Discurso durante a 197ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a tentativa de postergação do Projeto de Lei do Senado 234, de 2006, de autoria do Senador Marcos Guerra, que trata da escola em tempo integral do ensino fundamental.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Preocupação com a tentativa de postergação do Projeto de Lei do Senado 234, de 2006, de autoria do Senador Marcos Guerra, que trata da escola em tempo integral do ensino fundamental.
Aparteantes
Heloísa Helena, Patrícia Saboya, Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 01/12/2006 - Página 36411
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • DEFESA, PROJETO DE LEI, AUTORIA, MARCOS GUERRA, SENADOR, RELATOR, ORADOR, OBRIGATORIEDADE, HORARIO, TEMPO INTEGRAL, ESCOLA PUBLICA, REGISTRO, DEBATE, ASSUNTO, PLENARIO, SENADO, CONTESTAÇÃO, ALEGAÇÕES, ROMERO JUCA, CONGRESSISTA, NOCIVIDADE, RECLUSÃO, ALUNO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, CRITICA, POSSIBILIDADE, ENCAMINHAMENTO, PROPOSTA, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, TENTATIVA, ADIAMENTO, TRAMITAÇÃO, MATERIA, MOTIVO, AUSENCIA, DOTAÇÃO ORÇAMENTARIA, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, PRAZO, IMPLEMENTAÇÃO, PROJETO.
  • COMENTARIO, VANTAGENS, VIGENCIA, TEMPO INTEGRAL, ESCOLA PUBLICA, DESENVOLVIMENTO, BRASIL, SIMILARIDADE, OCORRENCIA, PAIS SUBDESENVOLVIDO.
  • QUESTIONAMENTO, INEFICACIA, FUNDO DE DESENVOLVIMENTO, EDUCAÇÃO BASICA, BRASIL.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem houve uma fala neste plenário, e hoje, ao tomar conhecimento, ao ler as notas taquigráficas, tomei a decisão de vir falar. Senadora Patrícia Saboya Gomes, ontem, ocorreu aqui um debate sobre o horário em tempo integral nas escolas. Houve um debate sobre a necessidade de se levar o assunto do projeto do Senador Marcos Guerra - de que tive o prazer de ser apenas Relator e que foi aprovado na Comissão de Educação - à Comissão de Assuntos Econômicos.

Considero ótimo que os Senadores estejam se interessando, mesmo em outras Comissões que não a de Educação, em debater o assunto. Pena que tenha demorado tanto a debater esse assunto da obrigatoriedade do horário integral nas escolas brasileiras daqui a cinco anos, como consta do projeto de lei do Senador Marcos Guerra.

O que me preocupa? É que a tentativa de levar isso para a Comissão de Educação visa duas coisas e não fazer que os Senadores debatam mais. A primeira, postergar, adiar aprovação do projeto; a segunda, subordinar o debate aos aspectos financeiros, subordinar o debate a quanto custa, quem vai pagar. Isso é um equívoco se for feito. É claro que temos de ser responsáveis para saber onde estão os recursos. Mas nós criamos a demanda para poder atendê-la. Hoje se tem necessidade e não demanda.

Discuti muito isso quando a Senadora Heloísa Helena trouxe o seu projeto de creche. Eu disse que aquele projeto transformaria uma necessidade em demanda. Uma criança deitada na calçada necessita. Em pé, na sala de aula, por falta de cadeira, ela demanda, a cadeira aparece, a merenda aparece, mais professores aparecem. Temos que transformar necessidade em demanda.

Agora, para mim, uma das frustrações com o Governo Lula é que eu imaginava que este Governo faria a revolução de transformar necessidades em demandas. Essa é a forma de incorporar os excluídos do ponto de vista político.

