Discurso durante a 19ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a transposição das águas do Rio São Francisco.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Considerações sobre a transposição das águas do Rio São Francisco.
Aparteantes
Eduardo Azeredo.
Publicação
Publicação no DSF de 07/03/2007 - Página 4263
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, PROVIDENCIA, GOVERNO FEDERAL, REALIZAÇÃO, LICITAÇÃO, EXECUÇÃO, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, REGISTRO, EMPENHO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, DEFESA, PROJETO, RECEBIMENTO, APOIO, EMPRESA, NATUREZA POLITICA, ESTADO DO CEARA (CE).
  • DIVERGENCIA, CLASSE POLITICA, OPINIÃO, PROJETO, INTEGRAÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, BACIA HIDROGRAFICA, REGIÃO NORDESTE, SOLUÇÃO, PROBLEMA, SECA.
  • HISTORIA, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, REGISTRO, APERFEIÇOAMENTO, GOVERNO FEDERAL, PROPOSTA, INTEGRAÇÃO, BACIA HIDROGRAFICA, RECUPERAÇÃO, PRESERVAÇÃO, BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO, REALIZAÇÃO, IRRIGAÇÃO, ABASTECIMENTO DE AGUA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, COMUNIDADE, REGIÃO NORDESTE.
  • REGISTRO, EMPENHO, ANTONIO CARLOS VALADARES, SENADOR, CONGRESSISTA, PEDIDO, ARLINDO CHINAGLIA, PRESIDENTE, CAMARA DOS DEPUTADOS, URGENCIA, APRECIAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUMENTO, RECURSOS, RECUPERAÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO.
  • ANALISE, DIVERSIDADE, ESTUDO, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, ANUNCIO, ALTERAÇÃO, ESPAÇO, TERRITORIO NACIONAL, NECESSIDADE, SOCIEDADE, PARTICIPAÇÃO, DEBATE, PROJETO.
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, PROFESSOR, COORDENADOR, ESTUDO, MINISTERIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, DEFESA, IMPORTANCIA, INTEGRAÇÃO, BACIA HIDROGRAFICA, PROMOÇÃO, IGUALDADE, OPORTUNIDADE, CIDADÃO, REGIÃO NORDESTE.
  • LEITURA, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, CARTA, AUTORIA, BISPO, DEBATE, ALTERNATIVA, PROBLEMA, SECA, REGIÃO NORDESTE, REITERAÇÃO, RELATORIO, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), IMPOSSIBILIDADE, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, BENEFICIO, MUNICIPIOS.
  • REGISTRO, SUGESTÃO, AUTORIA, BISPO, ADOÇÃO, PROJETO, AGENCIA NACIONAL DE AGUAS (ANA), CONTENÇÃO, GASTOS PUBLICOS, EFICACIA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, SECA, ABASTECIMENTO DE AGUA, MUNICIPIOS.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, PUBLICAÇÃO, AMBITO, CIENCIAS, ANALISE, GRAVIDADE, IMPACTO AMBIENTAL, PEDIDO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATENÇÃO, OBRAS, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, o Líder do PSDB, caro Senador Arthur Virgílio, enfatizou uma série de notícias nem sempre positivas. S. Exª costuma ser tão atento aos dados quando não favoráveis, sempre os citando. No entanto, o fato de hoje ter havido uma recuperação do índice da Bolsa de Valores em 5% não foi ressaltado, e seria próprio que pudesse aqui ser registrado.

Mas, hoje, Sr. Presidente, quero falar sobre a transposição das águas do rio São Francisco. Embora eu não seja mineiro ou nordestino, embora não seja pernambucano ou sergipano, sinto-me, como cidadão brasileiro de São Paulo, também responsável por me interessar e estudar esse assunto tão importante para o Brasil.

Voltou a preocupar, neste início de 2007, a questão da transposição das águas do rio São Francisco. Derrubadas no Supremo Tribunal Federal as liminares que impediam o início das obras, o Governo Federal começa a tomar as providências para tirar o projeto do papel. Anunciou-se a imediata realização de licitações para os projetos executivos da obra.

O Ministro Pedro Brito, da Integração Nacional, está fortemente engajado na defesa e realização do projeto, que conta com o apoio empresarial e político no seu Estado de origem, o Ceará.

O projeto de integração do rio São Francisco com outras bacias hidrográficas do Nordeste tem o objetivo de acabar com o problema da seca no semi-árido brasileiro que aflige, há mais de cem anos, o Governo e a sociedade brasileira.

A proposta tem uma história tão antiga quanto a seca na região. E o debate, também tão antigo quanto polêmico, é polarizado pelos argumentos contrários ou favoráveis ao projeto. Nesse sentido, dois Governadores de Estado do PT, Marcelo Déda e Jaques Wagner, manifestaram dúvidas sobre a validade da transposição. Deram claras indicações, de público, de que não são entusiastas do projeto e desejam maior discussão.

Também aqui nesta Casa diversos Senadores expressam opiniões críticas ao projeto, alguns, e de apoio, outros. O fato é que a transposição continua dividindo o Nordeste. No resto do País a questão ainda não suscitou a merecida atenção, mas é importante que nós, inclusive do Sudeste e do Sul, estejamos nos enfronhando mais sobre o assunto.

