Discurso no Congresso Nacional

Comemoração do Dia Internacional para Eliminação da Violência contra a Mulher.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FEMINISMO. POLITICA SOCIAL.:
  • Comemoração do Dia Internacional para Eliminação da Violência contra a Mulher.
Publicação
Publicação no DCN de 01/12/2006 - Página 2495
Assunto
Outros > FEMINISMO. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • REPUDIO, EXISTENCIA, AGRESSÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DESIGUALDADE SOCIAL, MULHER.
  • NECESSIDADE, GOVERNO, INVESTIMENTO, MELHORIA, EDUCAÇÃO, CONTENÇÃO, INDICE, VIOLENCIA, GARANTIA, DIGNIDADE, DIREITOS, MULHER.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Bom-dia a cada uma, a cada um de vocês.

Ao cumprimentar a Mesa, nossa Ministra, a Senadora Serys e todos os presentes, quero lamentar a presença de tão poucos homens em uma solenidade cuja realização tem sua razão de ser principalmente em nós. Este plenário deveria estar cheio de homens, mais ainda do que de mulheres, para que pudéssemos pedir desculpas.

Em 1994, quando disputei a minha primeira eleição, aprendi muita coisa. Numa campanha aprende-se muito, mas algumas coisas me tocaram particularmente. No meu aprendizado em 1994, Senadora, Ministra, caminhando de casa em casa no Distrito Federal para pedir votos, sentei com as pessoas, quase sempre mulheres que estavam nas casas - os homens estavam trabalhando ou nos bares. Marcou-me muito ouvir tantas e tantas vezes dessas mulheres que elas eram vítimas de violência em casa, em geral dos maridos, às vezes dos filhos e até de vizinhos.

O que mais me chocou foi perceber não apenas que isso era algo comum, mas que era tolerado e aceito como algo natural. Foi um aprendizado para mim. Em função daquele aprendizado, vim aqui, mais do que tudo, manifestar a minha posição de dar todo o apoio, como Senador da República, a essa luta, à luta contra a violência contra as mulheres.

Entretanto, nessa minha manifestação de apoio, lembro que devemos considerar não apenas a violência física, mas também a violência social, porque a pobreza toca a todos, mas toca muito mais às mulheres e especialmente às mães. Como no caso de todos os problemas brasileiros, é preciso levar em conta a diferença que caracteriza o Brasil na forma de tratar pobres e ricos. Isso vale para o problema racial - há uma diferença entre a situação dos pobres negros e a dos negros ricos. Isso vale para o problema das crianças; isso vale para as mulheres também, especificamente para o problema da violência.

Obviamente, as mulheres todas devem ser respeitadas, bem tratadas. Isso que estamos fazendo aqui é para todas as mulheres, mas devemos lembrar que, no caso das mulheres pobres, há um adicional de violência. Eu sei que há muito rico que comete violência contra suas mulheres, contra suas filhas, suas namoradas. Sei que não é um problema só de educação, porque muitos doutores cometem esse crime. De qualquer maneira, porém, há sim uma desigualdade a ser considerada dentro do próprio universo feminino: entre o sofrimento das mulheres pobres e o das mulheres ricas.

Não costumo fazer isso, mas vou recomendar a vocês um livro que li há muito pouco tempo. As mulheres todas deveriam ler A Distância entre Nós, um romance de uma escritora indiana cujo nome não consigo lembrar - mesmo que lembrasse, não conseguiria dizê-lo, pois lembro que é muito complicado. Está em todas as livrarias. É a história de duas mulheres: a dona da casa e a empregada, coisa que a literatura brasileira não mostra, porque ou se trata dos ricos, ou se trata dos pobres, mas eles parecem não se encontrar no processo. Os pobres aparecem associados à violência na literatura brasileira. A literatura, quando trata dos ricos, aborda o problema intimista. Há uma falência na literatura brasileira hoje em tratar a relação entre as classes no Brasil.

A Índia, apesar de suas castas, produz esse livro que merece ser lido. Nada há de igual entre essas duas mulheres, salvo a maneira como são tratadas pelos maridos: as duas são vítimas deles. No caso da rica, ainda mais, porque é vítima da violência. No caso da pobre, ela não apanha do marido, mas o marido, por causa do desemprego, bebe e, com isso, destrói a família. Eu recomendo a vocês A Distância entre Nós - um título excelente. Trata-se da distância entre duas mulheres por razões sociais. Alguém precisa escrever isso no Brasil.

Mas eu quero concluir, pela mania que tenho, trazendo aqui um dos caminhos para que possamos, sim, construir um Brasil na linha do que o Deputado Fernando Ferro falou: de paz. A violência tem de ser combatida com repressão sim, mas sem educação não vamos chegar ao ponto em que a repressão deixa de ser necessária. E, quando eu digo educação, não tenho em mente a instrução dos doutores, instrução que, muitas vezes, não os impede de continuar a violência que cometem contra suas mulheres. Falo da educação do ponto de vista da cultura, como disse o Deputado Fernando. É na escola que se pode criar uma cultura não-machista; é na escola que se pode criar uma cultura da paz. E isso em todos os sentidos: da paz que protege a natureza, da paz que protege as pessoas, da paz que protege um gênero do outro.

Eu quero insistir que em toda luta contra a violência contra as mulheres, além da repressão, além da promoção da dignidade da mulher para que ela reaja, devemos colocar também a educação de nossas crianças, a fim de que, um dia, haja o respeito tão necessário entre homens e mulheres.

Quero dar meus parabéns à Deputada Iara Bernardi, que neste momento preside a sessão, e também a todas vocês que organizaram este evento. Lamento que não haja homens à Mesa, porque talvez não o mereçam, provavelmente pelo baixo número que há... Mas já houve, não é isso? Essa é uma luta dos homens, não apenas das mulheres. Mas enquanto nós, homens, não assumimos, felizmente existem guerreiras como vocês que não deixam passar em branco esse crime que cometemos hoje em dia: o da violência contra as mulheres.

Era isso o que tinha a dizer.

Parabéns, Deputada Iara Bernardi! (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DCN de 01/12/2006 - Página 2495