Discurso durante a 184ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

As inovações feitas pela Carta de 1998 em vários campos do constitucionalismo brasileiro. Referência ao reconhecimento dos municípios como entes federativos, tratamento só agora concedido aos mesmos.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA URBANA.:
  • As inovações feitas pela Carta de 1998 em vários campos do constitucionalismo brasileiro. Referência ao reconhecimento dos municípios como entes federativos, tratamento só agora concedido aos mesmos.
Publicação
Publicação no DSF de 14/11/2006 - Página 34389
Assunto
Outros > POLITICA URBANA.
Indexação
  • COMENTARIO, GARANTIA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, INTEGRAÇÃO, MUNICIPIOS, FEDERAÇÃO, AUTONOMIA, ELEIÇÕES, PREFEITO, VEREADOR, AUMENTO, FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICIPIOS (FPM).
  • ANALISE, HISTORIA, ORIGEM, CIDADE, REGISTRO, PROCESSO, URBANIZAÇÃO, BRASIL, VELOCIDADE, CONCENTRAÇÃO, POPULAÇÃO, REGIÃO METROPOLITANA, NECESSIDADE, CIDADÃO, ATIVIDADE ECONOMICA, ATIVIDADE CULTURAL, COMENTARIO, MIGRAÇÃO, POPULAÇÃO RURAL, MUNICIPIOS, AUSENCIA, ADAPTAÇÃO, SERVIÇO PUBLICO, DEMANDA, MIGRANTE.
  • REGISTRO, PRESENÇA, ORADOR, FACULDADE, MUNICIPIO, RIBEIRÃO PRETO (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PROFERIMENTO, CONFERENCIA, CURSO SUPERIOR, GERENTE, CIDADE, DESTINAÇÃO, FORMAÇÃO, MÃO DE OBRA ESPECIALIZADA, MELHORIA, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL, CRIAÇÃO, ESPAÇO, DISCUSSÃO, ELABORAÇÃO, ANALISE, PROBLEMA, MUNICIPIOS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, PLANEJAMENTO, MUNICIPIOS, FAVORECIMENTO, CIDADANIA, DESCENTRALIZAÇÃO.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente desta sessão, ilustre Senador Alvaro Dias, representante do Paraná no Senado Federal, Srªs e Srs. Senadores, a Carta de 1988 inovou em vários campos do constitucionalismo brasileiro. Foram muitas as inovações, as quais estão sendo objetos de regulamentação e de análise sob o ponto de vista de sua hermenêutica.

Vou referir-me hoje a um deles, que, a meu ver, está destinado a produzir alterações acentuadas na estrutura federativa do nosso País. Trata-se, Sr. Presidente, Senador Alvaro Dias, do reconhecimento dos Municípios como entes federativos, só agora concedido, embora, desde a Constituição de 1891, o nosso País seja, enquanto forma de governo, uma República Federativa. Enfim, a Federação brasileira, desde a Constituição de 1891, era definida como uma reunião da União e os Estados Federados, incluindo o Distrito Federal e os Territórios.

A Constituição de 1988 foi mais além, como disse, e passou a considerar os Municípios também, ao lado dos Estados, entes federativos. O art. 18 da Constituição Federal, que justamente reconhece os Municípios como entes federativos, dá ensejo, a meu ver, que se reforce a descentralização, sinônimo de cidadania. Nação de grande expressão demográfica e extenso território, outro não haveria de ser o destino do nosso federalismo.

Lewis Mumford observa que, ao longo da história, os povos inicialmente se organizaram em cidades. Como também se sabe, civitas, palavra latina, e polis, de origem grega, na antiguidade clássica, já designavam o que hoje chamamos cidade e ajudam a explicar as nossas raízes na civilização grego-romana. Aliás, a palavra civitas tinha mais o sentido de cidade e civilização, enquanto polis o sentido de instituição republicana, ou seja de res publica, de política. Mas podemos dizer que ambas as expressões explicam a primeira instância política que sempre foi ou é a cidade.

No Brasil, não poderia ser de outra forma, surge com os primeiros municípios: São Vicente teve seus foros de vila reconhecidos já em 1532, em seguida Igarassu (1534) e Olinda (1535), mesma época de Santo André da Borda do Campo e São Paulo; Salvador da Bahia, primeira capital do Brasil, em 1549. O Rio de Janeiro é vila a partir de 1565.

Foi no Município de São Paulo, em torno do Colégio dos Jesuítas de Anchieta, que se projetaram as marchas dos bandeirantes rumo às fronteiras do Brasil por eles firmadas. Nos municípios nordestinos, por outro lado, insurrectos contra a dominação holandesa, se organizou a rebelião libertadora, culminando nas batalhas dos Guararapes. Tal foi a importância desse movimento que hoje o dia 19 de abril, data da primeira batalha dos Guararapes, é considerado o Dia do Exército, porque lá, segundo Gilberto Freyre, se forjou o Exército brasileiro, na medida em que, para expulsar os holandeses, se reuniram negros, brancos e índios, escrevendo com sangue - como disse o autor citado - o nome da pátria.

