Discurso durante a 160ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Gratidão aos mais de 2,5 milhões de eleitores que lhe deram seus votos, abraçando como bandeira a radical mudança no quadro educacional brasileiro. Apelo a seus eleitores no sentido de transformar a campanha eleitoral em um movimento político, social e ideológico em favor da educação.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. ELEIÇÕES. EDUCAÇÃO.:
  • Gratidão aos mais de 2,5 milhões de eleitores que lhe deram seus votos, abraçando como bandeira a radical mudança no quadro educacional brasileiro. Apelo a seus eleitores no sentido de transformar a campanha eleitoral em um movimento político, social e ideológico em favor da educação.
Aparteantes
Paulo Octávio.
Publicação
Publicação no DSF de 03/10/2006 - Página 29992
Assunto
Outros > HOMENAGEM. ELEIÇÕES. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • HOMENAGEM, LEONEL BRIZOLA, EX GOVERNADOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DEFESA, SOBERANIA NACIONAL, AMPLIAÇÃO, ACESSO, EDUCAÇÃO, POPULAÇÃO.
  • AGRADECIMENTO, PRESIDENTE, SECRETARIO GERAL, MEMBROS, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DEMOCRATICO TRABALHISTA (PDT), ELEITOR, APOIO, ORADOR, CANDIDATURA, PRESIDENCIA DA REPUBLICA.
  • COMENTARIO, HISTORIA, DESIGUALDADE SOCIAL, PAIS, PREJUIZO, CRESCIMENTO ECONOMICO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, TRANSFORMAÇÃO, PAIS SUBDESENVOLVIDO, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, PRIMEIRO MUNDO.
  • JUSTIFICAÇÃO, DISPUTA, ORADOR, ELEIÇÕES, CANDIDATO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DEFESA, TRANSFORMAÇÃO, EDUCAÇÃO, PAIS, OBJETIVO, ELIMINAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, REDUÇÃO, ATRASO, BRASIL, MERCADO INTERNACIONAL.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, POSSIBILIDADE, CONSTRUÇÃO, IGUALDADE, ELIMINAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, GARANTIA, OPORTUNIDADE, EMPREGO, POPULAÇÃO, AUMENTO, CONHECIMENTO, CIENCIA E TECNOLOGIA.
  • SOLICITAÇÃO, CIDADÃO, TRANSFORMAÇÃO, CAMPANHA ELEITORAL, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, DEFESA, EDUCAÇÃO, EXIGENCIA, CANDIDATO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, SEGUNDO TURNO, PROMESSA, ELIMINAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, ATRASO, BRASIL, MERCADO INTERNACIONAL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, amigo e Senador Paulo Octávio, vice-Governador do Distrito Federal, fiz questão de me inscrever como primeiro orador nesta volta, depois do período das eleições, para falar ao povo brasileiro, aos meus colegas. Nesses três últimos meses, estive fora desta tribuna. Fiz questão de não vir a esta tribuna, apesar de as sessões continuarem, porque estava em uma grande luta, uma luta que muito me honrou. Honrou-me, em primeiro lugar, porque fui o primeiro candidato do PDT depois de Leonel Brizola. Substituí-lo é algo que honra profundamente qualquer pessoa. A mim especialmente, porque comecei a ouvir falar dele ainda muito jovem, em Pernambuco, durante o período em que ele lutava pela legalidade. Depois, acompanhei-o firmemente na disputa presidencial em 1989. Acompanhei toda a sua vida de luta, como político de duas grandes bandeiras: a soberania nacional e a educação de nosso povo.

            Essa honra pelo privilégio que me foi oferecido pelo meu Partido, o PDT devo especialmente ao meu Presidente, Carlos Luppi; ao Secretário-Geral, Manoel Dias; a cada um dos militantes que discutiram conosco durante meses se deveríamos ou não ter candidato. Depois, se seria meu o nome. Tenho um débito com toda essa gente que apostou em que deveríamos ter um candidato e que me escolheu, cada um desses militantes que tiveram essa participação. Tenho um débito muito grande também com uma figura histórica deste País, o Senador Jefferson Péres, que aceitou ser o vice na minha chapa. Eu disse muitas vezes, e repito, que Jefferson Péres era um vice do qual eu gostaria de ser o vice. Este é que é um bom vice: aquele que nos orgulha se o vice fôssemos nós e ele, o cabeça da chapa.