Preocupo-me em ver esse projeto do Senador Guerra sendo adiado. Mas há algo mais preocupante, Senadora Heloísa Helena. Durante o debate - e eu comuniquei isso a S. Exª agora -, o Senador Romero Jucá chegou a dizer aqui que isso poderia ser o confinamento de crianças na escola; que colocar uma criança por oito horas na escola poderia ser um confinamento. Isso é grave! Sobretudo vindo do Líder do Governo nesta Casa. Como confinamento ter criança na escola? Confinamento é deixar as crianças livres nas ruas. Mas houve uma inversão de valores, pois começamos a definir a liberdade da criança ficar na rua como mais importante do que ficar dentro da escola, chamando a palavra confinamento; e que deixar uma criança muito tempo em educação é algo pernicioso.

Essas pessoas que dizem isso têm seus filhos seis, sete, oito horas, só que, como têm carro, em vez de ficarem dentro da escola - porque aqui as escolas não são de seis, oito horas -, saem de lá, comem nas carreiras, põem no carro, levam para o judô, ginástica, caratê, inglês, francês, natação, balé, e ficam, sim, oito horas. Ficam até estressadas, porque não só estão tendo essas atividades, mas estão tendo de se deslocar, enfurecidamente, de um lugar para o outro, quando o certo é ter na própria escola essas atividades.

Isso é possível, não como uma mágica amanhã, como também não é mágica toda criança ter creche amanhã, possível com a mudança da Constituição que fizemos aqui, graças ao projeto da Senadora Heloísa Helena.

Creio ser muito grave o debate que houve aqui, ontem, entre o Senador Garibaldi, pessoa pela qual tenho o maior carinho e respeito, e o Senador Romero Jucá.

Se é uma tentativa de aprofundar os debates porque querem mais conhecimentos, tudo bem. Mas desconfio que o que está por trás é uma preocupação - até correta - dos Secretários Municipais de Educação por não ter dinheiro. Ora, um Secretário de Educação, se não tem dinheiro para colocar os meninos na escola, tem de gritar e pedir mais dinheiro e não dizer que isso é impossível. Tem de brigar para que esse dinheiro apareça, tem de fazer a demanda, e a gente, lamentavelmente, não está vendo isso.

Nesta semana, participei de um debate, na Rádio Senado, com uma Secretária de Educação, e a posição dela é de que é cedo para fazer isso. Como cedo? Estamos 400 anos atrasados em relação a países como a Finlândia, estamos 100 anos atrasados em relação a países europeus e norte-americanos, 50 anos, em relação a países da própria América Latina, e a gente não vai se apressar para fazer isso?

Se não dá para fazer em cinco anos, como propôs o Senador Guerra, discutamos se serão precisos dez anos, mas coloquemos cinco. Daqui a cinco anos, pedimos desculpas porque não conseguirmos, invés de fazer um projeto modesto e depois fazer uma festa para comemorar que conseguimos uma festa modesta. Estamos comemorando o número crescente de famílias com Bolsa-Família, quando deveríamos estar comemorando a diminuição no número de famílias que precisam do Bolsa-Família. Senadora Patrícia Saboya, comemoramos as coisas com atraso.

Vim aqui manifestar minha preocupação com esse debate. A minha preocupação é levar esse projeto para a Comissão de Educação e, no lugar de aumentar o apoio, a gente leve a diminuir o apoio; no lugar de manter o debate alto do processo educacional, a gente derrube o debate, ficando nos problemas das restrições financeiras.

Quero protestar também especialmente pelo fato de o Senador Romero Jucá ter falado daquela maneira, Senador Paulo Paim, tratando a permanência de crianças na escola, por oito horas, como confinamento, oito horas de aula na escola.

Esta semana, o Presidente da República levou o Presidente do PDT para discutir a possibilidade de um governo de coalizão. Ora, a bandeira do PDT é a educação. A bandeira de Brizola foram os Cieps. Como é que, agora, a gente vai fazer coalizão com o Governo cujo representante nesta Casa, meu conterrâneo, Romero Jucá, levanta a hipótese de confinamento? Como é que fica Brizola, que defendeu os Cieps, num momento desses? Creio que deve haver explicações que não tivemos ainda.

