Discurso durante a 181ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração ao Dia Mundial da Ciência pela Paz e pelo Desenvolvimento.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Comemoração ao Dia Mundial da Ciência pela Paz e pelo Desenvolvimento.
Publicação
Publicação no DSF de 09/11/2006 - Página 33922
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • AGRADECIMENTO, PRESENÇA, AUTORIDADE, HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, CIENCIAS, DEBATE, IMPORTANCIA, DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, GARANTIA, PAZ, POPULAÇÃO.
  • ANALISE, OCULTAÇÃO, GUERRA, HISTORIA, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, GENOCIDIO, INDIO, ESCRAVATURA, NEGRO, REPRESSÃO, DITADURA, REGIME MILITAR, DESTRUIÇÃO, MEIO AMBIENTE, MATA ATLANTICA, REGIÃO AMAZONICA, SUPERIORIDADE, INJUSTIÇA, DESIGUALDADE SOCIAL, DEFESA, UTILIZAÇÃO, CIENCIA E TECNOLOGIA, BUSCA, PAZ, JUSTIÇA SOCIAL, CONCLAMAÇÃO, COMPROMISSO, CLASSE POLITICA, ATENÇÃO, CIENTISTA, DESENVOLVIMENTO, EDUCAÇÃO.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Flávio Arns, a quem cumprimento pela convocação desta solenidade e a quem agradeço por ter trazido figuras deste tipo, velhos amigos e conhecidos, a quem agradeço muito a presença: o Professor Eduardo Moacyr Krieger, o Professor Ennio Candotti e também, obviamente, o Dr. Vincent Defourny. Cumprimento também o Sr. Jorge Werthein, ex-representante da Unesco no Brasil. Eu gostaria que um dia - e penso que vai acontecer - não precisássemos mais realizar eventos sobre a ciência e a paz, porque eles estarão tão interligados que não precisaremos nos lembrar que temos de uni-los.

Lamentavelmente, hoje é preciso realizar encontros como este, porque, ainda que a ciência tenha um papel fundamental no deslumbramento humano e na qualidade de vida durante a paz, a ciência está mais visível em tempos de guerra do que em tempos de paz. A bomba atômica é muito mais visível que os benefícios que a ciência traz, por exemplo, à área da saúde.

Por isso, Senador Flávio Arns, eu o parabenizo por ter proporcionado este encontro, inspirado nessa entidade que todos nós tanto admiramos que é a Unesco.

Este é um momento para refletirmos sobre a ciência e a guerra, como forma de um dia chegarmos à ciência e à paz. Não apenas a ciência e a guerra do ponto de vista da guerra militar, porque esta sabemos quando acontece. O importante é a guerra que não percebemos que está acontecendo. É o que o Vice-Presidente Al Gore chama, no filme dele, de “a verdade inconveniente”. Toda verdade é inconveniente. Os psicanalistas dizem que tentamos escondê-la, tentamos fazer com que ela durma, e é isso que está acontecendo com as outras guerras.

O Brasil, por exemplo, é visto como um país pacífico do ponto de vista militar. Que país pacífico é este que começou matando índios? O Brasil nasceu em guerra contra os povos indígenas. Que país pacífico é este que, durante quatro séculos, fez guerra contra a África, seqüestrando negros africanos para servirem como escravos no Brasil?

Este é um país de guerra. País de paz do ponto de vista militar, mas é um país de guerra do ponto de vista da morte de sociedades inteiras.

Que país pacífico é este que destrói a natureza, como fazemos todos os dias com a Amazônia? Que país de paz é este em que, hoje, quase nada mais resta da Mata Atlântica?

Nós temos uma guerra ecológica permanente feita pelo Brasil. Nós temos uma guerra econômica feita contra os povos indígenas e contra os povos africanos. Nós temos uma guerra social, que só vemos quando ocorrem seqüestros e assaltos, mas não vemos o que provoca os assaltos e os seqüestros.

Somos um país em guerra ecológica, social, econômica.