O projeto inicialmente apresentado pelo Governo Federal foi aprimorado. Em 1985, o projeto de transposição do antigo e extinto Departamento Nacional de Obras e Saneamento previa a captação, em um único canal, de 300 metros cúbicos de água por segundo destinados à irrigação. Esse projeto não previa a revitalização do rio São Francisco, mas apenas a sua integração com os açudes Castanhão, no Ceará, e Armando Ribeiro Gonçalves, no Rio Grande do Norte.

Em 1994, outra proposta do então Ministério da Integração Regional previa a captação de 150 metros cúbicos de água por segundo, também para irrigação em um único canal, sem revitalização do Velho Chico, integrando os açudes Castanhão, Armando Ribeiro, Gonçalves e Santa Cruz.

No ano de 2000, o Ministério da Integração Nacional apresentou uma proposta de captação de 48 metros cúbicos de água por segundo em dois canais para uso múltiplo, também sem prever a revitalização do rio São Francisco e integrando os açudes Castanhão, Armando Ribeiro, Gonçalves, Santa Cruz, Epitácio Pessoa, Engenheiro Ávidos, Poço da Cruz e Entremontes, beneficiando uma população 50% maior do que a dos projetos anteriores. Outros 15 metros cúbicos de água por segundo seriam destinados à irrigação no próprio Vale do São Francisco.

Por sua vez, o Plano Plurianual do Governo Federal 2004/2007 priorizou inúmeras ações no setor hídrico para a região Nordeste, que envolve a transposição do São Francisco, com extensão prevista até o ano 2015. O plano é composto de quatro grandes ações: a integração de bacias do Nordeste, a revitalização ambiental da bacia do São Francisco, os projetos de irrigação na região e o Proágua, que visa ao suprimento urbano.

A integração far-se-á através de dois canais que serão construídos: um na direção norte, que atenderá o Ceará, o Rio Grande do Norte; outro na direção leste, que levará água para Pernambuco e Paraíba, beneficiando as áreas mais carentes do agreste e dos sertões desses quatro Estados.

Essas áreas têm como característica geológica a predominância de terrenos cristalinos, 70% da área onde não é possível armazenar água subterrânea de forma permanente, nem desenvolver açudagem intensiva, uma vez que poucos novos açudes de porte significativo podem ainda ser construídos. Nessas áreas, a potencialidade hídrica dos rios intermitentes já foi transformada em disponibilidade garantida ao longo do último século, o que permitiu a vida, embora precária, de uma população de 14,6 milhões de habitantes no Polígono das Secas, segundo censo de 2000. Significa também que o Nordeste Setentrional detém mais de 50% da população do polígono. Em contrapartida, a soma das vazões regularizadas garantidas por todos os açudes significativos do Nordeste Setentrional representa apenas cerca de 5% da vazão garantida no rio São Francisco pela Barragem de Sobradinho.

O segundo ponto priorizado no Plano Plurianual é a revitalização hidroambiental da bacia do São Francisco. Aliás, vale lembrar que esse aspecto era apontado pelos críticos ao projeto, como a ex-Senadora Heloísa Helena, de Alagoas, como uma de suas lacunas. Essa é uma ação coordenada pelo Ministério do Meio Ambiente com a participação do Ministério da Integração Nacional e da sociedade são-franciscana.

O programa de revitalização contempla ações voltadas para o reflorestamento de áreas críticas, a construção de barragens em rios afluentes, a melhoria da calha navegável de seu curso médio, o tratamento de esgotos das cidades e vilas localizadas nas suas margens, o controle da irrigação e a educação ambiental. Há também ações para a melhoria das condições de vida das comunidades ribeirinhas.

É importante ressaltar, conforme o Senador Antonio Carlos Valadares, hoje aqui registrou, que há um empenho dele próprio, como de inúmeros parlamentares, Senadores que estiveram hoje visitando o Presidente Arlindo Chinaglia para que a Câmara dos Deputados logo examine a sua proposta de emenda à Constituição que destina recursos à revitalização do rio São Francisco.

O Governo Federal investiu, em 2004, R$26 milhões nessas ações de revitalização do rio. Em 2005, os investimentos foram de R$100 milhões, só na área dos Ministérios da Integração Nacional e Meio Ambiente.

Também há outros recursos destinados ao projeto. Desde 1988, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco, a Chesf, repassa diretamente para os Estados e os Municípios da Bacia do São Francisco 6% do seu faturamento bruto, o equivalente a R$90 milhões por ano. É um dinheiro que deve ser obrigatoriamente aplicado em ações de revitalização do rio. De 1988 até agora, a Chesf repassou R$1.359 bilhão para os Municípios são-franciscanos.

O Ministério das Cidades, por sua vez, está aplicando R$620 milhões em projetos de saneamento básico e/ou de abastecimento d’água em 86 Municípios da Bacia.

O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - Senador...

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Agradeço, Senador Eduardo Azeredo, se V. Exª puder permitir que eu conclua; e, com maior honra e alegria, concederei um aparte, dado que tenho aqui algo a desenvolver.

O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - Pois, não, Senador, conclua o seu raciocínio.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - A degradação do rio, que já dura mais de cem anos, não é uma ação de curto prazo, nem é uma responsabilidade somente do Governo Federal, mas também dos Governos estaduais e municipais, que devem trabalhar juntos para o enfrentamento do problema.

As perguntas mais freqüentes com relação à transposição do rio São Francisco são: o que acontecerá após a transposição da Bacia do rio São Francisco? As análises consideraram todas as possibilidades que a interferência na natureza provocaria na região? Está sendo analisada a complexidade socioespacial da região?