Encontrei o Senador Romero Jucá, muito rapidamente, nos corredores, não deu para dar explicação. Mas é preciso fazer um debate aqui sobre isso, antes mesmo de levar o assunto para a Comissão de Educação, onde eu gostaria de ver o assunto sendo debatido cada vez mais.

Tenho o prazer de ver dois pedidos de aparte de duas figuras exponenciais desta Casa, a Senadora Patrícia Saboya Gomes e a Senadora Heloísa Helena. Passo a palavra à Senadora Patrícia Saboya Gomes.

A Srª Patrícia Saboya Gomes (Bloco/PSB - CE) - Obrigada, Senador Cristovam Buarque. Ouvi, atentamente, o pronunciamento de V. Exª e confesso que não sabia que o projeto da escola em tempo integral era do Senador Sérgio Guerra, inclusive tinha sido...

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Não, Marcos Guerra, suplente do Senador Gerson Camata.

A Srª Patrícia Saboya Gomes (Bloco/PSB - CE) - Pois não. Quero aqui dizer do meu apoio integral. Inclusive conversava, um dia desses, com o Presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, Dr. Dioclécio Campos, que, na verdade, é o autor do projeto da licença maternidade de quatro para seis meses, ao lado da OAB, Ordem dos Advogados do Brasil. 

            Ele conversava muito comigo sobre a importância de iniciarmos, no Senado, um processo de debate, discussão ou, quem sabe, apresentação de um projeto que trate da escola em tempo integral, ao qual sou completamente favorável até pela experiência que tive com meus filhos quando passamos seis meses nos Estados Unidos. Lá, eles estudaram numa escola pública. Saíam cedo de casa e voltavam às 15 horas ou às 16 horas, ou seja, passavam praticamente o dia inteiro na escola. O ônibus escolar pegava as crianças na porta da escola. A única coisa que me pediram foi um comprovante da minha residência, para que a escola dos meus filhos fosse perto da casa em que eu morava. Nunca gastei absolutamente nada com material escolar. A cidade em que eu morava, perto de Boston, era referência na área de educação e saúde, era sempre o primeiro lugar em segurança. É claro que não é essa a situação de todas as escolas dos Estados Unidos. Sabemos também que algumas escolas são de péssima qualidade. Mas ali me foi provado claramente a necessidade de, no Brasil, darmos também oportunidade para que nossos filhos tenham espaço na escola o dia inteiro. É impressionante! Cada vez que V. Exª fala, lembro-me da realidade dura e sofrida do meu Estado e da capital do meu Estado, Fortaleza, e vejo quantas e quantas crianças saem da escola e não têm lugar algum para ir, não têm absolutamente nenhum outro tipo de opção e acabam enveredando por um caminho que, às vezes, não tem retorno.

