Discurso durante a 203ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários a respeito da marcha do Brasil por uma coalizão, tema que vem sendo amplamente abordado pela mídia.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • Comentários a respeito da marcha do Brasil por uma coalizão, tema que vem sendo amplamente abordado pela mídia.
Aparteantes
Antonio Carlos Magalhães.
Publicação
Publicação no DSF de 12/12/2006 - Página 38196
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, TENTATIVA, GOVERNO FEDERAL, REALIZAÇÃO, COLIGAÇÃO, PARTIDO POLITICO, OPOSIÇÃO, JUSTIFICAÇÃO, POSSIBILIDADE, UNIÃO, POLITICA PARTIDARIA.
  • CRITICA, PROPOSTA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, FALTA, MOTIVO, REALIZAÇÃO, COLIGAÇÃO, POLITICA PARTIDARIA, INEXISTENCIA, PROGRAMA, COMBATE, PROBLEMAS BRASILEIROS, CORRUPÇÃO, CRIAÇÃO, EMPREGO, MELHORIA, EDUCAÇÃO.
  • REPUDIO, COLIGAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PARTIDO POLITICO, OPOSIÇÃO, FALTA, PLANEJAMENTO, CRESCIMENTO ECONOMICO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, CONSTRUÇÃO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, CRIAÇÃO, EMPREGO, RENDA, TRANSFORMAÇÃO, BOLSA FAMILIA.
  • REGISTRO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO SOCIAL, SITUAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, IMPOSSIBILIDADE, REALIZAÇÃO, COLIGAÇÃO PARTIDARIA, FAVORECIMENTO, PARTIDO POLITICO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, UNIÃO, PARTIDO POLITICO, BRASIL, AUXILIO, GOVERNO FEDERAL, SOLUÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS, EXTINÇÃO, CORRUPÇÃO, TRANSFORMAÇÃO, EDUCAÇÃO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO, PRESERVAÇÃO, ESTRUTURAÇÃO, DEMOCRACIA.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos últimos dias, a imprensa tem falado muito da marcha do Brasil por uma coalizão para governar o País em torno ao Presidente Lula.

Há dois momentos, Sr. Presidente, em que se justifica a coalizão: primeiro, quando as coisas estão tão bem no país, tão bem que não precisa de oposição. Há países, por incrível que nos pareça, que vivem essa situação, Senador Antonio Carlos. Se as coisas estão tão bem, para que ter oposição? O governo é de todos. E renovam apenas quem está na cabeça.

Será que é essa a realidade que vemos no Brasil hoje? Claro que não! O próprio Senador Antonio Carlos deu aqui alguns indicadores da Educação que me chamaram muito a atenção no fim de semana, assustaram-me mais do que me chamaram a atenção, porque sabemos em que vai dar um País cujos indicadores não só são esses, como estão piorando.

O Brasil está muito ruim. O Senador Antonio Carlos lembrou que a Presidenta do Supremo Tribunal Federal foi assaltada no caminho. Já pensaram que vergonha para nós, parlamentares, toda vez que formos ao Rio, pedirmos a proteção da Polícia Federal, que não é dada aos outros cidadãos?

Isso é apenas um dos exemplos. Os jornais mostram que o Brasil não justifica uma coalizão pelo motivo de que as coisas vão bem.

Tem outra razão que justifica: é quando as coisas estão tão mal que é necessário e possível um projeto de salvação nacional, e aí todos se juntam. Acontece nos momentos de guerra, por exemplo; acontece em momentos em que a situação está ruim e que há um projeto.

Aí eu entendo que não se justifica nenhuma coalizão no Brasil agora. Que coalizão? Em torno a que pontos? Isso não é coalizão, é conchavo! A diferença entre coalizão e conchavo é que, neste, não há causa a ser defendida. Há arranjos, acordos, conciliação com base em interesses específicos e imediatos.

