Discurso durante a 19ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa de investimentos do país na produção de álcool combustível.

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. POLITICA ENERGETICA.:
  • Defesa de investimentos do país na produção de álcool combustível.
Aparteantes
Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 07/03/2007 - Página 4076
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • COMENTARIO, DIVERSIDADE, MATERIA, IMPRENSA, REFERENCIA, VISITA OFICIAL, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), BRASIL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, VALORIZAÇÃO, TECNOLOGIA, COMBUSTIVEL ALTERNATIVO, CRESCIMENTO, ECONOMIA NACIONAL, GARANTIA, INVESTIMENTO, MAQUINARIA, RESPEITO, DIREITOS SOCIAIS, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, MEIO AMBIENTE, COMBATE, DESMATAMENTO, FLORESTA AMAZONICA, CERRADO, MELHORAMENTO, EXPERIENCIA, PROGRAMA NACIONAL DO ALCOOL (PROALCOOL), SUGESTÃO, CRIAÇÃO, ORGÃO REGULADOR, COMPETENCIA, DEFINIÇÃO, OCUPAÇÃO, TERRAS, CARACTERISTICA, USINA, CONTROLE, PREÇO, DEMONSTRAÇÃO, VANTAGENS, APROVEITAMENTO, SOLO, INUTILIZAÇÃO, PLANTIO, SOJA, PECUARIA, POSSIBILIDADE, PRODUÇÃO, FONTE ALTERNATIVA DE ENERGIA, OPORTUNIDADE, TRABALHO, SEM-TERRA.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada, Senador Alvaro Dias. Agradeço, de forma muito especial, ao Senador Pedro Simon por ter me concedido o horário.

Vários Parlamentares já trouxeram este assunto à tribuna. É o assunto da semana. Inegavelmente, o assunto da semana não é meramente a visita do Presidente Bush ao Brasil, mas o que está em torno dessa visita, o significado da visita. E uma simples coleta das matérias dos últimos dias dá a dimensão do que se está constituindo esta visita.

Eu tive até a paciência de juntar algumas matérias publicadas neste final de semana:

- “Bush aposta em agroenergia para se aproximar mais do Brasil”.

- “País construirá uma usina por mês até 2013. Total deve saltar de 336 unidades para 409, com investimentos previstos de US$14,6 bilhões no período”.

- “BNDES tem R$10 bilhões para financiar setor”.

- “Commodity vai girar US$1 trilhão”. Essa nova commodity em que está se constituindo o metanol.

- “Comissão planeja pólo de agroenergia no Brasil. ‘Idéia é atender à nova ordem mundial’, avisa ex-ministro da Agricultura”, Roberto Rodrigues, que é especialista na área. Inclusive, depois de ter saído do Ministério, ele está envolvido, diretamente, nessa questão do etanol e dos biocombustíveis.

- “40 países usam etanol em carros. No Brasil, frota a álcool deve triplicar até 2013.”

- “EUA procuram substituto do milho. Governo e empresas privadas investem em pesquisas com produtos como celulose, grama e gordura animal.”

-“Etanol se expande em reduto petrolífero.”

-“Terreno em Iowa já se compara ao de Manhattan [nos Estados Unidos, exatamente por causa da febre do etanol]. Região vive boom econômico por causa do etanol e espera ver instaladas cerca de 30 usinas em um ano.”

- Em 1919, Ford veio para o País também por causa do álcool.”

- “Da Alca para o álcool.” Há até uma brincadeira com os nomes, mas penso que existe essa relação. A vinda do Bush, neste momento, neste contexto, transforma, significativamente, as relações internacionais entre Brasil e Estados Unidos.

- “Energia divide continente e aproxima Brasil e EUA.”

- “Interesse por etanol rende dividendos ao país.”

E por aí vão as manchetes e as matérias, em páginas e mais páginas dos principais jornais.

Sobre toda essa questão do etanol, há algumas observações que gostaria de trazer para debate. Com tanta potencialidade e com tantas possibilidades, essa discussão também nos traz preocupações. Devemos tratar do assunto sempre por meio de dados fidedignos e de informações técnicas, para que possamos fazer uma avaliação, estar atentos e contribuir com essa possibilidade que se apresenta. Precisamos aproveitá-la bem para o interesse do nosso País e da nossa população.