É o caminho das drogas, do tráfico de armas, da exploração sexual de crianças e adolescentes. Não têm acesso. Às vezes, como V. Exª, também não entendo por que no Brasil fazemos as coisas ao contrário. Já está provado que se investirmos nas crianças, desde o ventre de suas mães, vamos ter uma sociedade muito mais justa, uma sociedade em que todos terão oportunidades iguais. Já falei desta tribuna muitas e muitas vezes e dei exemplos da minha casa, dos meus filhos. Hoje qualquer pessoa que tem um pouquinho de dinheiro quer juntá-lo para matricular seu filho em uma boa escola, para que tenha acesso à informática, acesso à uma língua estrangeira - que, sabemos, é importante -, para que tenha acesso à cultura, à arte, ao lazer, ao esporte. Se temos possibilidades, acabamos juntando dinheiro para mandar o filho estudar fora para que adquira, também, habilidade em mais uma língua, para que saiba mais uma língua, para que tenha outra experiência. Fico pensando o que sobra para os filhos dos pobres de nosso País. Não existe absolutamente nada a ser oferecido a eles. Muitas vezes a rua acaba sendo o lugar mais confortável para essas crianças, melhor do que em casa, porque, na hora da fome, vem outra criança e lhe oferece um pouco de cola para que possa cheirar e abrandar a fome. Aquele documentário que nos indignou é a pura realidade de nosso País. Nós não sabemos ainda como lidar com o problema. A sociedade, muitas vezes, na sede de viver em um espaço onde não haja tanta violência, tanta insegurança, grita para pregar que a melhor coisa a ser feita no País é reduzir a idade penal para, mais uma vez, castigar os nossos filhos que já não tiveram chances e oportunidades. Desse modo, o presente que daríamos aos jovens seria colocá-los mais cedo na cadeia, para que eles lá se aperfeiçoem no crime, para que eles não tenham direito ou oportunidade, como se os nossos filhos não fossem vítimas. Eles são muito mais vítimas que qualquer outra coisa! Então, quero trazer a minha palavra de solidariedade ao pronunciamento de V. Exª. Eu acho que essa é uma saída. V. Exª fez uma campanha brilhante, que muito serviu a este País, para mostrar o valor e a importância da educação. Sem ela, não é possível que este País se desenvolva; sem ela, vamos criar uma sociedade cada vez mais dividida, sem possibilidade de que os nossos filhos cresçam com dignidades e sejam felizes. Eles nos pedem tão pouco: apenas o direito de ser feliz. Portanto, mais uma vez, conte V. Exª com a minha vontade de ajudá-lo, na Comissão, ou no plenário, ou onde for possível, porque também sou favorável à educação integral. Não somos irresponsáveis e não queremos, de forma alguma, apenas dizer que façam, sem dizer de onde virão o dinheiro. V. Exª tem toda a razão, assim como a Senadora Heloísa: criou-se uma demanda. Não temos, como diz a Senadora Heloísa Helena, nenhum tipo de autoridade para falar pelas mães que vivem na periferia, que não têm escola para seus filhos, e dizermos que se pode adiar um pouco mais. Então, parabéns a V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado.

Eu só quero completar e dizer o seguinte: muitos afirmam que nos Estados Unidos há horário integral, porque são ricos; mas é o contrário, eles são ricos porque têm escola em horário integral. Não é a educação que vem depois da riqueza; é a riqueza que vem depois da educação.

Digo isso de um modo geral, porque um indivíduo pode tornar-se rico porque pode tirar na loteria, pode ter um bom potencial alternativo como um bom jogador de futebol, como um bom artista, como um bem-sucedido homem de negócio, mas, nesse caso, a riqueza é individual. São exceções. No caso da coletividade, da Nação, ou educa, ou não progride. Tenho dito que em vez de Ordem e Progresso, nossa Bandeira deveria ter: Educação é Progresso. Se os republicanos, àquela época, tivessem colocado isso, talvez tivesse entrado em nossas cabeças.

Agradeço o seu aparte, Senadora Patrícia Saboya e concedo o aparte a Senadora Heloísa Helena.

A Sra. Heloísa Helena (P-SOL - AL) - Senador Cristovam Buarque, de fato, desejo, brevemente, ajudar no debate do tema que muito bem traz V. Exª à Casa, junto com a Senadora Patrícia Saboya, que tem sido uma militante incansável da causa da criança, do adolescente, dos jovens. Certamente, com todo o respeito a todos os outros Senadores e Deputados, S. Exª é a pessoa que mais se dedicou à causa da criança e do adolescente. Senador Cristovam Buarque, durante a campanha, fiz reunião com algumas mães que estavam vivenciando experiência de escola integral em algumas escolas em São Paulo - claro que a generalização perversa é farsante e cruel. A preocupação delas devia ao fato de os meninos serem obrigados a ficar na escola à tarde e não terem nada para fazer. Como não tinha um professor, um monitor para acompanhá-los na prática de um esporte,ou para dar-lhes um livro, os meninos acabavam sendo ou violentados, ou espancados por outros meninos, mas com certeza essas experiências jamais poderiam ser utilizadas para dizer que o problema está na escola integral. Pelo contrário, como bem disse V. Exª, a solução está na escola integral. É o contrário! Qualquer pessoa de bom senso quando defende escola integral não está, jamais, defendendo que a criança fique lá sem ter o que fazer o dia todo.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Exatamente.