Na coalizão, ocorre uma lista de pontos em torno dos quais o país inteiro se une para salvar a nação. O Presidente apresentou uma lista, a que tive acesso, dos pontos que levariam à coalizão. Não há nada de concreto! São as generalidades de sempre que esta Casa está pronta para fazer mesmo sem ser do Governo, como reforma tributária, reforma política, como a vontade de voltar a crescer.

Não há nada que diga: “Vamos nos unir em busca dos seguintes pontos”. Por exemplo, não está escrito ali um programa de combate à corrupção como o Senador Alvaro Dias acaba de cobrar aqui ao falar. Tenho certeza de que S. Exª seria capaz de entrar nessa coalizão, se viesse de fato um programa para erradicar a corrupção. E quantos que estão dentro dessa coalizão não pulariam fora na hora em que soubessem que um dos compromissos é acabar com a corrupção, Senador Heráclito Fortes? Quantos pulariam fora e quantos de nós poderíamos entrar nela? Mas não se fala nisso.

A proposta que o Presidente apresentou não fala no combate à corrupção. Provavelmente, porque ele sabe que alguns que estão ao seu lado não ficariam na coalizão.

Não há, por exemplo, um programa de geração de emprego na proposta dele. Como, no momento em que o País vive a tragédia do desemprego atual, propõe-se uma coalizão que elimine a oposição, sem ter um programa de geração de emprego?

Existe aquela referência de que, baixando a taxa de juros, vamos conseguir retomar o crescimento, que gerará emprego. Nem a taxa de juros leva necessariamente ao crescimento, nem o crescimento gera a criação de empregos.

A indústria automobilística cresceu 11% este ano, e reduziu o número de empregos nela. Hoje, emprego é uma coisa, e crescimento é outra, porque, no meio das duas, há o chamado modelo tecnológico, que é desempregador. E não vamos cobrar dos empresários criarem emprego que não dê lucro; tem que ser diferente.

O Programa Bolsa-Família pode ser transformado num bom programa de geração de empregos; a recuperação do rio São Francisco pode gerar emprego; a construção de escolas pode gerar emprego; a recuperação de estradas pode gerar emprego.

Cadê um programa de geração de emprego que o Presidente ponha na mesa, dizendo: “Quero o apoio de vocês para isso.”? Não tem.

            Por que ele não traz um programa de coalizão em torno da proteção da natureza, que está se queimando, se desgastando? O Governo mesmo fez aprovar aqui um projeto de alto risco da ocupação de terras na Amazônia. Por que não fazemos um programa?

Está aí a juventude perplexa, sem projetos, sem sonhos, sem esperança. Cadê um programa de coalizão para trazer a esperança?

Então, quero dizer da razão fundamental que vejo para que não haja essa coalizão ou para que, pelo menos, nem todos os partidos façam parte dela: é que o Brasil de hoje é um país órfão de esperança. Temos milhões de filhos da desesperança, e eles precisam de um discurso alternativo. Eles precisam ouvir de algum partido a voz que está dentro da garganta do Brasil para dizer: “Acreditem, este País tem futuro”.

            A coalizão vai amordaçar os Partidos que poderiam trazer essa proposta alternativa. Se meu Partido entrar nessa coalizão, será que eu vou poder continuar fazendo esse discurso daqui a algumas semanas ou meses? Quem é que vai trazer a proposta de uma revolução na educação dentro de uma coalizão? Dentro do próprio Governo do Presidente Lula? Ora, nesses quatro anos, ele não fez essa revolução e parou aquilo que começou, em 2003, no seu Governo, como o Programa de Erradicação do Analfabetismo; como o Programa de Federalização da Educação de Base; como o Programa de Integração das Escolas, por meio da escola interativa; como o Programa de Implantação do Horário Integral, por meio da Escola Ideal. Ou seja, um governo que não deu respostas à educação de base.

