Discurso durante a 18ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Voto de pesar pelo falecimento do ex-presidente da CNBB, Dom Ivo Lorscheiter, ocorrido nesta segunda-feira, 05 de março.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. REFORMA AGRARIA.:
  • Voto de pesar pelo falecimento do ex-presidente da CNBB, Dom Ivo Lorscheiter, ocorrido nesta segunda-feira, 05 de março.
Aparteantes
Garibaldi Alves Filho, Ideli Salvatti, Renato Casagrande.
Publicação
Publicação no DSF de 06/03/2007 - Página 3807
Assunto
Outros > HOMENAGEM. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, BISPO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), EX PRESIDENTE, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), ELOGIO, BIOGRAFIA, VIDA PUBLICA, EMPENHO, AUXILIO, POPULAÇÃO, POBREZA.
  • REGISTRO, EFICACIA, GOVERNO, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, ASSENTAMENTO RURAL, FAMILIA, GARANTIA, ACESSO, CREDITO RURAL, ASSISTENCIA TECNICA, EDUCAÇÃO, SEGURO AGRARIO, BENEFICIO, SUPRESSÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, MELHORIA, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.
  • COMENTARIO, EFICACIA, AGRICULTURA, ECONOMIA FAMILIAR, CRIAÇÃO, RENDA, EMPREGO.
  • ELOGIO, PRODUÇÃO, Biodiesel, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, DIVERSIFICAÇÃO, RECURSOS ENERGETICOS, AUMENTO, OPORTUNIDADE, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, IMPORTANCIA, REFORMA AGRARIA, APERFEIÇOAMENTO, CIDADANIA, MELHORIA, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.
  • ESCLARECIMENTOS, SITUAÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL, MUNICIPIO, MOSSORO (RN), ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN), EFICACIA, GARANTIA, GOVERNO, FORNECIMENTO, ENERGIA ELETRICA, IRRIGAÇÃO, TERRAS, INAUGURAÇÃO, ESCOLA FAZENDA, FUNCIONAMENTO, CENTRO DE SAUDE, QUALIDADE, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO.
  • REGISTRO, PRETENSÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO, REALIZAÇÃO, APERFEIÇOAMENTO, QUALIDADE, ASSENTAMENTO RURAL, MELHORIA, SITUAÇÃO, FAMILIA, AMPLIAÇÃO, PRODUÇÃO AGRICOLA.

     O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Para encaminhar. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Mão Santa, morreu nesta segunda-feira aos 79 anos, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, Dom Ivo Lorscheider. Estava internado na UTI desde 25 de fevereiro devido a uma infecção respiratória e intestinal resultante de complicações pós-cirúrgicas.

     Dom Ivo nasceu a 7 de dezembro de 1927, em São José do Hortêncio. No momento do parto, os médicos viram nascer Lúcia, gêmea do religioso, e não perceberam que havia outro bebê a caminho. Ele quase morreu asfixiado. Essa foi a primeira vez que viu a morte de perto durante sua vida.

     Quando estudava Teologia na Universidade Gregoriana de Roma, nos anos 50, ao participar de um jogo de futebol, levou uma bolada na barriga e, de novo, quase morreu, vítima de inflamação do peritônio, camada que reveste o intestino.

Em 1974, retirou o baço um dia após tomar posse como bispo diocesano de Santa Maria (RS).

     Apesar da saúde frágil, ele saía pelas estradas de terra para visitar as 38 paróquias e mais de 800 capelas da região de sua diocese.

     De uma família de pequenos agricultores descendentes de alemães, teve sete irmãos, um deles jesuíta no Japão. Também era primo de Dom Aloísio Lorscheider. A troca do “t” pelo “d” no sobrenome teria sido um lapso do tabelião do cartório.

     A origem familiar contribuiu para firmar suas convicções sobre a reforma agrária. Dom Ivo defendia a função social da terra sem esmorecer.

     Poliglota, falava cinco idiomas. Cumpriu dois mandatos como Secretário-Geral e outros dois como Presidente da CNBB, durante o regime militar. “Naquele tempo era mais fácil definir os campos, porque a ditadura não tinha benevolência. hoje, todos falam em democracia” - afirmava ele.