A Srª Heloísa Helena (P-SOL - AL) - Nada, não tem nada a ver. A não existência da escola é que condena a criança a ir para a marginalidade, a passar o dia fazendo o que não deve, a virar adulto sem ser criança. O problema das crianças pobres do Brasil... Eu sei que o mundo das drogas acomete todas as classes sociais, aniquila jovens, adolescentes e crianças de todas as classes sociais, mas para os filhos dos pobres é uma condenação, é quase que um destino, é um carimbo. Eles só têm isso para vivenciar. Então, é o contrário. Do mesmo jeito, tive duas experiências que para mim foram muito especiais durantes o processo eleitoral. Fui a duas favelas consideradas violentas no Estado do Rio de Janeiro. Tive uma reunião com a Associação dos Policiais que tinham sido vítimas de violência - muitos ficaram paraplégicos, tetraplégicos, portanto, tinham sido vítimas da violência do crime organizado. Nas duas reuniões, em lugares tão distintos, com pessoas tão diferentes, Senador Cristovam Buarque, as mães das crianças, crianças envolvidas com drogas ou crianças que não estavam envolvidas e que morreram em chacinas, diziam: “Heloísa, se ali tivesse uma escola que tivesse campo de futebol”,...

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT-DF) - É claro!

A Srª Heloísa Helena (P-SOL - AL) - ... “ou esporte, ou música, os meus meninos não iam para o crime. Eu tenho que lavar roupa não sei onde, eu tenho que trabalhar não sei onde, senão como é que eu vou botar comida dentro de casa?” Muitas delas eram mulheres só, abandonadas. As crianças se tornam adultos da barbárie antes de serem crianças. Na Associação dos Policiais, Senador Cristovam Buarque, quando eu esperava que todo o debate da pauta de reivindicações estivesse vinculado às condições objetivas de trabalho, que é uma pauta importante, porque a dor da mãe de um policial que perde um filho é a mesma dor da mãe da criança que perde um filho por causa de uma chacina policial. A dor da mãe, eu sei que é a mesma. Sabe o que eles diziam? “Olhe, Heloísa, se não tiver educação, esporte, não tem policia que consiga”... Eles, que eram vítimas diretas do crime organizado, diziam isso. Um deles levou um tiro de uma criança de periferia e ficou tetraplégico. Isso não é uma coisa qualquer! Os meninos que brincavam com os meus filhos na infância... Eu morava numa rua meio central de Maceió, a Rua da Harmonia, perto de uma favela chamada Bolão. Os meninos brincavam lá em casa com os meus filhos. Eram meninos iguaizinhos aos meus filhos. Passei oito anos aqui e a cada ano que vou lá, em época de Natal e Ano Novo, fico sabendo que sumiu um. Cadê fulano? Levou uma facada; morreu. E o outro? Deu um tiro no primo. Isso não é uma coisa qualquer. Ocorre em todos os Estados brasileiros.

Infelizmente, o debate sobre a violência no Brasil, pela maldita demagogia entre o PT e o PSDB, ficou o tempo todo centrado no Estado de São Paulo, sem entender o problema da violência que está em todos os Estados brasileiros. Nas cidades do interior, meninos que foram meus amigos de infância foram presos por causa de droga. Não é uma coisa qualquer. Então, em vez de vincular esse tema ao tema da educação, do esporte, do livro, do balé, da cultura, imaginem que coisa maravilhosa a criança poder escolher. Se ela escolher ser lavadora de pratos, que seja uma escolha e não uma condenação e que ela possa escolher ser outra coisa: pianista, bailarina, esportista, o que quer que seja. Agora, se não existe escola... E tem que ser a escola em tempo integral, como disse V. Exª, tem que ser nesse outro horário, e aí a criança faz dois dias de esporte, dois dias de cultura. Não é obrigar todas as crianças a fazerem as mesmas atividades. Posso ter aptidão para uma coisa, Patrícia, para outra, nós duas para a mesma coisa ou não. Então, não é possível que a escola não seja capaz, o Estado não seja capaz de adotar as suas meninas e meninos antes que o narcotráfico, o crime organizado, a prostituição o façam. Como disse a Senadora Patrícia - V. Exª sabe disso -, muitas crianças que encontramos nas ruas ou que estão usando drogas ou brigando, esfaqueando uma à outra, quando vamos levar essa meninada para casa, eles não querem, porque vêem em casa o pai alcoolizado, no meio da lama, desempregado, a mãe que já está com outra pessoa. Então, tem que ter a escola. Aí, dizem assim: não! Mas não muda o modelo. Digo: eu sei, ajuda a mudar as pessoas, não apodrece mais o mundo, meu filho!