Foi também nas Câmaras Municipais de São Paulo, em 1641, com Amador Bueno; de São Luís do Maranhão, em 1664, com os irmãos Beckman; e de Olinda, em 1710, com Bernardo Vieira de Melo, que irromperam os primeiros gritos de independência do Brasil.

Sabe-se, como anotou Alcides Grecca, que “a história das lutas pelas liberdades comunais é a história da luta pela liberdade”. Não diferente pensou o mestre Pinto Ferreira, meu professor de Direito Constitucional na vetusta Faculdade de Direito do Recife, ao afirmar: “o município constituiu a grande escola pública da liberdade”, que aponta ao cidadão o caminho num Estado democrático de direito, como, aliás, recomenda a nossa Constituição em vigor.

Hoje, cerca de 85% da população brasileira é gerada nos municípios, em grandes, médias e pequenas cidades, em torno das quais giram, econômica e culturalmente, as atividades essenciais aos cidadãos. Isso corresponde à transformação do Brasil de agrário a urbano, numa economia de agrícola a industrial e de serviços, cada vez mais integrada em escala global.

Gostaria de lembrar que o processo de urbanização no Brasil foi um dos mais céleres da História. Poucos países do mundo conheceram um processo de urbanização com tanta velocidade. Só para dar um exemplo, entre 1940 e 1950, o Brasil era um país essencialmente agrícola, não somente porque muito da sua produção era de bens primários - o Brasil ainda é pouco industrializado -, mas também e porque grande parte da população residia nos campos. Em 1980, quarenta anos depois - isso é fácil de se comprovar compulsando os censos demográficos decenais do IBGE -, de 1940 a 1980 o Brasil sofreu uma grande mutação, porque se em 1940 tínhamos dois terços da população no campo e um terço nas cidades, em 1980, no espaço de duas gerações da dois terços da população já viviam nas cidades e apenas um terço no campo. Isso quer dizer que houve, no Brasil, mais do que um processo, aliás imemorial, no sentido de migração campo-cidade. Houve algo mais acentuado: um deslocamento das populações que se encontravam no campo e nas pequenas cidades para as médias e grandes cidades brasileiras.

A urbanização no Brasil foi também um processo de metropolização, ou seja, migração da população do campo e das pequenas cidades para as médias e grandes cidades, e, talvez, mais do que isso, um processo de megalopolização, que fez brotarem no Brasil cidades com mais de 10 milhões de habitantes, como, por exemplo, a capital do Estado de São Paulo, que abriga perto de 14 milhões de habitantes.

Isso foi um passo muito significativo que ocorreu no Brasil e produziu conseqüências que ainda estão a exigir solução, porque esse processo foi tão rápido que as cidades não estavam habilitadas a receber um tão grande número de novos habitantes.

Volto à análise que estava fazendo há pouco. A Constituição atual, Sr. Presidente, seguindo a linha das anteriores, especialmente a de 1934, uma Constituição de curta vigência, que vigorou por apenas três anos, de 1934 a 1937, e a de 1946, que vigorou durante 18 anos, além da autonomia dos municípios para a eletividade das câmaras e dos prefeitos, amplia a sua força econômica e financeira prevendo, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o aumento dos percentuais do Fundo de Participação dos Municípios, o chamado FPM, que se constitui, sobretudo nos municípios mais pobres - na minha região, Nordeste, verificamos isso de forma muito clara -, como a principal fonte de receita.

Tudo nos leva a pensar, a planejar e a executar medidas voltadas à solução dos agudos problemas, entre muitos, que continuam a desafiar os municípios brasileiros. Não me refiro apenas à questão do uso do solo, da gestão urbana, das suas vocações, da questão ambiental. Muitos desses problemas são compartilhados pelas cidades vizinhas.

A questão, portanto, exige reflexão e correto encaminhamento. São providências que urgem ampliação e aplicação de práticas que venham a aprimorar a gestão municipal. Mesmo porque, como disse há pouco, as cidades brasileiras, sobretudo as de médio e grande porte, conheceram um processo de urbanização que não lhes deu condições de prover adequadamente os seus serviços públicos essenciais.

Houve o que Gilberto Freyre chamou, há cerca de 40 anos, de “inchação demográfica”, isto é, uma migração do campo e de pequenas cidades para capitais e grandes cidades sem condições de absorvê-la.

O fato é que o processo de urbanização prossegue em todo o mundo. O homem é um animal associativo - esta é uma constatação óbvia - e, cada vez mais, sua tendência é migrar para as cidades. Isso levou o reputado historiador Arnold Tonybee, autor do livro Um estudo de história, onde examinou bem a evolução das civilizações, a dizer que, "em todas as regiões do mundo, tanto adiantadas quanto atrasadas, as cidades estão crescendo em um ritmo de escala que já pressagia um futuro em que as cidades ainda separadas ter-se-ão todas reunidas em uma megalópole global”. Penso que, com isso, Tonybee quis assinalar que, na realidade, o mundo tende a virar uma grande cidade ou, para usar a expressão de McLuhan, “uma aldeia global”.