De acordo com vários pesquisadores, as informações disponíveis fazem referência ao sistema de engenharia, em que o espaço é pensado de forma geométrica e não geográfica, ou seja, é calculada a vazão para uma possível retirada - 3,5% da vazão total do rio São Francisco, a capacidade das estações de bombeamento, a extensão dos aquedutos, o diâmetro dos túneis -, mas pouco se analisam a complexidade socioespacial da região e os impactos sociais desse projeto.

Geralmente, os estudos aparecem mais como um conjunto de justificativas para os empreendimentos que consistem em repor vegetação, implantar pequenos parques etc., do que uma análise do efeito cumulativo do crescimento das atividades econômicas, da expansão das áreas ocupadas, do crescimento da população, da alteração da vazão dos rios em função da ocupação das várzeas, de um maior consumo de água, da evaporação, das alterações na infiltração das águas pluviais - considerando a impermeabilização -, da destruição das matas de galerias em especial nas áreas de nascentes etc. Essas alterações bem como as mudanças climáticas e de microclimas não estão mencionadas nos estudos disponíveis.

Não se tem notícia também da análise de estudos prévios dos impactos de vizinhança ou do debate sobre os planos diretores de todos os Municípios que serão atingidos, como estabelece a Lei nº 10.257, de 2001, do Estatuto das Cidades, para averiguar se uma obra dessa envergadura atende aos princípios da função social da propriedade.

Ao tratar da transposição do rio São Francisco, deve-se considerar que haverá uma alteração em toda a dinâmica territorial do País. Sendo assim, é necessário que a sociedade brasileira seja envolvida no debate dessa problemática e não apenas o que está definido como áreas dos comitês da bacia do São Francisco. Afinal, como dito pela Professora Arlete Moysés Rodrigues, a natureza não tem fronteira administrativa.

O Professor João Urbano Cagnin, coordenador dos estudos de integração das bacias da região Nordeste do Ministério da Integração, acredita que a integração de bacias no Nordeste irá promover a igualdade de oportunidades para os brasileiros daquela região. Em suas palavras: “Uma pequena quantidade de pessoas será removida, como acontece em todas as grandes obras, porém elas têm a possibilidade de ‘ficar melhor’, pois serão indenizadas corretamente pelo Governo”. Diz ele: “Eu defendo o projeto, pois é um dos melhores projetos que temos hoje.”

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT - SP) - Vou pedir um pouco de tolerância, Sr. Presidente, dado que caprichei para poder hoje falar.

De acordo com os dados do Ministério de Integração Nacional, o Projeto de Transposição e Revitalização do São Francisco vai levar desenvolvimento para a região do semi-árido. É um projeto estruturante, que visa à geração do desenvolvimento humano e econômico, segundo este especialista.

Dada a magnitude dos recursos e interesses envolvidos, uma decisão cuidadosa é indispensável. Se for para executar o projeto, é preciso explicar a decisão à sociedade brasileira, em especial a Dom Luiz Flávio Cappio, bispo de Barra. Seria uma atitude condizente com o respeito que Dom Luiz Flávio demonstra pelo Presidente e que o Presidente demonstra por ele.

Quero deixar aqui uma palavra sobre Dom Luiz, a quem tive a honra de conhecer depois da greve de fome que ele realizou contra a transposição, em Cabrobó. Trata-se de uma pessoa de grande seriedade, que se dedica desde o início dos anos setenta às pessoas mais carentes do Vale do São Francisco. Ele conhece os problemas sociais e ecológicos da região e é profundamente respeitado por todos. Seria uma temeridade ignorar as suas ponderações.

No dia 21 de fevereiro último, Dom Luiz enviou uma carta ao Presidente da República, que peço seja registrada na íntegra nos Anais do Senado. A disposição dele é retomar o diálogo sobre o São Francisco e as soluções para o semi-árido, diálogo que considero apenas iniciado.

Na sua carta ao Presidente Lula, Dom Luiz menciona, entre outros aspectos, que o custo das obras iniciais do projeto de transposição das águas do São Francisco está estimado em R$6,6 bilhões, mais da metade de todo o orçamento destinado a recursos hídricos no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Recorda, também, que o Tribunal de Contas da União divulgou relatório afirmando que o projeto não beneficia o número de Municípios e de pessoas que o Governo Federal afirma que atingirá.

Em sua carta, Dom Luiz lembra que a Agência Nacional de Águas (Ana), organismo de Estado, criado para a gestão estratégica do uso da água no Brasil, “propõe 530 obras para solucionar os problemas de abastecimento hídrico em todos os núcleos urbanos acima de cinco mil habitantes do semi-árido brasileiro até 2015. Essas obras beneficiariam as populações mais necessitadas e custariam R$3,6 bilhões, portanto, mais baratas, mais abrangentes e mais eficientes que qualquer obra de transposição hídrica”.

O Governo, em especial o Ministério de Integração Regional, certamente tem argumentos sólidos a apresentar nesse debate. Não há por que não realizá-lo, com a devida profundidade, antes do início das obras.

Aos críticos do projeto, cabe também apresentar, de forma convincente, não só a crítica à transposição, mas um detalhamento das alternativas.

Dom Luiz, assim como muitos outros técnicos e especialistas, está convencido de que existem alternativas melhores, socialmente mais justas e mais baratas do que a imensa obra de transposição de águas do São Francisco para o Nordeste Setentrional.