            Se não muda, não apodrece mais, não aumenta a injustiça, não aniquila mais infâncias e juventudes por este País. Portanto, quero dar meus parabéns a V. Exª pelo seu pronunciamento, pelo alerta que V. Exª faz à Casa. Espero que todas as declarações tenham sido motivadas ou por experiências que não deram certo ou pela ausência de conhecimento no assunto. Se qualquer um de nós parar para pensar alguns minutos, sabe que, se não tivermos escola integral, é impossível salvar as nossas crianças e adolescentes. Portanto, parabéns a V. Exª. Desculpe por me ter alongado no aparte, pois, com certeza, V. Exª já estava completado pelo aparte da Senadora Patrícia. Mas eu não poderia deixar de me congratular com V. Exª pelo seu pronunciamento e de dar um pouco de contribuição a este debate.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado, Senadora.

Quero complementar e concluir, Sr. Presidente, dizendo que o que temos de nos perguntar é: por que não fazemos se estão todos de acordo? Todos, hoje, estão de acordo neste País que o Brasil não pode continuar com a vergonha de sua escola e que é essa escola que está levando o Brasil a ficar preso nestes dois muros que nos amarram: o muro da desigualdade e o muro do atraso.

Por que não fazemos? Não fazemos porque o povo é que está precisando e, quando o povo está precisando, não nos lembramos dele. Essa é a verdade. Se fosse um problema que tocasse diretamente os interesses das nossas elites, resolveríamos.

Nesta semana, eu estava no aeroporto, Senador Paulo Paim, e a imprensa veio me filmar por causa do caos nos aeroportos. Eu disse: realmente, estou muito incomodado de estar três horas esperando. Agora, eu queria que vocês levassem a televisão também para ver as filas nas portas das boas escolas deste País. Não estou dizendo com isso que devemos tolerar o caos nos aeroportos, mas ninguém se lembra das filas de desempregados, das filas para uma boa escola, das filas dos hospitais, que é mais urgente ainda do que pegar um avião. Agora, televisões estão mostrando as filas nos aeroportos, porque é um problema que toca a nossa elite e a escola ruim está tocando as grandes massas.

É possível e não custa muito. Não é automático, não será feito rapidamente, mas pode-se fazer num prazo razoável. Cinco anos não é um prazo absurdo de se colocar, embora na minha campanha eu falasse dez a quinze anos. Quando o Senador Marcos Guerra colocou cinco anos, não seria eu quem iria cortar as asas dos sonhos dele como Relator. Que sejam cinco anos! Vamos tentar, isso é possível. Não é automático, mas é possível. Não deixemos que o Senado amarre.

Há outra razão, Senadora Patrícia, pela qual todo mundo quer e ninguém faz: é porque estamos acostumados a nos enganar. Quer ver qual o engano agora da moda? É o Fundeb. Claro que sou favorável ao Fundeb, mas não me diga que vai resolver problema nenhum da educação. Vai dar uma ajudazinha. É pior sem o Fundeb. O Fundef, que cuidava do ensino fundamental, tem dez anos. Não houve mudança na qualidade. Agora, teria sido pior ainda sem o Fundef. Mas, contentamo-nos apenas em dar uma pequena melhorada ou fazemos a transformação e damos o salto que é preciso? Queremos dar o salto. Sabe quanto o Fundeb vai dar por criança, Senador Paim? Vai dar R$50,00 por criança por ano, gente! Trinta centavos por dia! E diz-se que vamos fazer uma revolução educacional! Mentira! Mas vamos aprovar o Fundeb porque ficar contra ele é pior. Mas não é isso que vai dar o salto.