            Mas tenho gratidão, sobretudo, aos mais de 2,5 milhões de eleitores que ontem saíram de casa para votar no meu nome, no meu número. Essas pessoas não saíram apenas para votar em um nome e em um número. Posso dizer, com orgulho, que essas pessoas saíram para votar em uma causa, em uma causa de que, durante esses meses todos, fui o portador. Poderia ter sido qualquer outro escolhido pelo meu Partido, mas o destino fez com que fosse eu o portador dessa causa, a causa que, podemos dizer, tem duas partes intimamente ligadas.

            A primeira é a idéia de que não há saída para o Brasil a não ser por meio de um processo muito mais radical do que os pequenos ajustes que costumam ser propostos pelos políticos que disputam eleições.

            Defendi, em nome dessa militância do meu Partido e em nome, antecipadamente, desses 2,5 milhões de pessoas, a palavra revolução.

            Defendi a idéia de que o Brasil precisa fazer uma revolução. E outra coisa imbricada como causa, junto a essa revolução, é a idéia de que essa revolução pode ser feita de maneira pacífica, tranqüila, docemente, através da educação.

            Não temos saída para fazer o Brasil dar um salto adiante a não ser que tomemos a decisão, adiada há décadas e décadas - e posso dizer até há séculos - de derrubarmos dois muros que amarram o Brasil. O primeiro é esse muro infame da desigualdade com que já nos acostumamos como se fosse algo normal como esses cheiros ruins com que, de tanto viver ao lado, terminamos nos acostumando. O Brasil é um País que insiste em ter como sua característica fundamental a desigualdade. Desigualdade essa que surgiu no nascimento do Brasil separando aqueles que vieram da Europa dos índios que aqui estavam, numa separação brutal que se manifestava não apenas pelo lado religioso, racial, cultural, mas também, e sobretudo, pelo desprezo e pela maldade com que nossos índios foram tratados.

            A desigualdade surgiu com esse muro que separou durante 400 anos os negros e os brancos, os escravos e os homens e mulheres livres deste País. Foram 400 anos de brutal perversidade de um País construído graças ao repetido seqüestro de africanos trazidos para o Brasil para trabalhar e produzir, a fim de beneficiar uma minoria. As estatísticas dizem que, para cada duas toneladas produzidas no Brasil, um negro africano morria, seja no trajeto até aqui, seja durante o trabalho brutal a que era submetido. Essa desigualdade não parou depois da abolição da escravatura. Embora não com a mesma explicitação do período em que separava brancos e negros, ela continuou separando os excluídos e os incluídos na modernidade. Continuou no País que fez uma República sem esquecer de construí-la, porque a República continuou com uma classe nobre separada de uma plebe. Todos podiam votar para escolher o presidente, mas estavam separados pelo analfabetismo de uns diante dos doutorados de outros; do consumo elevado de uns diante da miséria dos outros. Estavam separados até mesmo pela esperança de vida, para uns muito maior desde o nascimento, pois alguns tinham acesso aos recursos necessários à melhor qualidade de vida e outros, não. O Brasil continua um País dividido, tão brutalmente dividido como o foi durante o período colonial entre europeus e índios, entre brancos e negros. E agora continua dividido entre pobres e ricos, entre incluídos e excluídos.

            Essa desigualdade não vai desaparecer conforme as promessas feitas ao longo de todos estes anos. Prometemos a abolição; prometemos a República; prometemos o crescimento econômico, mas a desigualdade insiste em continuar dividindo o nosso País com um muro separando ricos e pobres.

            Só uma revolução pode derrubar esse muro. Durante anos, prometemos mudança dizendo que essa revolução era o desenvolvimento, era o crescimento. E a renda cresceu, a riqueza aumentou e se concentrou. E, da mesma maneira de antes, continuamos com dois brasis separados, brutalmente separados. Prometemos que a riqueza chegaria a todos; e ela não chega, nem chegará, pelos mecanismos puramente econômicos.

            Da mesma maneira, desde sempre, sonhamos em nos tornar uma Nação desenvolvida nos padrões dos Países ricos. Prometemos o crescimento e dissemos que iríamos chegar lá graças à economia. E não chegamos. Ao contrário, apesar de todo o sucesso do nosso crescimento, da nossa economia, o que nós vemos é um País cada vez mais distante dos Países que se desenvolvem.