No Brasil, isso é constatado de forma muito clara, como já tive oportunidade de observar, tendo em vista a expansão que ocorre no sentido da concentração da população em grandes cidades. Por exemplo, no eixo São Paulo/Rio de Janeiro, ao que parece, as duas capitais estão convergindo para uma gigantesca megalópole.

Deve-se, obviamente, ressaltar não ser este um problema especificamente brasileiro, insisto, embora, nas últimas décadas, a intensidade do nosso processo de urbanização seja algo mais acentuado, comparado com outros países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Na União Européia, para exemplificar, foram criadas euro-regiões nas fronteiras dos países membros, com cidades ultrapassando-as, ao modo de regiões metropolitanas internacionais. No Brasil, já temos casos semelhantes a deflagrar semelhantes condutas, a meu ver: no Sul, com Santana do Livramento e Rivera, no Uruguai, e Uruguaiana com Paso de los Libres, na Argentina; no Norte, Tabatinga, no Brasil, e Letícia, na Colômbia, entre o Amapá e a Guiana Francesa, sobre o rio Oiapoque. As integrações globais são, portanto, também físicas urbanas, exigindo, cada vez mais, planejamento e participação.

Volto a me referir a Gilberto Freyre, lembrando que o Mestre de Apipucos propunha, pioneiramente, o que ele denominava “rurbano”, como urbanização dos campos e preservação ecológica do meio ambiente nas cidades e arredores. Juntando as palavras rural e urbano, Gilberto Freyre queria considerar que era uma evolução inevitável.

Esta é hoje a missão fundamental dos Municípios e se constitui um desafio para seus administradores e também para seus planejadores. Todas as cidades brasileiras, sobretudo as de médio e grande porte, precisam de uma provisão de humanismo, enquanto as pequenas, médias e grandes devem melhor se organizar enquanto é tempo.

Faço tais observações, Sr. Presidente, para registrar que, na semana passada, a convite da Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP, tive a oportunidade de proferir palestra em Ribeirão Preto, em um curso promovido pela referida instituição intitulado “Gerente de Cidade”, que vem se repetindo há dez anos. Compareci ao primeiro curso, em 1996. “Gerente de Cidade” se destina a formar quadros capazes de melhorar a administração municipal e a criar espaços de formulação e análise das questões pertinentes ao Município. Ao encontro de abertura compareceram o ilustre Governador de São Paulo, Professor Cláudio Lembo, que fez uma excelente exposição; o Dr. Antonio Bias Bueno Guillon, Presidente da FAAP, e o Dr. Victor Mirshawka, Diretor Cultural da entidade. Como palestrante, ressaltei a necessidade de voltar nosso olhar também para a questão municipal, base do edifício institucional do País.

O Curso de Gerente de Cidade insere Ética e Direito num módulo ao lado de Administração Geral e Planejamento. Inclui entre outras disciplinas Ciência Política e Direito do Constitucional ao Administrativo, Tributário, Ambiental e Eleitoral, para melhor entendimento das suas aplicações no Direito Municipal, inclusive a Lei de Responsabilidade Fiscal. Es

tudos também de Metodologia Científica, Contabilidade, Orçamento e Recursos Humanos, dão as bases concretas para melhor compreensão da Criatividade e o Empreendedorismo da Formação Gerencial e Gestão Municipal com Qualidade Total na Administração Pública.

É o Município a primeira instância política. Tem sido assim desde a Antigüidade. Enfim, o Município é a primeira célula de uma organização política, é onde reside naturalmente o cidadão. Falar em Município é falar em cidadania, é falar em descentralização. E federação rima com descentralização. A Federação brasileira exige cada vez mais descentralização.

Sem querer me alongar, Sr. Presidente, destaco que ao curso estiveram presentes gestores municipais, inclusive de algumas capitais, dentre os quais o de Campo Grande, Nelson Trad Filho, e muitos outros. Na ocasião, foram discutidos os mais variados temas, de interesse direta ou indiretamente, às cidades brasileiras e, de modo particular, às cidades que enfrentam maiores desafios.

O Brasil precisa formar, em face da diversidade e da complexidade de seu território, quadros - administrativos e políticos - habilitados ao tratamento desses temas, pois é algo essencial à gestão da vida municipal, onde o cidadão vive e, por conseguinte, deseja exercitar seus direitos e deveres, assegurados pelo Estado Democrático.

Esse desafio, Sr. Presidente, requer dos homens públicos e, de modo especial, de nós, representantes do povo, a inspiração que caracteriza os profetas.

“Cada vez é menos possível”, expressou, em Rebelião das Massas, Ortega y Gasset, “uma política sã sem antecipação histórica, sem profecia”.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/11/2006 - Página 34389