Em sua carta ao Presidente Lula, ele afirma:

Em nosso encontro [em dezembro], o senhor me disse que “não seria louco de levar essa obra à frente se apresentássemos uma alternativa melhor”. Agora, somando as obras propostas pela ANA - Agência Nacional de Águas, juntamente com as iniciativas de captação, armazenamento e manejo de água de chuva desenvolvidos pela Articulação do Semi-Árido (ASA), o senhor tem uma chance de escolha muito melhor, pela qual seu Governo ficará marcado para sempre na história do Nordeste brasileiro, sua terra natal. Não faltam alternativas. Falta uma decisão política mais lúcida.

Nosso pedido, Senhor Presidente, é que se retome o diálogo e que se garanta que seja amplo, transparente, verdadeiro e participativo, incluindo toda a sociedade do São Francisco e do semi-árido, conforme foi pactuado em Cabrobó em outubro de 2005 e renovado através (sic) de pedido formal por carta protocolada em seis de fevereiro último.

Também o Professor Aziz ab’Saber, que comigo acompanhou o Presidente Lula na caravana das águas pela cidadania, pelo Nordeste, entre as quais a região do rio São Francisco, em entrevista ao Jornal da Ciência de dezembro de 2004, formulou um alerta no seguinte sentido, perguntado por que não estava contente com o projeto:

Essa história me deixa indignado, porque eles, os governantes e os políticos, não têm noção de escala e sabem que o povo também não tem. O semi-árido tem 750 mil quilômetros quadrados no mínimo. A transposição não irá resolver o problema. É preciso também saber a quem irá servir a transposição das águas. Se servirá aos capitalistas, que têm fazendas e moram em apartamentos chiques em Fortaleza ou Recife? Ou aos pobres da região, pessoas que passaram a vida resistindo à seca? Fiz um trabalho pequeno sobre esse assunto quando era professor de planejamento na USP. Estudando a região do Jaguaribe, no Ceará, que pretensamente será a mais beneficiada pela transposição das águas, parei em uma pensão para descansar. Fazia um calor tremendo e fui ao rio. Um senhor olhava suas culturas de mandioca, milho e feijão. Estava vendo se não havia nascido erva daninha. Perguntei se era econômico o que ele estava fazendo. Disse que não sabia, mas que era a base da sua sobrevivência, já que não tinha terras e estava ameaçado por todos os lados. Disse também que os fazendeiros das terras altas, na época da seca, iam ao Recife e a Fortaleza e lá conseguiram que fosse liberada a água dos açudes, no Departamento de Obras.

Com isso, a água alagava e destruía as culturas de gente como aquele senhor, que perdiam a sua última forma de resistência. Veja, não sou contra a idéia da transposição das águas, quero apenas fazer uma previsão de impactos positivos e negativos. O problema essencial é que, para um país do tamanho do Brasil, não basta pegar um pequeno ponto e fazer dele uma demagogia sobre planejamento. Com os R$2 bilhões necessários para iniciar a transposição do São Francisco, seria possível resolver vários outros problemas do Nordeste. Mas, aí, quando o resultado não for o esperado, quem começou a transposição vai dizer que iniciou o projeto e a responsabilidade é de quem não deu continuidade.

Há pouco, conversei com o Professor Aziz ab’Sáber para saber se o conteúdo de sua entrevista de 2004 continuava válido, e ele disse que sim, inclusive enviou-me o artigo que, em janeiro, saiu transcrito na Revista USP, “A transposição de águas do São Francisco: análise crítica”, que peço também seja aqui anexo ao meu pronunciamento.

É um apelo que o Presidente Lula precisa atender. Trata-se de cumprir o que foi combinado quando o então Ministro Jaques Wagner, em nome do Presidente Lula, negociou o fim da greve de fome de Dom Luiz em Cabrobó. A luta de Dom Luiz não é política ou partidária no sentido estreito dessas palavras. Ele não faz oposição ao Governo do Presidente Lula. Ao contrário, na sua carta ele diz que sempre vestiu a camisa do Presidente. “Ainda estamos vestidos nela”, escreveu. E acrescentou: “Nossa contribuição de fiel militante da causa do povo é para que o senhor seja verdadeiramente aquilo a que se propôs, o de ser o presidente de todo o povo brasileiro, especialmente dos pobres deste País, por serem os que mais necessitam de sua atenção”.

Concluindo, Sr. Presidente Flexa Ribeiro, cuja compreensão agradeço muito, digo que, em verdade, o rio São Francisco precisa ser visto não como um problema, mas como uma extraordinária dádiva de Deus, com grandes potencialidades e que precisa ser bem utilizado em benefício de todos os brasileiros. O Congresso Nacional, Senador Eduardo Azeredo, é justamente o ponto de encontro de todos aqueles que queiram contribuir para que consigamos chegar à mais sábia decisão sobre o rio historicamente conhecido como da unidade nacional.

Senador Eduardo Azeredo, V. Exª tem a palavra.

