Discurso durante a 210ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Afirma temer a desinstitucionalização da democracia no país.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NACIONAL.:
  • Afirma temer a desinstitucionalização da democracia no país.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 21/12/2006 - Página 39662
Assunto
Outros > POLITICA NACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, CONCLUSÃO, LEGISLATURA, VOTO, MELHORIA, POLITICA NACIONAL, RECUPERAÇÃO, REPUTAÇÃO, CLASSE POLITICA, RENOVAÇÃO, COMPROMISSO, TRABALHO, CONGRESSO NACIONAL, AUMENTO, ETICA, EXECUTIVO, JUDICIARIO.
  • CRITICA, NEGLIGENCIA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, LONGO PRAZO.
  • CRITICA, CAMARA DOS DEPUTADOS, DESCUMPRIMENTO, ACORDO, MINISTRO DE ESTADO, VOTAÇÃO, DISPUTA, RECURSOS, ESPORTE, CULTURA.
  • COMENTARIO, ETICA, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), SUSPENSÃO, REAJUSTE, VENCIMENTOS, CONGRESSISTA, APREENSÃO, DESEQUILIBRIO, PODERES CONSTITUCIONAIS, PREJUIZO, DEMOCRACIA.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, por uma feliz coincidência, acho que sou o último orador desta Legislatura, a menos que V. Exª ainda vá falar hoje aqui. E, como último orador da Legislatura ou quase último, creio que a única coisa que justifica o nosso pronunciamento agora é falar sobre o que desejamos para o Brasil em 2007. E eu desejo, Senador Chiquinho, uma tempestade de purificação em nosso País. Estamos precisando disso.

O Senador Mão Santa pediu há pouco “que Deus nos abençoe”. Precisamos de uma purificação. Uma purificação, primeiro, de nós mesmos, da classe política brasileira. Estamos sendo vistos pela opinião pública como uma categoria, como uma classe, como um grupo que precisa ser purificado. Purificado da corrupção que, nesta Legislatura, caracterizou grande parte das ações de muitos no Congresso. Purificação para sair do corporativismo que faz com que trabalhemos pensando em grupos e não no País. Purificação para que saiamos do imediatismo e comecemos a trabalhar pensando em médio e longo prazo o nosso País. Precisamos de uma renovação na maneira de pensar do nosso Congresso. Não vamos falar na renovação das pessoas que aqui estão, já que um novo Congresso assumirá em fevereiro, mas de uma renovação da mentalidade, da postura, do comportamento, do compromisso. Precisamos de uma purificação em nosso trabalho de políticos no Congresso.

Mas não somos nós apenas. O Poder Executivo brasileiro precisa, sim, ser purificado. Purificado, em primeiro lugar, dos atos de corrupção que também caracterizaram boa parte dos quatro anos do atual Governo. Precisamos de uma purificação ética, mas não só isso. Precisamos também que o Governo descubra propósitos de médio e longo prazo para este País, que saia do acomodamento que o caracteriza hoje, pensando apenas no imediato. Que saia ele também do corporativismo, que faz com que o Governo aja como se o País fosse um quebra-cabeça a ser montado e não uma nação a ser construída.

Em seus discursos, vemos o Presidente falar para os meninos do ProUni, para as mães do Bolsa-Família, para os empresários de tal lugar, para quem vai receber água que não veio devido à mudança de rumo do rio São Francisco. E o Brasil? Ele não entra no discurso do Presidente, Senador Mão Santa! Nem o Brasil nem o longo prazo. É como se o Presidente ainda trabalhasse com a idéia de data-base com a qual os sindicatos trabalham.

O Brasil trabalha hoje com datas-base e não com períodos históricos. Desculpe-me se a metáfora não é boa, mas o Presidente precisa de uma purificação. Ele precisa também entender que o Governo não trabalha só para o imediato nem só para as corporações, mas para a Nação e para o longo prazo. Não vemos isso.

O Presidente precisa também de uma purificação gerencial, executiva. O Governo trabalha reagindo às pressões de grupos e de uma espécie de república que se criou neste País, república que se coloca acima da própria República: a república dos grupos de pressão. Há repúblicas, inclusive, que funcionam abaixo dos próprios Ministros, não só do Presidente. Aliás, o Presidente reconhece isso quando diz que não sabia o que acontecia a seu lado. Imaginem nos Ministérios! Imaginem por debaixo dos Ministérios!

