Discurso durante a 208ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o documento "O Estado das Cidades do Mundo 2006-2007", elaborado pelo Programa Habitat, agência da ONU.

Autor
Papaléo Paes (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA URBANA.:
  • Considerações sobre o documento "O Estado das Cidades do Mundo 2006-2007", elaborado pelo Programa Habitat, agência da ONU.
Publicação
Publicação no DSF de 20/12/2006 - Página 39278
Assunto
Outros > POLITICA URBANA.
Indexação
  • COMENTARIO, DOCUMENTO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), SITUAÇÃO, CIDADE, MUNDO, APREENSÃO, INFERIORIDADE, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO URBANA, BAIXA RENDA, COMPARAÇÃO, POPULAÇÃO RURAL, AUSENCIA, PREVISÃO, MELHORIA, QUESTIONAMENTO, AVALIAÇÃO, ESTABILIDADE, FAVELA, BRASIL, RISCOS, NEGLIGENCIA.
  • CONCLAMAÇÃO, CUMPRIMENTO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DIREITOS SOCIAIS, HABITAÇÃO, COBRANÇA, PROVIDENCIA, GOVERNO FEDERAL.

O SR. PAPALÉO PAES (PSDB -- AP. Sem apanhamento taquigráfico) -- Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Organização das Nações Unidas divulgou, recentemente, o documento O Estado das Cidades do Mundo 2006-2007. Elaborado pelo Programa Habitat, uma agência da ONU que desenvolve ações na área dos assentamentos humanos, o documento faz pormenorizado relato das condições em que vivem as populações urbanas nos mais diversos países do mundo, com ênfase especial na questão da moradia.

        Os resultados, Sr. Presidente, são assustadores. A ponto de se concluir que, em geral, a qualidade de vida das populações urbanas mais pobres é inferior à das populações rurais. Isso apesar do maior acesso que, teoricamente, aqueles que moram nas cidades teriam à riqueza, à saúde, à educação e à cultura.

Mas o pior, Srªs e Srs. Senadores, é a visão do documento quanto ao futuro. Ele não é nada otimista. Se a constatação, hoje, é de que quase um bilhão de pessoas - um sexto da população mundial - vive em favelas, a previsão do Programa Habitat é de que esse contingente, em 2020, chegue a um bilhão e quatrocentos milhões de seres humanos.

No que diz respeito ao Brasil, o documento é mais condescendente. De acordo com ele, atualmente, 52,3 milhões de brasileiros vivem em favelas, o que corresponde a 28% da população. A “boa notícia”, porém - e há uma boa dose de ironia nisto -, é que a taxa de crescimento do número de favelados em nosso País estaria praticamente estabilizada, em torno de 0,34% ao ano. De modo que chegaríamos a 2020 com cerca de 55 milhões de favelados, equivalentes a 25% da população. Ou seja: apesar de um pequeno aumento em seu número absoluto, os moradores de favelas tenderiam a representar um percentual cada vez menor da população total.

A avaliação pouco rigorosa que o documento faz da situação brasileira fica ainda mais explicitada na performance que nos foi atribuída. Para medir o desempenho dos países, a equipe de pesquisadores dividiu-os em quatro grupos: os que estão no caminho certo, os que se mostram estáveis, os que estão em situação de risco e os que estão no caminho errado. Pois bem! O Brasil, vejam só, foi incluído entre os que se mostram estáveis.

Respeito, Srªs e Srs. Senadores, a avaliação feita pela ONU. Sei da competência e seriedade de seus pesquisadores. E sei que o desempenho atribuído ao Brasil levou em conta não apenas a relativa estabilidade de nossos números, mas também a comparação com outros países, muitos deles em situação pior que a nossa. Mas temo, temo muito, que tal avaliação nos possa dar uma idéia errada do que está ocorrendo. É esse temor, e a indignação com o fato de que parecemos aceitar as favelas quase como elementos da paisagem, que me levam a fazer este pronunciamento.

Se temos 52,3 milhões de favelados, e se a perspectiva é de que em 2020 teremos 55 milhões, sinto muito, mas a avaliação de que estamos simplesmente “estáveis” parece bastante generosa. Pode até ser correta, em termos acadêmicos, mas traz o risco de estimular-nos a ser irresponsáveis. Na verdade, Senhor Presidente, penso que estamos num caminho errado; num caminho muito errado. O próprio documento da ONU reconhece que, em termos de desigualdade entre os moradores das favelas e os das áreas urbanizadas, o Brasil só pode ser comparado à Costa do Marfim.

Não nos deve consolar, portanto, a notícia de que, mantida a tendência atual, a participação relativa dos favelados no total da população poderá diminuir gradativamente. Nesse ritmo, quando deixaríamos de exibir nossas favelas ao mundo? Daqui a cem anos? Daqui a duzentos anos?

Não, Sr. Presidente! O problema é real, está à vista de todos, e requer providências firmes e imediatas. Até porque, nunca é demais lembrar, essa é uma exigência da própria Constituição Federal.

Nossa Lei Maior, em seu artigo 6º, trata a moradia como um direito social. Repito, Sr. Presidente: a Constituição Brasileira, em seu artigo 6º, diz que morar com dignidade é direito de todos os cidadãos.

No artigo 7º, diz que os trabalhadores urbanos e rurais têm direito a um salário mínimo capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família, entre outras coisas, com moradia.

No artigo 21, diz que compete à União instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação.

E, no artigo 23, diz que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais.

De forma, Srªs e Srs. Senadores, que atuar no sentido de acabar com nosso déficit habitacional se impõe como inadiável dever, como inadiável obrigação, a uma ampla gama de atores. Não podem se ausentar desse processo, evidentemente, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Não podem se ausentar desse processo a União, os Estados e os Municípios. Não podem se ausentar desse processo os veículos de comunicação. Não podem se ausentar desse processo, em especial, os próprios favelados, aqueles que sentem na pele a falta de moradia digna. Não pode se ausentar desse processo, enfim, a sociedade brasileira como um todo.

Não obstante, Srªs e Srs. Senadores, nenhum processo prescinde de liderança. E essa liderança, no tema em questão, cabe ao Presidente da República. Nenhuma ação destinada a providenciar condições adequadas de moradia para todos os brasileiros será bem sucedida se não for conduzida, com inexcedível determinação, pelo Governo Federal.

É o Governo Federal, e ninguém mais, quem deve tomar as rédeas do processo. A nós, aos demais atores envolvidos, cabe o engajamento, o sincero e indispensável engajamento. Mas sempre, repito, em obediência a planos e diretrizes emanados do Palácio do Planalto. Por isso, Senhor Presidente, é do Governo Federal que cobro uma atuação mais decidida. É do Governo Federal que cobro, neste momento, soluções e propostas para o problema das favelas em nosso País.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/12/2006 - Página 39278