O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - Senador Eduardo Suplicy, a parte final do discurso de V. Exª é exatamente um resumo, ou seja, o rio não é um problema; o rio é uma solução, é um rio de integração nacional. Sou representante de Minas Gerais, Estado do qual se originam 75% da água do São Francisco, ou seja, ¾ da água que chega lá no Atlântico nasce em Minas Gerais. E a nossa preocupação tem sido qual? A preocupação de que a revitalização realmente aconteça. Minas Gerais tem por tradição uma visão bem de Brasil. Não somos um Estado de visão curta, que quer apenas o nosso bem. Entendemos que é exatamente por meio de uma integração que poderemos ter uma vida melhor para todos, ou seja, Minas Gerais faz parte do Brasil, e é assim que temos de trabalhar. Agora, o nosso pé-atrás, eu diria assim, a nossa desconfiança mineira, é porque, ao contrário do que V. Exª coloca aí com uma série de números em relação ao que já foi investido, até agora muito pouco tem sido investido no Rio São Francisco. É um somatório, talvez, de vários projetos e programas que existem já no correr dos anos, mas não programas específicos de revitalização. O São Francisco precisa de recurso novo, recurso de revitalização. Daí a nossa visão. Não sou contra ter um canal que leve água à região que não tem água. Não há problema quanto a isso. Pelo contrário, somos a favor de que se leve água para quem não tem.

(Interrupção do som.)

O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - Mas se espera que esse projeto realmente possa tirar as pessoas que estão à beira do São Francisco da situação em que vivem hoje: não têm água, às vezes, não têm esgoto. E não se trata apenas de levar água para grandes projetos, mas de levar água para todo mundo, para que todos aqueles ribeirinhos sejam beneficiados. O Ministro esteve aqui na semana passada e disse que o Governo teria a previsão de R$1,3 bilhão para a revitalização. Bem mais do que havia sido falado anteriormente, que eram R$400 milhões. Mas o caminho talvez seja exatamente esse que levou o Senador Antonio Carlos Valadares à audiência hoje com o Presidente da Câmara, à qual eu compareci, que é exatamente uma garantia legal de que, durante o período de 20 anos, tenhamos um valor mínimo de R$250 milhões por ano para ser aplicado nessa revitalização. Aí sim, R$250 milhões por ano durante 20 anos seriam cerca de R$20 bilhões equivalentes aos gastos para a transposição. Se for realmente dessa forma, ou seja, com uma garantia legal, acredito que todos aqueles que estão hoje analisando esse projeto verão que se estará buscando efetivamente a revitalização. Queria ainda colocar que o que pode ser gasto de água, o que pode ser outorgado de água é 360m³ por segundo. Na verdade, já temos outorga, contando a transposição, que chega a 330. Vamos ficar realmente com um percentual muito pequeno para novos projetos de irrigação em Minas, na Bahia. Esse é também um ponto importante a ser analisado. O que vai restar de água outorgável no projeto? Então, eu queria só expressar que nós, mineiros, realmente não somos contra a transposição, mas estamos com o pé atrás para termos garantias reais de que a revitalização acontecerá com dinheiro novo. E é o que propõe essa PEC já aprovada no Senado, do Senador Antonio Carlos Valadares, e que esperamos possa ser aprovada também pela Câmara dos Deputados.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Agradeço, Senador Eduardo Azeredo, sua contribuição, que mostra justamente a necessidade de um estudo mais completo, apesar de tudo o que já foi feito. Mas o Congresso Nacional quer conhecer melhor e, ao mesmo tempo, apoiar a iniciativa do Senador Antonio Carlos Valadares.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB - SE) - Senador Suplicy, com a autorização do nosso Presidente, Senador Flexa Ribeiro, que tem sido paciente e, sobretudo, consciente da responsabilidade nossa para com os nossos recursos hídricos, notadamente com a situação preocupante e de crise no rio São Francisco, eu gostaria de dizer que a revitalização é um processo inadiável. Ao longo de quase 500 anos, o São Francisco tem sido vítima da degradação provocada pelo ser humano, pelos próprios brasileiros - o rio São Francisco que já deu tanto em favor do nosso País. Vejo que a energia elétrica que movimenta as nossas máquinas, as nossas indústrias no Nordeste do Brasil e também em Minas Gerais muito deve, pela construção das hidrelétricas no seu leito, ao rio São Francisco. Populações inteiras hoje são iluminadas, recebem a energia que contribui para o desenvolvimento social e econômico da nossa região. E nós devemos tudo isso ao rio São Francisco. Então, é a hora de cuidarmos da sua revitalização, da sua recuperação completa, pelas razões já expostas por V. Exª nesse longo e aprofundado estudo, pronunciado há poucos instantes no Senado Federal. Portanto, a minha palavra neste momento é de que tenho confiança de que a Câmara dos Deputados se volte para essa proposta de emenda à Constituição que teve o apoio do Senado Federal. Já foi aprovada em duas comissões, em todas as instâncias da Câmara dos Deputados. E agora só falta um pequeno empurrão para que tenhamos pelo menos R$250 milhões durante 20 anos para a revitalização. É o mínimo que o brasileiro pode fazer por este rio da unidade, que é um verdadeiro patrimônio da nacionalidade. Revitalizá-lo, reconstituí-lo em benefício da Nação, em benefício do nosso País. Obrigado a V. Exª.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Obrigado, Senador Antonio Carlos Valadares.

No que diz respeito à transposição, ainda existem algumas divergências; no que diz respeito à revitalização e ao seu projeto, há consenso.

Meus cumprimentos.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY.

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SR. EDUARDO MATARAZZO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr.Presidente, Srªs e Srs. Senadores, voltou a preocupar, neste início de 2007, a questão da transposição de águas do rio São Francisco. Derrubadas no Supremo Tribunal Federal as liminares que impediam o início das obras, o Governo federal começa a tomar as providências para tirar o projeto do papel. Anunciou-se a imediata realização de licitações para os projetos executivos da obra. O Ministro Pedro Britto, da Integração Nacional, está fortemente engajado na defesa e realização do projeto, que conta com apoio, empresarial e político, no seu Estado de origem, o Ceará.