            Foram esses dois impedimentos ao futuro brilhante do meu País que me levaram a disputar a eleição presidencial. Foi o sonho de derrubar dois muros: o sonho de derrubar o muro da desigualdade e o sonho de derrubar o muro do atraso, e fazer o Brasil transformar-se em um País desenvolvido de modo que todo o povo brasileiro seja unificado.

            Mas não foi só isso que me fez ir a essa disputa. O que mais me motivou foi o fato de ter uma bandeira alternativa para realizar a derrubada desse muro. O meio de que dispomos para derrubar o muro da desigualdade e o muro do atraso consiste na radical mudança do quadro educacional brasileiro. Algo que parece tão óbvio ainda é considerado subversivo no Brasil de hoje, porque a mentalidade que temos é a de que a economia leva à igualdade, de que o crescimento da riqueza reduz a pobreza e de que um País com alta renda per capita se transforma automaticamente em um País desenvolvido. Essa é uma ilusão que temos.

            O sentimento profundo de que tudo isso é uma ilusão fez-me, um dia, deixar a cadeira de professor e transformar-me em um político e, agora, aceitar o desafio de disputar a Presidência da República.

            Hoje está claro para mim, pelo menos - e isso tentei passar -, que aquela desigualdade que existia antes pelo fato de uns terem capital e outros terem trabalho apenas, aquela desigualdade que existia entre o patrão e o trabalhador não ocorre mais pela propriedade - uns, com capital e outros, com as mãos.

            Hoje quando olhamos a desigualdade, podemos perceber que ela vem da falta de conhecimento de uns e de outros. Aquilo que se chamava de mais-valia, que era a exploração que o capitalista exercia sobre o trabalhador, pagando-lhe um baixo salário hoje não é uma mais-valia por conta de uns serem donos do capital e outros só terem as mãos para trabalhar.

            Hoje o que faz a desigualdade é o fato de uns terem acesso ao conhecimento, e outros não. A quebra da desigualdade não virá pelos salários, mas pela oportunidade igual para todos. É essa que vai fazer com que a renda se distribua, mas essa oportunidade igual não virá a não ser dos bancos das escolas.

            Houve um tempo em que nordestinos como eu tomavam um pau-de-arara, chegavam a São Paulo, encontravam um emprego mesmo que tivessem apenas o curso primário incompleto, e graças a isso poderia até ascender. Isso não vai mais existir. Hoje aquele que chega a qualquer mercado de trabalho sem uma razoável formação pessoal, sem uma base educacional, sem uma qualificação profissional, vai ficar excluído, vai ficar desempregado ou ter empregos com baixíssimos salários.

            Hoje a porta de entrada no mundo moderno é a escola. A porta de entrada não é o emprego em uma fábrica; é a passagem pelo banco da escola que vai proporcionar ao cidadão emprego em algum setor da economia. É a escola que carrega a possibilidade de construir a igualdade, ou pelo menos de quebrar a desigualdade, de garantir oportunidades iguais. Ao mesmo tempo, se a escola garante oportunidades iguais aos indivíduos brasileiros, a educação de todo o povo é que vai permitir criar um conhecimento superior na ciência e na tecnologia, graças ao qual o Brasil será um País desenvolvido.

            Por isso caminhei este País inteiro. Por isso atravessei este País. Por isso carreguei, com uma dificuldade muito grande para mim e para a minha família - minha esposa Gladys está aqui presente -, todas as dificuldades de uma campanha presidencial. Mas fiz isso sem nenhum sofrimento; carreguei tudo como se a minha energia fosse infinita; carreguei como se vivesse uma lua-de-mel com o meu País. Este País que passei 40 anos estudando - e que vou continuar estudando-o, porque ainda não aprendi o suficiente -, mas com o qual o casamento se manifestou de fato na disputa presidencial.

            Penso, meu caro - se me permite chamá-lo assim, sem as excelências todas - Paulo Octávio, que só há duas maneiras de amarmos realmente o País: como soldado numa guerra ou como candidato a presidente da República. Como soldado numa guerra, felizmente, não está diante de nós essa chance. Tive o privilégio de ser candidato a presidente.

            Não tive tempo ainda de ir atrás dos livros de História, embora o tempo todo esse número esteja desafiando a minha cabeça, mas calculo que não deva ter chegado a 70 ou 80 o número de candidatos a presidente nas, se não me engano, 17 eleições presidenciais dos períodos democráticos no Brasil. É um privilégio muito grande.

