Discurso durante a 206ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Relato da participação de S.Exa. no Seminário "Novas Fronteiras do Federalismo", realizado em São Paulo. Destaque para a necessidade de se rediscutir o tema da federação no Brasil.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Relato da participação de S.Exa. no Seminário "Novas Fronteiras do Federalismo", realizado em São Paulo. Destaque para a necessidade de se rediscutir o tema da federação no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 15/12/2006 - Página 38870
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, BRASIL, PROBLEMA, INEFICACIA, FUNCIONAMENTO, REPUBLICA, SISTEMA, FEDERAÇÃO, PAIS.
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, SEMINARIO, DEBATE, FUNCIONAMENTO, FEDERAÇÃO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ALEMANHA, AUSTRIA, CANADA, CHINA, AFRICA DO SUL.
  • CRITICA, INCAPACIDADE, BRASIL, IMPLEMENTAÇÃO, MODELO, FEDERAÇÃO, EFICACIA, ADMINISTRAÇÃO, DIVERSIDADE, CULTURA, SOCIEDADE, ECONOMIA.
  • NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, REESTRUTURAÇÃO, FEDERAÇÃO, REALIZAÇÃO, REFORMA POLITICA, REFORMA JUDICIARIA, REFORMA CONSTITUCIONAL, MELHORIA, APROXIMAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, POPULAÇÃO.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Muito obrigado, nobre Senador Mão Santa, que preside esta sessão, Srªs e Srs. Senadores, o tema do federalismo sempre volta a ser discutido no Brasil. Há muitos motivos para isso, a começar pelas características do nosso País, que tem grande expressão demográfica e enorme extensão territorial. Significa dizer que não pode ser governado senão sob forma descentralizada. E descentralização é sinônimo de federação.

Esse é um tema que não sai da agenda de nosso País. Embora tenha sido uma conquista expressa na primeira Carta Republicana, de 1891, até hoje ainda não temos, no Brasil, uma autêntica e verdadeira federação.

O federalismo antecedeu a própria aspiração republicana. Desde os albores do Estado nacional brasileiro que a questão federativa esteve presente em muitos movimentos, como a Revolução Pernambucana, de 1817, e a Confederação do Equador, de 1824, que nada tinham propriamente de separatistas, como explicou corretamente o jurista, jornalista e político Barbosa Lima Sobrinho. Eram confederações abertas, e não fechadas em si mesmas.

Faço tais considerações, Sr. Presidente, porque se realizou há pouco, em São Paulo, um Seminário intitulado “As Novas Fronteiras do Federalismo”, promovido e presidido pelo Governador daquele Estado, Professor Cláudio Lembo, e do qual tive oportunidade de participar, ao lado de figuras expressivas de brasileiros e de convidados estrangeiros.

É importante notar que da Alemanha, Áustria, Canadá, China e África do Sul vieram representantes dos seus principais estados federados. Não se esqueceu de tratar também da experiência de êxito federalista mais antigo, o dos Estados Unidos, e o do mais recente, o da Espanha, com seus estatutos de autonomia recém modificados conforme as reivindicações locais.

Tive a oportunidade e a honra - poderia dizer também - de presidir o primeiro painel do referido seminário, que tratou do tema “O Federalismo nas Américas”. Lembrei, na ocasião, que há cerca de 40 anos o jurista e humanista mexicano, Dr. Mário de la Cuerva, professor e então coordenador do Centro de Humanidades da Universidade Autônoma do México, teve a feliz idéia de convocar constitucionalistas de nosso continente para organizar um conjunto de estudos sobre os problemas jurídicos do federalismo latino-americano.

Coube a seu sucessor, o Dr. Rubén Bonifaz Nuño, levar a cabo a desafiadora tarefa de que resultou a publicação, oito anos mais tarde, em 1972, do volume intitulado Los Sistemas Federales del Continente Americano. A obra contou com a colaboração do Dr. Sílvio Frondizi, em relação à Argentina; do professor Luiz Pinto Ferreira, de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, meu antigo mestre, que também deu notável contribuição ao debate da questão federativa no mundo e, de modo especial, em nosso País; do Dr. Edward McWhinney, referente ao constitucionalismo federal do Canadá; do jurista Alberto Herrarte acerca do constitucionalismo na América Central; do professor Pedro Paulo Camargo, sobre a federação colombiana; do professor J. A. Grant, abordando o sistema federal dos Estados Unidos; do Dr. Jorge Carpizo em palestra relativa ao sistema federal mexicano e do jurista Humberto La Roche sobre o federalismo na Venezuela.