O projeto de integração do rio São Francisco com outras bacias hidrográficas do Nordeste tem o objetivo de acabar com o problema da seca no semi-árido brasileiro, problema esse que aflige há mais de cem anos o governo e a sociedade brasileira. A proposta tem uma história tão antiga quanto a seca na região e o debate, que também é tão antigo quanto polêmico, é polarizado pelos argumentos contrários ou favoráveis ao projeto.

Nesse sentido, dois Governadores de Estado do PT, Marcelo Déda e Jacques Wagner, manifestaram dúvidas sobre a validade da transposição. Deram claras indicações, de público, de que não são entusiastas do projeto e desejam maior discussão. Também aqui nesta Casa diversos Senadores expressam opiniões críticas ao projeto e, de apoio, outros. O fato é que a transposição continua dividindo o Nordeste. No resto do País, a questão ainda não suscitou a merecida atenção.

O projeto inicialmente apresentado pelo Governo federal foi aprimorado. Em 1985, o projeto de transposição do antigo e extinto DNOS - Departamento Nacional de Obras e Saneamento, previa a captação, em um único canal, de 300 m³/s de água destinados à irrigação. Esse projeto não previa a revitalização do rio São Francisco, mas apenas a sua integração com os açudes Castanhão, no Ceará, e Armando Ribeiro Gonçalves, no Rio Grande do Norte.

Em 1994, outra proposta, do então Ministério da Integração Regional, previa a captação de 150 m³/s de água, também para a irrigação e em um único canal, sem revitalização do Velho Chico, integrando os açudes Castanhão, Armando Ribeiro Gonçalves e Santa Cruz.

No ano de 2000, o Ministério da Integração Nacional apresentou uma proposta de captação de 48 m³/s em dois canais, para uso múltiplo, também sem prever a revitalização do rio São Francisco e integrando os açudes Castanhão, Armando Ribeiro Gonçalves, Santa Cruz, Epitácio Pessoa, Engenheiro Ávidos, Poço da Cruz e Entremontes, e beneficiando uma população 50% maior do que a dos projetos anteriores. Outros 15 m³/s seriam destinados à irrigação no próprio vale do São Francisco.

Por sua vez, o Plano Plurianual (PPA) do Governo Federal 2004/2007 priorizou inúmeras ações no setor hídrico para a Região Nordeste, que envolve a transposição do São Francisco, com extensão prevista até o ano 2015. O Plano é composto de quatro grandes ações: (1) a integração de bacias do Nordeste; (2) a revitalização ambiental da bacia do São Francisco; (3) os projetos de irrigação na Região; e (4) o Proágua, que visa ao suprimento urbano.

A integração far-se-á por dois canais que serão construídos - um na direção Norte, que atenderá ao Ceará e o Rio Grande do Norte, outro na direção Leste, que levará água para Pernambuco e Paraíba, beneficiando as áreas mais carentes do agreste e dos sertões desses quatro Estados. Essas áreas têm como característica geológica a predominância de terrenos cristalinos (70% da área), onde não é possível armazenar água subterrânea de forma permanente nem desenvolver a açudagem intensiva, uma vez que poucos novos açudes de porte significativo podem ser ainda construídos.

Nessas áreas, a potencialidade hídrica dos rios intermitentes já foi transformada em disponibilidade garantida, ao longo do último século, o que permitiu a vida, embora precária, de uma população de 14,6 milhões de habitantes no Polígono das Secas, segundo o censo de 2000. Significa também que o Nordeste Setentrional detém mais de 50% da população do Polígono. Em contrapartida, a soma das vazões regularizadas garantidas por todos os açudes significativos do Nordeste Setentrional representa apenas cerca 5% da vazão garantida no rio São Francisco pela barragem de Sobradinho.

O segundo ponto priorizado no PPA é a revitalização hidroambiental da bacia do São Francisco. Aliás, vale lembrar, que esse aspecto era apontado pelos críticos ao projeto, como a ex-Senadora Heloísa Helena, de Alagoas, como uma de suas lacunas. Essa é uma ação coordenada pelo Ministério do Meio Ambiente, com a participação do Ministério da Integração Nacional e da sociedade sanfranciscana.

O programa de revitalização contempla ações voltadas para o reflorestamento de áreas críticas, a construção de barragens em rios afluentes, a melhoria da calha navegável do seu curso médio, o tratamento de esgotos das cidades e vilas localizadas nas suas margens, o controle da irrigação e a educação ambiental. Há também ações para a melhoria das condições de vida das comunidades ribeirinhas.

O Governo Federal investiu, em 2004, R$26 milhões nessas ações de revitalização do rio. Em 2005, esses investimentos do rio foram de R$100 milhões, só na área dos Ministérios da Integração Nacional e do Meio Ambiente.

Também há outros recursos destinados ao projeto. Desde 1988, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco - Chesf - repassa, diretamente para os Estados e os municípios da Bacia do São Francisco, 6% do seu faturamento bruto, o equivalente a R$90 milhões por ano. É um dinheiro que deve ser obrigatoriamente aplicado em ações de revitalização do rio. De 1988 até agora, a Chesf já repassou R$1,350 bilhão para os municípios sanfranciscanos.

O Ministério das Cidades, por sua vez, está aplicando R$620 milhões em projetos de saneamento básico e/ou de abastecimento d’água em 86 municípios da Bacia. A degradação do rio, que já dura mais de 100 anos, não é uma ação de curto prazo nem é responsabilidade somente do Governo federal, mas também dos governos estaduais e municipais, que devem trabalhar juntos para o enfrentamento do problema.

