, DESCUMPRIMENTO, OBJETIVO, PREPARAÇÃO, CRIANÇA, PRECARIEDADE, QUALIDADE, ENSINO.

O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (PMDB - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, caro amigo Senador Paulo Paim, e prezados Senadores e Senadoras presentes, em especial nosso querido Senador Ramez Tebet, que nos honra com sua presença no dia de hoje, estive, há poucos dias, em Córdoba, na Argentina, participando da reunião da Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul, e tive oportunidade de conversar com pessoas daquela cidade agradável e bonita, que tem um povo afável. Perguntei a uma senhora, advogada de um órgão que corresponde ao Crea em nosso País, a que se devia o fato de a Argentina, em razoável curto espaço de tempo, ter superado uma crise brutal vivida há quatro ou cinco anos. Ela me respondeu que, entre outros fatores, aquele que ela entendia preponderante era o nível cultural e educacional do povo da Argentina.

Trago esse gancho para dizer que a revista ISTOÉ, em sua edição desta semana, prestou, a meu ver, relevante serviço ao País ao publicar entrevista com a Srª Viviane Senna, Presidente do Instituto Ayrton Senna, em que ela faz um diagnóstico ao mesmo tempo trágico e assustador do ensino público fundamental deste País.

Requeiro, Sr. Presidente, a transcrição dessa entrevista, na íntegra, nos Anais da Casa, mas me vou permitir, rapidamente, destacar alguns de seus pontos que me chamaram muito a atenção.

            O repórter indaga: “A senhora defende a tese de que o grande problema da educação são os altíssimos índices de repetência e o inchaço da rede pública? (...)”. Ela responde, serenamente: “Sem dúvida. Você sabe quantos alunos temos no ensino fundamental? São 34 milhões, ou seja, praticamente uma Espanha só de crianças da primeira à oitava série. Destes, quase dez milhões estão a mais no sistema. (...)”. Ela fala da repetência.

O repórter pergunta: “Quantas vezes eles repetem?” Ela diz: “Em média, duas vezes. As crianças, normalmente, levam dois anos para fazer cada série no Brasil”.

Ela afirma que nós, brasileiros, construímos um País para poucos e cita o saudoso Professor Darcy Ribeiro, quando ele dizia qual seria a grande tarefa da intelectualidade brasileira. Ele cobrava que deveriam ser respondidas apenas duas perguntas: por que o Brasil ainda não deu certo? O que cada um precisa fazer para o Brasil dar certo?

O repórter pergunta: “E por que o Brasil não deu certo?”. A Srª Viviane responde:

Porque a gente construiu um País para poucos. É um País de exceções em matéria de oportunidade. Como a elite latino-americana, tudo o que a elite brasileira faz é para poucos. É um capitalismo para poucos. Essa massa de 97% de crianças, mesmo na escola, é uma massa de excluídos, porque eles não estão aprendendo, ou seja, é uma inclusão pela metade. O aluno sai despreparado para o mercado de trabalho e para a vida.

Senador Ney Suassuna, sei que essa matéria foi lida por muita gente, mas o povo brasileiro não tem sequer acesso a essa revista. Portanto, permito-me, da tribuna do Senado, falar para quem nos está ouvindo e declinar esse diagnóstico trágico que faz a Srª Viviane Senna a respeito da educação pública fundamental do nosso País.

O repórter pergunta, à certa altura: “Mas não é melhor a criança estar na escola...” Ela diz:

            Melhor do que nada. Você não pensaria assim em relação a seu filho. No entanto, com o filho do pobre você pensa assim: é melhor estar na escola do que na rua. Até porque você sabe que, se seu filho não tiver uma escola boa, ele não vai dar certo na vida.

O repórter pergunta: “É uma educação de fachada?” Ela responde:

Sim, porque não cumpre o seu papel sequer em funções básicas, como, por exemplo, domínio do idioma, da escrita, da fala e das operações básicas de matemática. Não tem a qualidade necessária para essas pessoas terem uma oportunidade, ainda que remota, de inclusão. O drama é este: aparentemente se está incluindo, mas na verdade, não está.

O repórter pergunta: “A elite se interessa por essa situação?” Ela responde:

Historicamente, a elite brasileira, como a sul americana, é absolutamente rasa, desconectada do próprio País. É uma herança da maneira como fomos colonizados. Nós fomos colonizados por pessoas que vieram sacar coisas do País. Reproduzimos essa atitude e pensamos em construir um país para nós próprios.