Ontem, vimos isto aqui, na Câmara dos Deputados. Apesar do acordo feito com cinco Ministros para pôr ordem na disputa de recursos entre o esporte e a cultura, com tudo acertado, na Câmara cada um votou de um lado diferente, como se não houvesse um Governo ou como se ele fosse feito de pequenos governos: o ministro de tal área, um outro de outro área e, abaixo deles, o subsecretário de cada área.

O Governo precisa de uma purificação. Mas não é só o Poder Executivo e o Legislativo não, o Judiciário também precisa. É preciso que o nosso Judiciário assuma sua responsabilidade republicana e saia do ziguezague das decisões que tomam a cada ano e a cada mês surpreendendo a todos nós. Nós tivemos uma eleição cujas regras não sabíamos até seis meses antes, esperando que o Poder Judiciário decidisse. Essas regras já deveriam ter sido decididas vinte anos atrás ou mais, quando começou a República, mas isso aconteceu no mês de março ou abril deste ano, sendo que as eleições aconteceriam em outubro. E não é só isso: passamos dez ou doze anos para implantar a chamada cláusula de barreira e, depois de implantada, o Supremo vem e a muda. Às vezes, até com acertos, o Supremo age mudando as regras e tirando poder.

Esta semana, aliás, aconteceu, sob o ponto de vista ético, algo que precisamos elogiar: a decisão do Supremo de não deixar que o aumento dos Parlamentares fosse mantido. Mas se foi certo sob o ponto de vista ético, será que foi certo sob o ponto de vista institucional ou quebrou o equilíbrio entre os Poderes? Foi bom do ponto de vista ético, mas do ponto de vista do equilíbrio entre os Poderes significou uma ruptura...

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Só um minuto. O Congresso tinha obrigação de voltar atrás naquele aumento. É uma pena que tenhamos deixado a decisão ao Supremo, mas é uma pena também que a ordem institucional brasileira permita esse vaivém que nos deixa absolutamente inseguros sobre o que vai acontecer na próxima semana ou no próximo mês. Imaginem no próximo ano!

E quero falar do próximo ano se o Presidente me conceder um pouco mais de tempo depois de eu conceder um aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Cristovam Buarque, para onde vamos levamos a nossa formação profissional. A minha é de médico, e o médico quer saber é da etiologia. V. Exª é professor, educador, é um mestre! Mas quero lhe dizer que nunca houve tamanha balbúrdia no que se refere a salário. Fui prefeitinho, governei duas vezes o meu Estado e fui Líder de Governo de Lucídio Portella. V. Exª se lembra, porque sabe muito de História e de Economia, que havia inflação. Quando eu era Líder do Governo Lucídio Portella, faziam-se correções salariais de seis em seis meses; depois, passou-se a fazer de três em três meses. Quando fui Prefeito, a correção era mensal - a inflação chegava a 80%. Então, todos tínhamos chance de fazer justiça salarial. Aprendi com Lucídio Portella, irmão de Petrônio: aos grandes, dê menor aumento; aos pequenos, dê maior. Então todo mundo fazia, não era só eu. Agora, não! E aí o erro foi o seguinte: o Supremo Tribunal Federal se plantou aqui vergonhosamente por meio de Jobim e, aproveitando-se da fraqueza de Severino, mandou para cá aquele aumento, que foi pior ainda do que a sociedade sabe: R$24.500,00 para este ano e, para o ano que vem, já estão amarrados R$27.000,00; criou o Conselho Federal de Justiça e mandou, vamos dizer, liberar o jetom, que é uma caixa-preta. Nunca antes na história houve uma diferença tão grande entre o maior e o menor salário. Mas essa intromissão, essa pressão começou aqui com a fraqueza do Severino, e caímos na esparrela! O vírus nos infectou naquele instante, e estamos vivendo as conseqüências disso.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço ao Senador Mão Santa, até porque, de fato, traz a lembrança de que, além da purificação do Supremo, de cuidar, de uma maneira legítima, legal e permanente das suas decisões, que não passe a idéia, que passou este ano, de disputa de salários, brigando por aumento de salários. Em alguns momentos, parecia que estávamos vendo o comportamento de sindicatos, e não o comportamento da Suprema Corte da Justiça do País.

Por isso, desejo que 2007 seja um ano de uma tempestade de purificação no Brasil.

Mas, aproveitando os poucos minutos que o Presidente vai me conceder a mais...