As perguntas mais freqüentes com relação a transposição do rio São Francisco são: o que acontecerá após a transposição da bacia do São Francisco? As análises consideraram todas as possibilidades que a interferência na natureza provocaria na região? Está sendo analisada a complexidade sócio-espacial da região?

De acordo com vários pesquisadores, as informações disponíveis fazem referência a sistema de engenharia, onde o espaço é pensado de forma geométrica e não geográfica, ou seja, é calculada a vazão para uma possível retirada - 3,5% da vazão total do rio São Francisco, a capacidade das estações de bombeamento, a extensão dos aquedutos, o diâmetro dos túneis, mas pouco se analisa sobre a complexidade sócio-espacial da região e sobre os impactos sociais desse projeto.

Genericamente os estudos aparecem mais como um conjunto de justificativas para os empreendimentos que consistem em repor vegetação, implantar pequenos parques do que analisar o efeito cumulativo do crescimento das atividades econômicas, da expansão das áreas ocupadas, do crescimento da população, da alteração de vazão dos rios em função da ocupação das várzeas, de um maior consumo de água, da evaporação, das alterações na infiltração das águas pluviais - considerando a impermeabilização -, da destruição das matas de galerias em especial nas áreas de nascentes. Essas alterações, bem como as mudanças climáticas e de microclimas, não estão mencionadas nos estudos disponíveis.

Também não se tem notícia de análise de estudos prévios dos impactos de vizinhança ou do debate sobre os planos diretores de todos os municípios que serão atingidos, como estabelece a Lei nº 10257/01, Estatuto das Cidades, para averiguar se uma obra dessa envergadura atende aos princípios da função social da propriedade.

Ao tratar da transposição do rio São Francisco, deve-se considerar que haverá uma alteração em toda a dinâmica territorial do País. Sendo assim, é necessário que a sociedade brasileira seja envolvida no debate dessa problemática e não apenas o que está definido como áreas dos comitês da bacia do São Francisco. Afinal, como dito pela professora Arlete Moysés Rodrigues - professora livre docente em geografia do IFCH-Unicamp - a natureza não tem fronteira administrativa.

Por outro lado, João Urbano Cagnin, Coordenador dos Estudos de Integração de Bacias da Região Nordeste do Ministério da Integração Nacional, acredita que a integração de bacias no Nordeste irá promover a igualdade de oportunidade para os brasileiros daquela região. Em suas palavras:

“Uma pequena quantidade de pessoas serão removidas, como acontece em todas as grandes obras; porém elas têm a possibilidade de ‘ficar melhor’, pois serão indenizadas corretamente pelo governo”, Diz ele: “Eu defendo o projeto, pois é um dos melhores projetos que temos hoje”.

De acordo com dados do Ministério da Integração Nacional, o projeto de transposição e revitalização do São Francisco vai levar desenvolvimento para a região do semi-árido. Ele é um projeto estruturante que visa à geração de desenvolvimento humano e econômico. Alternativas de combate à seca, como projetos de implantação as cisternas, de dessalinização da água do mar e a utilização de águas subterrâneas, não resolveriam o problema de desenvolvimento da região Nordeste.

João Cagnin afirma ainda que o projeto não trata apenas de levar água para beber, mas para manter as atividades industriais, comerciais e agrícolas da região, e essas atividades exigem uma demanda grande de água:

“Sem esse recurso hídrico as indústrias novas não se instalam e, pior, as que estão lá não conseguem manter suas atividades. Existem casos de indústrias que deixaram de ir para a região porque em época de seca o governo não garante a manutenção de suas atividades, devido à falta de água”.

Dada a magnitude dos recursos e interesses envolvidos, uma decisão cuidadosa é indispensável. Se for para executar o projeto, é preciso explicar a decisão à sociedade brasileira, em especial a Dom Luiz Flávio Cappio, bispo de Barra. Seria uma atitude condizente com o respeito que Dom Luiz demonstra pelo Presidente e que o Presidente demonstra por ele.

Quero deixar aqui uma palavra sobre Dom Luiz, a quem tive a honra de conhecer depois da greve de fome que ele realizou contra a transposição, em Cabrobó. Trata-se de uma pessoa de grande seriedade, que se dedica desde o início dos anos 70 às pessoas pobres do vale do São Fransisco. Ele conhece os problemas sociais e ecológicos da região e é profundamente respeitado por todos. É uma temeridade ignorar as suas ponderações.

No dia 21 de fevereiro último, Dom Luiz enviou uma carta ao Presidente da República, que peço seja registrada na íntegra nos Anais do Senado. A disposição dele é retomar o diálogo sobre o São Francisco e as soluções para o semi-árido, diálogo que ele considera apenas iniciado.

Na sua carta ao Presidente Lula, Dom Luiz menciona, entre outros aspectos, que o custo das obras iniciais do projeto de transposição de águas do São Francisco está estimado em R$6,6 bilhões, mais da metade de todo o orçamento destinado a recursos hídricos no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Recorda, também, que o Tribunal de Contas da União (TCU) divulgou relatório afirmando que o projeto não beneficia o número de municípios e de pessoas que o governo federal afirma que atingirá.