É um quadro preocupante, Senador Almeida Lima.

Continua a entrevista:

Viviane - Dos cinco milhões e meio de crianças que ingressam todos os anos na primeira série no País, apenas cerca de dois milhões concluem a oitava série. Ou seja, perdemos a metade das crianças no trajeto entre a primeira e a oitava série.

ISTOÉ - E desta metade que consegue chegar, quantos passam sem repetir?

Viviane - Apenas 4% fazem as oito séries nos oito anos regulamentares no País, ou seja, sem repetir nenhum. Em números, menos de 100 mil crianças concluem o ensino fundamental na idade correta, isto é, 14 anos.

ISTOÉ - Qual o custo deste estrago?

Viviane - Temos um custo pessoal, o comprometimento da auto-estima da criança, que ela leva para o resto da vida. Há também o custo econômico: R$8 bilhões são gastos em repetência, no País, por ano. O terceiro é social, pois boa parte das crianças que repetem séries sai da escola despreparada e acaba indo para o tráfico, para a prostituição ou, na melhor das hipóteses, o mercado informal. E o último custo é o político: são mais brasileiros despreparados para votar [jogados nesse mundão, nesse mercado, inclusive fora dele].

ISTOÉ - Como a escola justifica este fracasso em massa?

Viviane - Existem vários mitos que naturalizam o fenômeno de repetência e o fracasso maciço das crianças. Alguns deles: “Ela não aprende porque é subnutrida, “a criança é pobre e subestimulada” ou “ela vem de famílias desestruturadas”.

Diz Viviane sobre a experiência desenvolvida no Instituto Ayrton Senna:

A nossa experiência no Instituto prova que estas mesmas crianças aprendem se a escola ensinar de verdade. Além do mais, existe um absurdo lógico em afirmar que a criança, por ser pobre, não aprende. Isso equivale a dizer que primeiro a criança tem que ficar rica para a escola conseguir cumprir o seu papel de ensinar. É um sistema que funciona como um verdadeiro exterminador do futuro de milhões de crianças.

Ela tece considerações acerca de como se comporta o chamado terceiro setor - no qual se inclui -, para dizer como as coisas andam por lá, para dizer que, lá, há qualidade, mas não há quantidade e que, no ensino fundamental público brasileiro, há quantidade, mas não há qualidade.

A frase “é um sistema que funciona como um verdadeiro exterminador do futuro de milhões de crianças”, dita por Viviane, remete-nos para a responsabilidade que temos com esses milhões de crianças. Aqui, cabem todas as reflexões possíveis, principalmente ações no sentido do aperfeiçoamento do ensino fundamental público.

Este dado é assustador: a repetência consome R$8 bilhões por ano! São crianças que, a rigor, deveriam estar passando, de ano em ano, com aproveitamento, mas que levam, em média, segundo a Srª Viviane Senna, dois anos para fazer cada série escolar.

Portanto, requeiro, Sr. Presidente, a transcrição, nos Anais desta Casa, do teor da entrevista dada pela Srª Viviane Senna, por se tratar de um dos diagnósticos mais interessantes que já vi ser feito ultimamente, no que diz respeito ao ensino fundamental neste País. Apesar de trágico, trata-se de algo que deve ser do conhecimento de todos nós, de toda a população brasileira, para que nos conscientizemos, cada vez mais, da necessidade de mudarmos esse quadro.

Aqui, fica o alerta de quem, no terceiro setor, por iniciativa própria, cuida de levar experimentos bem-sucedidos, Senador Ney Suassuna, experimentos que o Poder Público poderia muito bem trazer como experiência. O Poder Público poderia incorporar as práticas levadas a efeito no ensino fundamental público neste País, para que afastássemos, por completo, o fantasma da exclusão de milhões e milhões de crianças, hoje, e, amanhã, de adultos, que, por falta de uma boa formação escolar básica, vêem-se excluídos hoje, amanhã e depois neste País.

Espero que mais e mais pessoas brasileiras tenham a oportunidade de refletir sobre esse diagnóstico feito pela Srª Viviane Senna. É um diagnóstico frio, emocionante e, ao mesmo tempo, trágico, Senador Ney Suassuna.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR GERALDO MESQUITA JÚNIOR EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“Futuro exterminado”, entrevista de Viviane Senna à ISTOÉ.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/08/2006 - Página 25578