            Os indicadores estão mostrando que está havendo uma piora na situação. Ou é a coalizão apenas para o Fundeb? Aí é uma coalizão pela manipulação, porque o Fundeb não vai fazer nenhuma revolução na educação do Brasil. Vai trazer uma ajudazinha, é verdade, em algumas cidades; vai trazer uma elevação pequena do salário de professores em algumas cidades. Isso não basta. Nem é um programa nacional para todos, nem é um programa de revolução, de transformação do País no que se refere à educação.

            Por que então fazer coalizão para continuar no mesmo? E, pior de que o mesmo, impedindo que vozes alternativas surjam, que discursos que tragam a esperança possam ser ditos?

Eu vim aqui dizer que o Brasil não vive um momento que exige, que permita, que possibilite a coalizão.

De um lado, não está tudo tão bem que não seja necessária uma oposição; de outro, não está tudo tão ruim - e há projetos para sair desta situação - que justifique uma unidade nacional. Nem estamos em tempo de pontos que tragam unidade, nem estamos em tempo que traga a tranqüilidade necessária para que não haja oposição. Talvez nunca antes o Brasil precisou tanto de uma oposição, uma oposição séria, obviamente, mas uma oposição que traga uma alternativa, uma proposta nova para o meio ambiente, para a eficiência, sobretudo para a educação, para lutar contra a corrupção, para lutar contra a violência. Poderíamos estar fazendo uma coalizão para esses fins.

Nada disso está nos pontos que o Presidente apresentou aos partidos. Mesmo assim, é possível que terminemos formando essa idéia de coalizão, mas sob a forma de um grande conchavo, porque é uma coalizão sem causa.

Não vim aqui tentar impedir que haja isso, porque a situação brasileira é tal que exige que nós nos unamos, que busquemos uma saída econômica; vim aqui, mais do que tudo, para falar na idéia de juntarmos os pontos que poderiam nos unir, mas não esses genéricos, não esses de todos, não esses abstratos, como a reforma política e a reforma tributária. Nada disso. Vamos tratar de pontos concretos. Vamos dizer como fazer para criar os dez milhões de empregos que o Presidente prometeu em 2002 e que agora não voltou mais a prometer. Vamos dizer, sim, como é que vamos fazer a revolução educacional de que o Brasil precisa; quais são as medidas necessárias para que este País não passe a vergonha do analfabetismo de adultos, cujo número não diminui, hoje em torno de 15 milhões, porque a escola primária continua uma torneira por onde são criados adultos analfabetos, e o programa de erradicação não vai na velocidade necessária.

Vamos fazer, sim, um programa claro para erradicar a corrupção deste País. Por que isso não entra na idéia de uma coalizão? Certamente porque muitos que estão nela temeriam transformar a corrupção em crime hediondo, por exemplo; porque é impossível fazer essa coalizão que aí está se não reduzirmos o número de cargos comissionados, como a luta pela ética exige. Está em tempo de o Presidente e de os líderes partidários com os quais ele está conversando se juntarem, mas não para discutir se vão se unir ou não, mas sim para discutir em torno de que seria essa unidade, quais as causas que norteariam um programa que possa dizer “nós, os líderes deste País, vamos nos unir”.

O povo está querendo isso, mas o povo não entenderá se não for um programa claro, nítido, em uma aliança programática. O povo vai entender que, no lugar de lutar contra a corrupção, vamos apresentar um gesto de corrupção; vai entender que, no lugar de lutar por uma revolução na educação, vamos deseducar politicamente ainda mais o povo; vai entender que, no lugar de fazer um programa de proteção do meio ambiente, vamos criar uma base de apoio capaz de justificar qualquer coisa. Temo que, no bojo dessa unidade, possam vir até mesmo reformas constitucionais com medidas longe das idéias com as quais sonhamos, como, por exemplo - sem querer provocar o Senador Ney Suassuna ou qualquer outro -, um terceiro mandato para o Presidente. Pode não partir nem dele, mas da coalizão, porque ninguém dessa coalizão vai querer perder o poder. Como não há outro nesse bloco disputando a Presidência da República, vai ser fácil. Alguém diz que é impossível. Gente, mais difícil foi fazer a primeira reeleição, que rompia toda a tradição republicana do Brasil. Já foi desvirginada a República quando permitimos a primeira reeleição. A outra reeleição é apenas um saltinho a mais.