            E é um privilégio muito grande poder não apenas estudar, mas querer dar resposta; não apenas dar resposta, mas querer vender essa resposta aos brasileiros, sabendo que 125 milhões estavam me ouvindo nas entrevistas, nos programas eleitorais, nos debates com outros candidatos, para saber se havia aí a semente de uma árvore que pudéssemos construir neste País. É um desafio do qual eu gostaria que todos pudessem usufruir.

            Chego ao final sem nenhuma frustração, nem a frustração de ter tido uma votação muito inferior àquela que qualquer candidato deseja, mesmo aquele que não tem ilusões de que poderia ganhar naquele momento. Não tenho uma única frustração. Entendo perfeitamente por que a grande maioria dos eleitores não optou por esse caminho, apesar de minha convicção de que é o caminho certo. É natural porque se trata de uma proposta subversiva; uma proposta subversiva diante de uma mentalidade que põe o caminho da igualdade e do progresso nas mãos da economia. E ninguém pode ter votações grandes se traz propostas subversivas.

            Além disso, acostumamo-nos, nos últimos 20 ou 30 anos, a perder a dimensão da transformação que Juscelino trouxe quando conseguiu passar para este País a palavra industrialização quando éramos uma Nação agrícola, exportadora. Chegou esse candidato e conseguiu seduzir, com a sua subversão, a opinião pública para o projeto de industrialização. Mas ali estava maduro, além de haver uma figura com o carisma de Juscelino.

            A educação ainda não foi suficientemente absorvida por falta de amadurecimento nosso - não me excluo - e também porque, é óbvio, faltou o carisma de um Juscelino ou de outros grandes líderes. Isso não me inibe e nem me constrange. É apenas para usar uma retórica.

            Cumpri o meu papel: trouxe a palavra revolução de volta para o dicionário da política na disputa do dia-a-dia, quando ela estava jogada nos dicionários da História. Mas trouxe algo mais: a idéia de que é possível uma revolução diferente, aquilo que chamei de uma “doce revolução”. Uma revolução que, em vez de fuzis, usa lápis; em vez de trincheiras, usa escola; em vez de guerrilheiros, usa professores; em vez de divulgar preconceitos, ideologias, tenta divulgar conhecimento. É uma doce revolução, sobretudo porque, em vez de classes, de proletariado, de campesinato, põe a categoria “infância” como vetor do progresso.

            Rompemos com a idéia de classes e luta de classes e passamos a ter a disputa e a luta entre quem tem e quem não tem conhecimento. Saímos da categoria de classe como instrumento da revolução e colocamos, como portadores de progresso, aquilo que, óbvio, é o portador de progresso: a infância. Tiramos a idéia de que revolução é algo azedo e colocamos a idéia de que a revolução pode ser algo doce.

            Essa foi, de maneira muito curta, a idéia e o resumo da causa de haver a campanha e a causa da campanha. A causa da campanha é a educação e a revolução por ela. E a causa de haver a campanha é a necessidade de se quebrar o vazio do debate que temos visto ultimamente. O debate entre taxa de emprego e taxa de crescimento e não taxa de escolarização, que é o verdadeiro motor da liberdade; o debate de quantas cadeias a mais serão construídas e não o de quantas cadeias poderemos derrubar daqui a 20 anos; o debate de que o problema do Brasil está na taxa de juros alta e não na baixa taxa de crianças concluindo o ensino médio.

            Essa, Senador Paulo Octávio - que está me pedindo um aparte -, foi a razão que me levou a essa grande, bela, bonita aventura. Aventura no sentido positivo, de algo difícil de ser feito e que me deu um prazer, Presidente Heráclito Fortes, que, confesso, não imaginava diante de tantas dificuldades.

            Antes de concluir, quero passar a palavra ao nosso Vice-Governador eleito, Senador Paulo Octávio.