Segundo, a escola em horário integral não é só uma necessidade para as crianças, é para o professor. Nós não estamos percebendo que a maior tragédia hoje da nossa escola - e concluo, Sr. Presidente - não é o salário baixo do professor. A atmosfera da escola é que é uma tragédia. A escola não atrai, Senador Edison Lobão. Muitos professores, hoje, sentem-se com raiva quando vão à escola, não só porque o salário é baixo, mas porque o clima não está bom. Numa escola onde, além das quatro horas de aula, houver cinema, esporte - ginástica, natação etc. -, a auto-estima do professor vai melhorar. A baixa auto-estima do professor talvez hoje seja a maior tragédia da sociedade brasileira.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Cristovam Buarque, se me permitir trinta segundos...

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Se o Presidente me permitir, darei um aparte a V. Exª, Senador Paulo Paim.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Cristovam, primeiro, quero cumprimentar V . Exª pelo pronunciamento e dizer da importância do ensino em tempo integral. Quero dar este depoimento: na Comissão de Educação, não houve as ditas audiências públicas porque era consenso.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - É consenso.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Como era consenso de todos os Senadores e entidades que foram lá pedir que aprovássemos aquele projeto, não havia motivo para criar uma polêmica onde não havia polêmica. Quero dar este depoimento, deixando bem clara a posição da Comissão de Educação, e dizer do mérito do projeto que V. Exª muito bem defende neste momento da tribuna. Só não houve as ditas audiências públicas porque todos - entidades, a população em geral, os Senadores, os Deputados - eram a favor do projeto. Eu tinha o entendimento de que ele já estava indo para a Câmara dos Deputados.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador Paim, tenho certeza de que, se ainda houvesse escravidão, haveria audiência pública para ver se deveríamos ou não acabar com ela. Pelo impacto econômico que tinha o fim da escravidão na nossa sociedade, haveria gente querendo barrar o projeto, e sabemos que haveria muita gente dizendo: “claro que tem que acabar com a escravidão, mas não pode ser depressa, porque vai desarticular a produção do café, vai desarticular a produção do açúcar”. Não dá mais para adiar o começo. E não dá para dizer que vai ser como mágica, que vai levar tempo, mas é preciso começar já. Cinco anos, como colocou o Senador Marcos Guerra, é um prazo que dá para nós tentarmos; se não conseguirmos, pediremos desculpas ao Brasil por isso.

Espero que esse debate venha para cá, sim, mas não para discutirmos se fazemos ou não, mas para saber como se faz o mais rápido possível.

O SR. PRESIDENTE (João Batista Motta. PSDB - ES) - Senador Cristovam Buarque, V. Exª ficou indignado com a contestação do Líder do Governo contra o projeto.

Estudei numa Escola Técnica Federal onde eu entrava às 6 horas e saia às 20 horas. Eram 14 horas dentro da escola. E desafio se essa Escola Técnica Federal produziu algum bandido em toda a sua história. É a salvação do País! O Presidente Sarney construiu 200 escolas técnicas no País.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço a sua lembrança, Senador João Batista Motta. Se formos olhar quantos passaram por essas escolas, veremos a diferença que faz.

A Embraer hoje tem um escola desse tipo lá em São Paulo. O Brizola começou essas escolas, mas pararam. Se mantivermos durante dez, quinze anos escolas desse tipo no País, com a qualidade de que o futuro precisa, este Brasil será outro no desemprego, na violência, na corrupção. Isso vai ser resolvido, não automaticamente, volto a dizer, mas vai ser resolvido sim, porque cria a base de que o País precisa.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/12/2006 - Página 36411