Juntamente com os Estados Unidos, somos os maiores produtores mundiais de álcool, mas ninguém - ninguém! - no mundo tem como nós, terras, tecnologia e competência para produzi-lo a um custo menor e a uma produtividade maior. Aliás, a produtividade brasileira do etanol é, disparado, a maior do mundo. Temos de apropriar-nos disso, inclusive para que não sejamos meros fornecedores do álcool, do etanol, mas também para que possamos transformar nossa tecnologia em equipamento, Senador Romeu Tuma, em maquinário, em ciência e tecnologia para o processamento em etanol dos diversos produtos.

Também não podemos deixar de considerar os problemas ambientais e sociais decorrentes da expansão da nossa produção. Fala-se que, atualmente, surge uma nova usina por mês e que algumas delas já produzem um milhão de toneladas de açúcar. As estimativas para a fantástica expansão da cana-de-açúcar apontam para mais de seis milhões de hectares de terra produzindo cana, açúcar e etanol no Brasil.

Não podemos, em hipótese nenhuma, repetir os erros do ProÁlcool. Temos de aprender com a experiência do ProÁlcool, com o que ele produziu de efeitos positivos e negativos. Não só precisamos de um órgão regulador - e já houve pronunciamentos sobre isso; há bem poucos minutos, outros Parlamentares falaram do assunto -, como também de políticas públicas para preservar o meio ambiente e as relações trabalhistas.

Precisamos, sim, de um órgão regulador que se encarregue da ocupação da terra, da definição do tipo de terra e de usina, da questão do preço, da competitividade e da relação terra e produto, do objetivo para o qual será usado o produto. Daí a necessidade de se usarem terras degradadas, abandonadas pela pecuária e pela soja - essa é uma discussão que está pautada - e, de preferência, de se crescer na produtividade e não na ocupação de novas terras.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senadora Ideli Salvatti, V. Exª me permite um aparte?

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Já vou ouvir V. Exª, Senador Sibá Machado.

Não podemos trabalhar, em hipótese alguma, com a ampliação da fronteira agrícola, principalmente se essa fronteira significar a diminuição de áreas importantíssimas, como a Amazônia, a região do cerrado, entre outras. Não podemos permitir o desmatamento para a produção e, se for o caso, devemos proibir a ocupação de novas terras na Amazônia para a cultura da cana-de-açúcar.

Ouço, com muito prazer, o Senador Sibá Machado, que, tenho certeza, vai comungar dessas preocupações comigo.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Totalmente, Senadora. Só queria acrescentar uma experiência que estamos trabalhando no Estado do Acre. Eu estava, neste momento, “socializando” esse entendimento com o Senador Mozarildo; até estou convidando-o a visitar o Estado do Acre, para ver um pouco dessa experiência. Nós entendemos que o cerne do discurso de V. Exª traz as preocupações da tecnologia quanto aos combustíveis renováveis, em que o Brasil é show de bola. V. Exª menciona também toda a logística que acompanha o combustível: não podemos prescindir desse domínio tecnológico. O que quero acrescentar: primeiro, acho que todos gostariam de ficar ricos na vida, dos mais pobres àqueles que já têm mais. Levantamos uma tese no Estado no sentido de que, no caso dos empreendimentos que tivessem a participação pública, ou seja, das PPPs, acrescentaríamos ao “p” o “c”, do comunitário. A sugestão, então, é a de que todas as empresas, não importa o tamanho, o volume e a capacidade financeira e tecnológica, pudessem fazer uma ressocialização da sua propriedade. Um dos exemplos é o da usina de álcool do Estado do Acre: 70% das propriedades são de empresários de fora do Estado, 25% ficam para um conjunto de empresários do Estado, e 5%, sob a custódia do Estado - com certeza, o Governador ainda vai repassá-los para a comunidade do local onde a usina está. Com isso, a usina não vai comprar um palmo de terra, que já está com aqueles que serão associados. E assim todos ganham. E quanto à questão ambiental? Vou complementar o aparte com a última preocupação de V. Exª: se os 30 mil hectares que eram pasto para boi vão virar cana, para onde vai o boi? Visitei a região de Ribeirão Preto, em São Paulo, e verifiquei que o boi ficou imprensado pela laranja, pela seringa e pela cana. Para onde foi o boi? Foi confinado. Então, foi dada uma nova forma de alimentar o animal, que teve ganho de peso; perdeu-se em território, mas ganhou-se em produtividade e renda. Portanto, há saída para tudo. Peço a V. Exª que aceite o convite para irmos até o Acre e visitarmos o modelo de instalação do novo capitalismo em nosso Estado, que consideramos uma das saída para socializarmos trabalho e renda a perder de vista, em relação ao tempo. Portanto, a integração pela integração não é bom, porque, em algum momento, haverá ambigüidades trabalhistas e, no caso que citei, há uma socialização de tudo, inclusive daquilo que é melhor, que são os rendimentos. Então, agradeço o aparte e convido V. Exª para passarmos um final de semana lá no Acre, para visitarmos essa experiência.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço o convite, Senador Sibá Machado. Não conheço o Acre e acho que será uma ótima oportunidade para conhecer o Estado de V. Exª e também uma experiência bem-sucedida.