            O Sr. Paulo Octávio (PFL - DF) - Senador Cristovam, manifesto o meu contentamento em ouvir o seu pronunciamento. Imagino que V.Exª nem teve tempo para descansar dessa campanha tão bonita que fez, percorrendo todo o Brasil. Essa campanha foi anunciada há seis meses, quando, aqui no Senado, em conversa que tivemos, o amigo manifestou a vontade de pregar a educação em nosso País, tema muitas vezes esquecido. Pude observar que, em sua campanha, percorrendo o Brasil de ponta a ponta, com muita competência, soube levar a todos os brasileiros essa mensagem. Pode ter a certeza, Senador, V. Exª que representa tão bem Brasília, de que não pregou no deserto, não pregou em vão. Muitas vezes, a sociedade demora a acordar para temas importantes. Educação é prioridade. Hoje, 50 anos depois que JK pisou em Brasília pela primeira vez, exatamente em 2 de outubro de 1956, é bom ver que Brasília já deu o seu primeiro candidato a Presidente da República. É de Brasília um candidato a Presidente do Brasil e é, pela primeira vez, que temos um brasiliense se candidatando a Presidente do Brasil. Quero cumprimentá-lo, como brasiliense, como seu colega de Senado, e dizer que cumpriu um papel muito importante nessa eleição, um papel que jamais será esquecido pelo povo brasileiro, pelas suas mensagens e, ainda mais, pela mensagem prioritária que, por sinal, vai ser prioridade no Governo que pretendemos implementar em Brasília a partir do ano que vem: educação. Educação tem de ser prioridade em todos os Governos neste País. V. Exª soube levar essa mensagem com muita dignidade e muita competência. Parabéns pela campanha limpa e correta de troca de idéias. V. Exª orgulhou Brasília e o Brasil.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador.

            Sr. Presidente, não tomarei muito mais tempo. Falei até aqui do passado e falarei algumas poucas palavras sobre o futuro. Vou me dirigir, muito especialmente, a esses pouco mais de 2,5 milhões de brasileiros que saíram de casa ontem para votar no 12, na proposta de uma doce revolução pela educação.

            Quero dizer a cada um de vocês que, a partir de hoje, a campanha que fizemos tem de se transformar em um movimento. Fiz questão de ser o primeiro a falar aqui, de estar hoje, cedinho, me inscrevendo, porque não queria deixar passar nem um minuto dessa beleza da campanha para falar da beleza do movimento.

            Eu quero convocar vocês que porque ontem foi uma data definida pelo Tribunal Superior Eleitoral. Aquela fizeram esse voto, ao mesmo tempo em que agradeço a confiança, para não pararmos apenas foi uma data eleitoral. A nossa campanha é política, é muito mais do que eleitoral. A nossa campanha é por algo tão novo que não se esgota no dia de eleição. Chegou a hora de transformarmos a campanha eleitoral em um movimento político, social e ideológico, um movimento radicacionista da educação, um movimento abolicionista da educação, um movimento educacionista, como houve o movimento abolicionista.

            Mas lembrem-se de que, naquela época, o movimento abolicionista contra a escravidão se chocava com pessoas que defendiam a abolição disfarçada, incompleta. Uns defendiam a extinção do tráfico de escravos, mas não queriam abolir a escravidão. Outros defendiam o ventre livre, mas não queriam abolir a escravidão. Outros ainda afirmavam que alguém com mais de 60 anos não deveria ser mais escravo, mas não desejavam a abolição.

            Foi preciso surgir um grupo de loucos que disse: “Não bastam pequenas medidas corretivas de uma maldade; é preciso erradicar a maldade.” Precisamos dar esse salto. Não bastam pequenos gestos educativos; é necessária uma revolução na educação. Não basta aumentar um pouco os recursos para a educação, ou até aumentá-los muito, se não completarmos o projeto educacionista, que vai muito além de dinheiro. Ele exige que haja uma mudança de mentalidade no Brasil inteiro e que façamos educação não como um serviço a mais - como água, esgoto, estrada, energia. Não é só isso. Trata-se da educação como centro, eixo, vetor, motor do progresso, quase fazendo com que aquele lema “Ordem e Progresso” se transforme no lema “Educação é Progresso”. Basta alterar três ou quatro letras, mas muda tudo, se entendermos que educação é progresso, como já entendemos há algum tempo que indústria e exportação eram progresso. Não são. São necessários.

            É preciso exportar e produzir mais, mas o que transforma, o que muda é uma revolução pela educação.

            De certa maneira, peço desculpas por termos tido apenas 2,5 milhões de eleitores. Eu gostaria de ter tido o tempo e a competência - não era possível que a dedicação fosse maior, mas o tempo, sim, poderia ter sido maior - para ter chegado a um número muito maior, mas não chegamos. Peço desculpas a vocês por não ter conseguido que fôssemos mais de 2,5 milhões.