Em sua carta, Dom Luiz lembra que a Agência Nacional de Águas (ANA), organismo de Estado, criado para a gestão estratégica do uso da água no Brasil, “propõe 530 obras para solucionar os problemas de abastecimento hídrico em todos os núcleos urbanos acima de 5.000 (cinco mil) habitantes do semi-árido brasileiro até 2015. Essas obras beneficiariam as populações mais necessitadas, e custariam 3,6 bilhões de reais, portanto, mais baratas, mais abrangentes, mais eficientes que qualquer obra de transposição hídrica”.

O governo, em especial o Ministério de Integração Regional, certamente tem argumentos sólidos a apresentar nesse debate. Não há porque não realizá-lo, com a devida profundidade, antes do início das obras.

Aos críticos do projeto, cabe também apresentar de forma convincente, não só a crítica à transposição, mas um detalhamento das alternativas.

Dom Luiz, assim como muitos outros técnicos e especialistas, está convencido de que existem alternativas melhores, socialmente mais justas e mais baratas do que a imensa obra de transposição de águas do São Francisco para o Nordeste Setentrional.

Em sua carta ao presidente Lula, ele afirma:

“Em nosso encontro [em dezembro], o senhor me disse que ‘não seria louco de levar essa obra à frente se apresentássemos uma alternativa melhor’. Agora, somando as obras propostas pela ANA juntamente com as iniciativas de captação, armazenamento e manejo de água de chuva desenvolvidos pela Articulação do Semi-Árido (ASA), o senhor tem uma chance de escolha muito melhor, pela qual seu governo ficará marcado para sempre na história do nordeste brasileiro, sua terra natal. Não faltam alternativas. Falta uma decisão política mais lúcida. Nosso pedido, senhor presidente, é que se retome o diálogo e que se garanta que seja amplo, transparente, verdadeiro e participativo, incluindo toda a sociedade do São Francisco e do Semi-Árido, conforme foi pactuado em Cabrobó em outubro de 2005 e renovado através de pedido formal por carta protocolada em 6 de fevereiro último”.

Também o professor Aziz ab’Saber, que comigo acompanhou o presidente Lula em algumas de suas caravanas pela cidadania, entre as quais a região do rio São Francisco, em entrevista ao Jornal da Ciência de dezembro de 2004, formulou um alerta sobre o projeto de transposição das águas do rio São Francisco:

“Essa história me deixa indignado porque eles, os governantes e os políticos, não têm noção de escala, e sabem que o povo também não tem. O semi-árido tem 750 mil quilômetros quadrados, no mínimo. A transposição não irá resolver o problema. É preciso também saber a quem irá servir a transposição das águas. Se servirá aos capitalistas, que têm fazendas e moram em apartamentos chiques em Fortaleza ou Recife? Ou aos pobres da região, pessoas que passaram a vida resistindo à seca? Fiz um trabalho pequeno sobre esse assunto, quando era professor de Planejamento, na USP. Estudando a região do Jaguaribe, no Ceará, que pretensamente será a mais beneficiada pela transposição das águas, parei em uma pensão para descansar. Fazia um calor tremendo e fui ao rio. Um senhor olhava suas culturas de mandioca, milho e feijão. Estava vendo se não havia nascido erva daninha. Perguntei se era econômico o que ele estava fazendo. Disse que não sabia, mas que era a base de sua sobrevivência, já que não tinha terras e estava ameaçado por todos os lados. Disse, também, que os fazendeiros das terras altas na época da seca iam ao Recife e a Fortaleza, e lá conseguiam que fosse liberada a água dos açudes, no Depto. de obras. Com isso, a água alagava e destruía as culturas de gente como aquele senhor, que perdiam a sua última forma de resistência. Veja, não sou contra a idéia da transposição das águas, quero apenas fazer uma previsão de impactos positivos e negativos. O problema essencial é que, para um país do tamanho do Brasil, não basta pegar um pequeno ponto e fazer dele uma demagogia sobre planejamento. Com os R$ 2 bilhões necessários para iniciar a transposição do São Francisco, seria possível resolver vários outros problemas do Nordeste. Mas, aí, quando o resultado não for o esperado, quem começou a transposição vai dizer que iniciou o projeto e a responsabilidade é de quem não deu continuidade”.

É um apelo que o Presidente Lula precisa atender. Trata-se de cumprir o que foi combinado quando o então Ministro Jacques Wagner, em nome do Presidente Lula, negociou o fim da greve de fome de Dom Luiz em Cabrobó. A luta de Dom Luiz não é política ou partidária no sentido estreito dessas palavras. Ele não faz oposição ao Governo Lula. Ao contrário, na carta mencionada, ele declara que sempre vestiu a camisa do Presidente Lula. “Ainda estamos vestidos nela”, escreveu. E acrescentou: “Nossa contribuição de fiel militante da causa do povo é para que o senhor seja verdadeiramente aquilo a que se propôs, o de ser o presidente de todo o povo brasileiro, especialmente dos pobres deste país, por serem os que mais necessitam de sua atenção”.

Em verdade o rio São Francisco precisa ser visto não como um problema, mas como uma extraordinária dádiva de Deus, com grandes potencialidades, que precisa ser bem utilizado em beneficio de todos os brasileiros. O Congresso Nacional é justamente o ponto de encontro de todos aqueles que queiram contribuir para que consigamos chegar a mais sábia decisão sobre o rio historicamente conhecido como da unidade nacional.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO

(Inserido nos termos do inciso I e § 2º do art. 210 do Regimento Interno.)

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Matérias Referidas:

“A transposição de águas do São Francisco: análise crítica” (Aziz ab’Sáber)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/03/2007 - Página 4263