O que V. Exª traz é exatamente aquilo sobre o qual estamos alertando. Toda a potencialidade que neste momento está colocada para o Brasil, com esse espaço, com essa janela escancarada para o etanol, para o biocombustível, para o biodiesel, tem de ser aproveitada, para fazermos melhor e não repetirmos os erros, os crimes que já cometemos contra o meio ambiente e para com as relações trabalhista. A relação trabalhista no mundo da cana-de-açúcar é uma das mais perversas no cenário trabalhista brasileiro. Portanto, não podemos repetir tais erros. Tem de haver carteira assinada, reconhecimento dos direitos - salários condizentes, condições de descanso. Existem pesquisas assustadoras sobre o número de pessoas que morrem por exaustão, ao se dedicarem ao trabalho com a cana. Isso precisa ser encarado para ser superado.

Não podemos, também, desvincular toda essa janela de oportunidades do fortalecimento da agricultura familiar, com a fixação do homem no campo, dando-se oportunidade, inclusive, para os milhões de sem-terra, conjugando-se essa oportunidade com o avanço da reforma agrária.

Tudo isso que estamos vivenciando neste momento tem de ser, Senador Romeu Tuma - não tenho nenhuma dúvida -, muito bem aproveitado pelo País, para que possamos dar um salto de qualidade nas nossas relações trabalhistas, nas nossas relações de produção, na capacitação da nossa ciência e tecnologia, naquilo que nos especializamos ao longo de várias décadas. Porém, que jamais deixemos de trazer ao debate algumas preocupações relativas ao assunto. E trago algumas delas...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Já vou concluir, Senador Romeu Tuma.

A primeira preocupação é termos cuidado em analisar, observar e acompanhar se esse boom dos biocombustíveis, do etanol, não está acarretando uma mudança no perfil da propriedade da terra brasileira, inclusive com a internacionalização do território. Esse é um risco que precisamos monitorar de forma muito clara.

Outra preocupação que precisará de um acompanhamento, um monitoramento, é quanto à competição entre produção para combustível e produção para alimentação.

O próprio preço da terra é outra preocupação. Verifica-se, em uma das manchetes, que o terreno no Estado de Iowa já se compara ao de Manhattan, nos Estados Unidos. Isso também ocorrerá em nosso País.

(Interrupção do som.)

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Portanto, essas são algumas questões relevantes que traz toda esta gama de oportunidades - o etanol e as parcerias possíveis de serem concretizadas com a vinda do Presidente George Bush ao nosso País, as conversas e até a possibilidade da instalação de um equivalente à Opep; só que em vez do petróleo, o etanol. São muitas as possibilidades, as potencialidades, mas também são muitos os problemas para os quais devemos estar muito atentos, muito preparados para equalizar e para resolver, a fim de não permitirmos que se repitam os erros cometidos em outras situações, em outras questões, como no caso do ProÁlcool.

Agradeço, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/03/2007 - Página 4076