Editado pelo Fondo de Cultura Económica, em co-edição com a Universidade Autônoma no México, o trabalho é ainda hoje a melhor evidência de que o problema da organização política do Estado continua a ser, há mais de um século, um tema permanente na agenda institucional de virtualmente todos os países deste hemisfério.

Em nosso continente, a questão da repartição espacial dos poderes e competências entre os entes federativos nunca deixou de ser objeto de cogitações, debates e propostas que, de forma recorrente, habitam o universo de nossas preocupações.

O Brasil, como todos sabem, é, desde a proclamação da República, em 1889, e, sobretudo, a partir da Constituição de 1891, que definiu suas novas instituições, um Estado federal, bicameral e presidencialista. Em que pese ser a Federação entre nós uma aspiração que antecedeu a própria República, o Brasil ainda não conseguiu realizar o sonho de ter um modelo compatível ao mesmo tempo com a igualdade jurídica e a assimetria econômica, a desigualdade social e a diversidade cultural. A explicação de tal fato, a meu ver, pode ser encontrada na circunstância de ser o nosso País, ao longo de nossa história, especialmente durante a monarquia, um Estado unitário, caracterizado por razoável grau de centralização, diferentemente, portanto, do que ocorreu nos Estados Unidos da América do Norte, cuja Constituição de 1787 nos serviu de paradigma.

Perfilho, a propósito, a opinião de doutrinadores, entre eles o internacionalista da Universidade de Paris, a chamada Sorbonne, Professor Charles Rousseau, já falecido. A sua opinião é que os genuínos estados federais são aqueles que brotam de confederações ou são produtos da reunião de estados nacionais ou colônias que se associam, como foi o caso da Federação norte-americana. Aquelas 13 colônias agregaram-se inicialmente como Estado Confederal e, posteriormente, converteram-se no que hoje conhecemos como os Estados Unidos da América do Norte, um modelo de federação que teve enorme influência na conformação do federalismo americano, sobretudo, central e sul-americano. Et plurimus unum, ou seja, “de muitos, um só” é a consigna da Federação norte-americana.

A propósito, ao assumir a Presidência dos Estados Unidos, em seu discurso de posse, Ronald Reagan assinalou com propriedade: “Todos nós devemos recordar que o governo federal não criou os estados; os estados criaram o governo federal”. Com essas palavras, Reagan queria dizer - o que é verdade - que, no constitucionalismo americano, apareceram primeiramente as colônias, depois os Estados, que se uniram criando a confederação americana e, posteriormente, por meio da Carta de 1787, a Federação dos Estados Unidos da América do Norte.

Portanto, esse foi um modelo diferente da nossa formação. Em nossas plagas, ocorreu o contrário: durante o Império o Estado unitário cedeu parte de suas atribuições às então províncias, hoje chamadas Estados. O Brasil, portanto, nasceu como Estado unitário. Isso talvez explique porque ainda não temos uma verdadeira federação. É muito difícil haver uma boa repartição de atribuições e prerrogativas entre os Estados quando uma federação já nasce de um Estado extremamente centralizado em torno da União.

Sr. Presidente, sem desejar me alongar, recordo ainda dois modelos - a meu juízo, bem sucedidos - de estados federais: a Alemanha e a Suíça. Ambos percorreram itinerários distintos do modelo norte-americano. Na realidade, o Estado Federal alemão nasceu do Congresso de 1815 até 1870, quando começa a ocorrer a sua transformação em Estado Federal, depois de 1819 com a Constituição do Weimer e finalmente o que hoje conhecemos, inclusive a partir da lei fundamental de 1949. Isso uma síntese do que aconteceu com o Estado Federal alemão.

Algo próximo aconteceu com a Suíça que ainda ostenta como título da sua constituição a expressão Confederação Helvética, conquanto seja hoje uma federação.