Guerra militar, felizmente, tivemos poucas, mas as tivemos. Não falo só da Guerra do Paraguai. Vivemos 21 anos de ditadura. Não foi uma guerra militar contra nós próprios? Foi uma guerra sim. Houve mortos, houve torturados, houve exilados. Fomos um país em permanente guerra.

E a ciência tem sido um instrumento para isso. Se não fossem as motosserras, não conseguiríamos destruir a mata amazônica. Com enxada e machado, não conseguiríamos destruir florestas. A motosserra é produto da tecnologia. Vamos misturar, às vezes, ciência e tecnologia. Ciência até podemos dizer que é pura sempre, até que seja contaminada pela transformação em tecnologia, nas mãos erradas. A guerra econômica ocorre graças ao desenvolvimento da tecnologia produzida pela ciência. Mas precisamos mudar isso.

Como político, peço desculpas a todos os cientistas, porque o que faz a ciência ser da guerra ou da paz é o político, não é o cientista. O cientista produz conhecimento como um padre celebra uma missa, mas alguém transforma aquela missa em algo pecaminoso, por meio não só do desenvolvimento tecnológico, mas do uso dessa tecnologia para fins perversos.

Para isso, temos de abrir as verdades inconvenientes e fazê-las visíveis, conhecidas, para que os políticos comecem a trabalhar. Em geral, nós, políticos, não temos tempo de perceber a verdade, tão envolvidos que estamos em ganhar eleições. São os filósofos e os cientistas que nos esclarecem e, antes deles, os poetas, muitas vezes. É algum estalo de um poeta que, às vezes, faz um cientista, ele próprio até, desenvolver uma teoria nova.

Precisamos trabalhar a ciência pela paz, pelo ponto de vista da guerra militar, mas também pelo ponto de vista das outras guerras que às vezes são mais destrutivas ainda, não só pela dimensão que tomam, mas também pela invisibilidade que elas têm: nós nos esquecemos de procurar a paz quando não vemos a guerra. A guerra militar nós vemos. A guerra ecológica demora. A guerra social toca interesses nossos, e vamos adiando.

            Para mim, o problema é realmente daqueles que decidem como usar a ciência, não é dos cientistas. Entretanto, gostaria de cobrar algo dos cientistas: é que eles ajudem a fazer as armas da paz, da mesma maneira que eles ajudam a fazer as armas da guerra.

            E eu só vejo hoje uma arma capaz realmente de servir à paz, capaz de desarmar: é a ciência que servisse ao pleno desenvolvimento do processo educacional no mundo. A ciência que fosse capaz de fazer com que erradicássemos o analfabetismo de uma maneira mais rápida do que ensinando a ler como ensinamos há 5 mil anos - deve existir uma maneira mais rápida de ensinar a ler. A ciência ensinando métodos novos e equipamentos novos para o ensino desde a primeira infância. E até mesmo a ciência ensinando ciência desde o ensino fundamental, não esperando que só depois de adulto o indivíduo se torne cientista, o que é muito raro. Ser cientista é um pouco como ser pianista: quem não começa desde cedo não vai ser um dos grandes. A ciência na educação. Esse é um desafio que eu gostaria de ver.

            É claro que aos políticos cabe colocar o dinheiro necessário, definir as prioridades, avançar para cumprir metas relacionadas à educação. Mas há um mundo imenso a ser alcançado na teoria do conhecimento e nos equipamentos pedagógicos a serem desenhados. Essa, a meu ver, seria a única forma de nós, de fato, caminharmos para o dia em que não precisaremos mais ter uma tarde para falar de ciência e paz - que seriam sinônimos, seriam a mesma coisa. Nem precisaríamos lembrar.

Até lá, Sr. Presidente, muito obrigado por ter convocado esta sessão e muito obrigado a cada um de vocês por nos ajudar a interromper um pouco o dia-a-dia desta Casa, de assuntos muito menos importantes, a fim de conversarmos um pouco sobre algo que é a esperança que ainda podemos ter de que um dia ciência e paz sejam a mesma coisa. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/11/2006 - Página 33922