Temo, sobretudo, que uma coalizão ampla sem um objetivo concreto fira, eu não diria a democracia, mas a forma institucional como a democracia funciona. Falamos em democracia e em ditadura, mas nos esquecemos de que no meio há uma coisa chamada de desrespeito às instituições. Nem é uma ditadura no sentido tradicional, nem é a democracia como desejamos. Inclusive, o Presidente não deixar claro que não vai aceitar um terceiro mandato - ele não disse até hoje, a não ser para um projeto claro, de objetivos bem definidos - fará com que essa aliança seja um conchavo e não uma coalizão.

É tempo, sim, de não implodir coalizão nenhuma, mas, sim, de aceitar discutir - não tem problema -, mas discutir em cima de propostas, o que permitiria atrair, para apoiar o Governo, não para dentro do Governo, até pessoas que o Presidente hoje considera de oposição irrecuperável, que, em torno de boas causas, viriam para o lado dele.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Ao mesmo tempo, isso faria com que muitos que estão do lado dele pulassem fora, porque eles não estão atrás de causas, mas apenas de estarem perto do poder.

Concedo um aparte ao Senador Antonio Carlos Magalhães.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Concordo inteiramente com V. Exª. Mas por que não fazermos essa coalizão de projetos e processos que venham a melhorar o Brasil no Congresso? Por que teremos que atravessar a rua para fazer isso no gabinete do Presidente da República?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Excelente. Quanto a isso, concordo com o senhor e disse, numa conversa com o Senador Renan Calheiros, candidato a Presidente, que temo que a Presidência do Senado, vinculada ao Governo, diminua nossa força. Perguntei a ele por que não definir uma agenda do Congresso para o Brasil.

Quero dizer que assisti ao seu discurso - eu estava na Presidência - e aceitei o seu desafio: vou trazer minhas propostas sobre educação, conforme, num sentido positivo, o senhor me desafiou, e espero que possamos construir juntos. Somos de partidos diferentes, mas, se construirmos uma proposta juntos, estaremos dando um exemplo de unidade pela causa. Assim fizemos quando eu propus a idéia da Bolsa-Escola e o senhor viabilizou aqui os recursos sem os quais a Bolsa-Escola não teria acontecido no tempo de Fernando Henrique Cardoso. Somos de partidos diferentes, mas, quase sem conversarmos, conseguimos isso. Isso é possível. Agradeço a V. Exª por trazer isso. Vamos cobrar do próximo Presidente do Senado, quem quer que seja.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Discutimos com o próprio Presidente Lula em São Paulo.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - É verdade. Eu estava presente à mesa.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Não precisa ser no Palácio. Foi em um hotel, um movimento até do PT ou coisa que o valha.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu me recordo. Estávamos fazendo palestras sobre o futuro do Brasil. Discutimos ali. Por que, então, não se discute em torno de causas? Por que esses acordos sobre quem fica ou não no poder, sobre quem se junta e quem não se junta, em vez de perguntar quem se beneficia e quem não se beneficia na ótica do povo, no interesse do povo?

Vim aqui, não querendo implodir qualquer proposta de aliança ou de coalizão, mas, se é coalizão, que não seja conchavo, e, para ser coalizão, Senador Geraldo Mesquita, é preciso haver propostas claras e do interesse nacional, do interesse coletivo, e não só de um ou outro Partido.

            Sr. Presidente, era o que eu tinha a dizer, agradecendo sua paciência me permitindo ficar na tribuna.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/12/2006 - Página 38196