O SR. PRESIDENTE (Luiz Otávio. PMDB - PA) - Desculpe-me, Senador.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Fui eu que passei do tempo, mas não passarei desses cinco minutos.

O SR. PRESIDENTE (Luiz Otávio. PMDB - PA) - V. Exª merece.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Quero alertar os Senadores presentes que temo que não tenhamos a purificação em 2007, ao contrário, que tenhamos o contrário de uma purificação - e não vou usar a expressão que corresponde ao contrário da purificação.

Temo que continuemos em um processo em que o Executivo será cada vez mais forte e cada vez menos coordenado, que o Congresso seja cada vez mais fraco e cada vez mais submisso. E temo que o Poder Judiciário continue ziguezagueando, ao longo dos próximos meses, nas decisões que toma. E aí me assusto, porque, se isso continuar, não teremos uma ditadura, mas já não vamos ter uma democracia.

Vamos ter uma desinstitucionalização do processo que se diz democrático; vamos ter uma democracia ad hoc, que, a cada dia, tem regras diferentes para trabalhar; que, a cada dia, tem projetos diferentes. Veja que o Presidente da República, depois de quatro anos no Governo, decidiu fazer um pacote econômico e não consegue chegar a esse pacote que já deveria estar pronto há quatro anos, pouco anos de ele assumir o Governo.

Esse aumento de salário não resiste a uma análise de saber qual é a lógica de o Poder Legislativo dobrar o seu salário na mesma semana em que há o aumento de apenas R$15,00 ou R$20,00 no salário mínimo. E, aí, temos o direito de especular. Talvez a única lógica, Senador Mão Santa, fosse desmoralizar o Congresso. Talvez uma lógica não explícita naqueles que tomaram a decisão; talvez uma lógica implícita, subterrânea, que é a de enfraquecer ainda mais o Congresso para fortalecer, ainda mais, o Poder Executivo, fazendo com que caminhemos, com o respaldo da opinião pública, para um governo de desequilíbrio entre os três Poderes, um governo de fortalecimento - maldito do ponto de vista democrático - do Poder Executivo sobre os outros Poderes. Isso me assusta!

Eu temo muito que 2007 seja um ano de confronto e não um ano de construção; temo que seja um ano de confronto em vez de um ano de coalizão positiva a partir de um diálogo buscando o interesse comum; temo que seja, sim, um ano de conchavos, onde um Poder imporá aos outros o seu não-destino, porque não está claro qual é o destino e qual é o projeto do Governo Lula.

Compara-se muito o Governo Lula com o Governo Chávez, mas o Chávez, pelo menos, sabe para onde quer ir. Aqui, corre-se o risco de uma desinstitucionalização sem saber para onde se vai, porque os indicadores que V. Exª mostrou, Senador Mão Santa, depois de quatro anos de um Governo que veio da Esquerda, são vergonhosos. Aumentou o número de meninos trabalhando no campo, quando deveríamos ter erradicado o trabalho infantil em dois anos. Manteve-se o número de analfabetos, quando deveríamos ter erradicado o analfabetismo em quatro anos. Caiu o poder aquisitivo, como vimos nos jornais. Tudo isso faz com que 2007 nos deixe assustados, mas não desesperados.

É preciso que o Congresso tente carregar a esperança para os órfãos dela. Hoje, temos milhões de órfãos da esperança. Se preferirem, temos filhos da desesperança. Aqueles que viram em 2002 que um futuro novo nascia chegam a 2006 vendo que o futuro não nasceu e o que está adiante é mais assustador. Por isso, meus votos de que haja uma purificação na República brasileira. Que tenhamos, ao longo de 2007, ao menos iniciado um processo de purificação da República.

Minha esperança é a de que demos a nossa contribuição, de que cumpramos a nossa obrigação. Vamos levar adiante a liderança que o povo brasileiro espera de nós, Senador Edison Lobão, Senador Mão Santa, que estão presentes nesses últimos minutos desta Legislatura.

Hoje, uma jornalista perguntou-me o que via de realmente bom nesta Legislatura. Disse-lhe: realmente bom é que finalmente terminou. É algo positivo. Terminou agora para renascer em fevereiro.Vamos juntos lutar para que uma nova Legislatura purifique a República brasileira, que está precisando disso.

São as minhas palavras de despedida deste ano. Desejo-lhes um feliz Natal, um próspero Ano Novo e o início de um novo momento histórico no Brasil.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/12/2006 - Página 39662