            No entanto, apelo a vocês para que não sejam apenas eleitores, mas que sejam adeptos de uma causa. Não sejam eleitores de um candidato, pois o candidato passa e virá outro. Sejam adeptos de uma causa e exijam dos próximos candidatos - inclusive dos dois que vão disputar agora o segundo turno - que levem adiante a necessidade de derrubarmos os dois muros que amarram o progresso do Brasil: o muro da desigualdade interna e o muro do atraso em relação ao exterior.

            Exijam vocês, os 2,5 milhões de adeptos, que o Brasil não volte mais ao tempo em que a educação era um mero coadjuvante do processo, algo que o governante tem obrigação de fazer e não algo que o País precisa que seja feito.

            Nós, eleitores dessa causa, vamos nos transformar em adeptos dessa causa. Vamos fazer com que cada um de nós, os 2,5 milhões, sejamos portadores de uma bandeira. Vamos transformar cada comitê eleitoral em um ponto de luta pelo educacionismo no Brasil.

            Vamos fazer com que não seja tão importante o nome dos candidatos a Presidente daqui para frente, mas que seja importante, sim, que esses candidatos não se contentem em apenas administrar, mas que queiram transformar o País. Que eles não se contentem apenas em tirar as minas que estão no terreno por onde caminha a história do Brasil. Temos que desarmar essas minas. E o meu programa de Governo dizia como desarmar cada uma delas.

            Todavia, o que basta não é apenas caminhar no terreno da História, mas também construir uma Nação diferente, uma Nação sem desigualdade interna e sem atraso para o exterior. Isso é possível, como eu disse no meu slogan de campanha. Isso não custa muito, porém exige grande mudança cultural em relação à maneira como a política é feita.

            Posso dizer hoje que tentei. Podem dizer que não tive muitos votos. Podem dizer que não tive qualquer outra das razões necessárias para fazer com que essa idéia se transformasse em uma idéia hegemônica no Brasil inteiro. Entretanto, ninguém vai poder dizer que não tentei, que não usei a minha energia permanente, durante esses meses todos, para trazer um discurso novo ao meu País. Um discurso revolucionário na concepção do que é o progresso e de qual é o instrumento do progresso. Um discurso duplamente subversivo. Subversivo do ponto de vista cultural, porque exige mudança de postura da economia para a educação; subversivo porque é mister manejar o orçamento público brasileiro para destinar mais recursos à educação e subversivo porque exige que cada um de nós, professores, assuma o papel importante que temos e, se somos importantes, temos que ser muito, muito, e muito responsáveis com aquilo que fazemos.

            Concluo, Sr. Presidente, agradecendo-lhe todo o tempo que me foi dispensado. Estou falando numa segunda-feira pós-eleitoral e quero que, nesta Casa, fique como minha marca que eu tentei e que, quando fui chamado, não fraquejei, não titubeei. Fiz atos que exigiram de mim grande esforço - e não vou omitir - e coragem, como o de sair de um Partido no qual tinha militado toda a minha vida de político, que, aliás, é uma vida muito curta. Fui eleito pela primeira vez já com 50 anos de idade. Foi uma coragem que excedeu o que eu imaginava ser capaz. Depois, coragem para aceitar o desafio de uma candidatura a presidente, chegando tarde no processo eleitoral, porque o terreno já estava dividido, polarizado entre duas candidaturas e mais uma. E sabia da dificuldade de penetrar num terreno dividido.

            Quando começamos uma campanha no início, junto com os outros candidatos, saímos atrás de eleitores. Mas, quando começamos depois, temos de tomar eleitores dos outros, o que é muito mais difícil. E num Partido que me recebeu com tanto carinho, mas que ainda não é um Partido grande que se espalha pelo País inteiro. Eu sabia das dificuldades de uma bandeira diferente daquelas que hoje dominam o imaginário brasileiro, que é a corrupção, a violência e o desemprego, e eu trazia uma coisa diferente.

            Mas, talvez até por essas dificuldades, posso dizer ao povo brasileiro que tentei e que vou continuar tentando, porque, a partir disso que comecei, não há mais caminho de volta. A minha vida - não tem mais jeito - terá que ser dedicada a essa causa, a essa doce revolução por intermédio da infância, dos brasileiros e brasileiras pequenininhos e pequenininhas.

            Muito obrigado, Sr. Presidente, pela paciência. E, a partir de hoje, já estou de volta, plenamente, a esta Casa.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/10/2006 - Página 29992