No Brasil - friso - a federação por nascer de um estado unitário e sem haver resultado de um autêntico pacto federal sofre de enorme fragilidade institucional.

Geralmente se diz na imprensa - e vejo pela voz de muitas pessoas, inclusive políticos - a cobrança de um novo pacto federativo. Mas pergunto se houve um anterior pacto federativo.

Nunca chegamos a forjar um pacto federativo embora a Constituição de 1981 haja proclamado o Brasil como República Federativa bicameral, presidencialista, etc. E isso também estivesse presente no Decreto nº 1 de Deodoro, baixado após a Proclamação da República.

Anote-se, por outro lado, que a nossa Constituição de 1988, que concluiu a transição para o Estado democrático de direito, prosseguindo na senda aberta pela Constituição de 1946, concedeu também aos Municípios - hoje, mais de 5.500 unidades - a condição de Entes Federativos, convertendo a nossa Federação em Estado trino, para usar a expressão do jurista Miguel Reale, isto é, o Estado composto pela União, Estados e Distrito Federal, e Municípios. Isso contribuiu para tornar mais complexo o funcionamento da nossa Federação e para definir, de forma mais adequada, como proceder à desejada descentralização, que é o que basicamente marca uma República Federativa.

A transformação institucional que a Federação exige parte do conceito de que o poder local é aquele que, estando mais perto do cidadão, a ele deve prestar contas. É preciso, portanto, reconceituar o sistema federativo, para que atenda ao imperativo de que tudo o que o Município puder fazer não o façam os Estados e tudo o que puderem fazer os Estados não faça a União.

As formas de cooperação entre a União e os Estados, a União e os Municípios e entre os Estados e os Municípios devem cingir-se à participação compartida entre as três esferas de poder consoante, saliente-se, recomenda o “princípio da subsidiariedade”, formulado pelo Papa Pio XI.

É preceito fundamental de todo regime democrático que o Estado esteja a serviço da sociedade e não a sociedade a serviço do Estado, como ocorre em nosso País. Por seu longo passado colonial de mais de três séculos, os brasileiros eram súditos e não cidadãos e, assim, estavam a serviço da metrópole, de onde promanavam a lei, a ordem e a autoridade.

A nossa Independência, que se deu depois da emancipação de nossos vizinhos de colonização espanhola, tornou-nos habitantes de um Estado livre e soberano, porém nos manteve súditos de uma dinastia. Só a República nos transformou em cidadãos e nos concedeu o direito de escolher nossos governantes. Erigimos, por fim, ainda que formalmente, um Estado de direito democrático.

Os resquícios, porém, do Estado onipresente continuam a negar à totalidade dos cidadãos os direitos inalienáveis, sem os quais podemos desfrutar da liberdade que conquistamos, mas não da igualdade de oportunidades a que aspiramos. Estipular e definir a ação do Estado, em face da sociedade, deve ser, na minha opinião, uma das principais reformas necessárias à democratização da República Federativa do Brasil.

Sr. Presidente, Senador Mão Santa, ao encerrar observo que o seminário sob o título “As Novas Fronteiras do Federalismo” destacou a relevância do problema, particularmente no que diz respeito ao Brasil, pela circunstância de estarmos, dentro de poucos dias, inaugurando novas administrações. Serão empossado, em primeiro de janeiro, o Presidente da República, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal.

Em primeiro de fevereiro, uma nova Legislatura se instala, se não estou equivocado, a 53ª Legislatura. O mesmo acontece com relação aos Estados e ao Distrito Federal, com a posse de suas Assembléias Legislativas. O que significa dizer que isso cria condições para que retomemos o debate sobre a necessidade de reformas institucionais em nosso País.

A questão federativa, obviamente, não pode deixar de estar presente nesses debates e continua a ser um desafio importante, para que possamos desfrutar da desejada governabilidade. Daí a necessidade de realizarmos as chamadas reformas político-institucionais.

O evento realizado em São Paulo, sob a lúcida inspiração do Governador Cláudio Lembo, guarda, por todas essas questões, enorme atualidade. As reflexões ali feitas merecem uma análise de nossa parte, especialmente nós os congressistas e, de um modo particular, nós Senadores, porque, como se sabe, o Senado é e deve continuar a ser a Casa da Federação.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/12/2006 - Página 38870