     No dia 21 de abril de 2004, Dom Ivo completou 30 anos como Bispo da Diocese de Santa Maria.

     No dia 24 de março, o Papa João Paulo II aceitou sua renúncia por limite de idade, 75 anos, completados no dia 7 de dezembro de 2002, permanecendo trinta anos à frente da Diocese. Entre os cargos que ocupou, de 1972 a 1978, foi Secretário-Geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil); de 1979 a 1986, Presidente da CNBB por dois mandatos consecutivos. Nesse período, Dom Ivo Lorscheider muito contribuiu para o processo de democratização do Brasil e para o processo de defesa dos direitos da pessoa humana.

     Nesta segunda-feira, o Brasil fica um pouco mais triste, órfão de uma pessoa amiga e sensível como Dom José Ivo Lorscheider, que passou sua vida lutando pelos mais humildes e excluídos.

     Aliás, como Dom Ivo Lorscheider era um grande defensor da reforma agrária e tendo em vista, inclusive, as observações do Líder Senador José Agripino, do PFL, eu gostaria, Sr. Presidente, antes de conceder os apartes, Srª Líder, querida Senadora Ideli Salvatti, de aqui fazer algumas observações a propósito daquilo que disse o Senador José Agripino, até porque acho importante registrar um breve balanço que o Ministro Guilherme Cassel fez a respeito da atualidade da reforma agrária e dos avanços ocorridos.

Nos últimos quatro anos, o Governo Federal assentou 381.419 famílias e destinou, para reforma agrária, uma área de 32 milhões de hectares. Área maior do que a de Suíça, Portugal, Bélgica, Dinamarca e Holanda juntos. Só em obtenção de terras, o Governo investiu R$4 bilhões. Nunca tantas famílias foram assentadas em tão pouco tempo. Além da terra, garante-se o acesso a crédito, assistência técnica, educação, seguro e políticas de agroindustrialização e comercialização.

Mas a pergunta que alguns ainda fazem é se, nestes tempos, ainda são necessários programas de reforma agrária. Se a chamada modernização já não teria resolvido os problemas da agricultura brasileira.

Não tenho dúvida em afirmar que a reforma agrária é uma agenda contemporânea e fundamental, especialmente no Brasil, que assumiu o desafio de trilhar um novo caminho de desenvolvimento, ambientalmente sustentável, capaz de superar as desigualdades sociais e econômicas.

Nas décadas de 70 a 90, foi implantado um modelo agrícola que promoveu a expansão da produção e da produtividade agropecuária, estimulando a monocultura, a pecuária extensiva e o uso intensivo de insumos químicos e recursos naturais.

O resultado dessa política foi a concentração fundiária, que expulsou milhares de famílias do meio rural para os cinturões de miséria das grandes cidades, a contaminação e o assoreamento de rios e o esgotamento dos solos nas regiões tradicionais, o desmatamento e o acirramento dos conflitos nas novas áreas, em especial na Amazônia. E, ainda, a permanência da dominação política, pois, no Brasil, o poder político e a propriedade da terra sempre andaram de mãos dadas.

Essas não são conseqüências inevitáveis da modernização e não as queremos mais para o futuro do País. Essa modernização conservadora produziu também um mito: o de que só é possível obter uma agricultura produtiva, competitiva e dinâmica baseada em um modelo de grandes propriedades, altamente mecanizadas. Nada mais falso.

As estatísticas oficiais demonstram que a agricultura familiar gera mais renda por hectare em todas as regiões do País e em quase a totalidade das culturas, além de gerar muito mais postos de trabalho (1 ocupação para cada 8 ha versus 67 ha exigidos pela agricultura patronal). Com apenas 30% da área, a agricultura familiar é responsável por 38% de toda a produção agropecuária brasileira, suas cadeias produtivas representam 10% do PIB do País (cerca de R$150 bilhões) e alguns dos setores mais dinâmicos do complexo agroindustrial estão assentados majoritariamente sobre a produção primária da agricultura familiar, como são os casos de aves, fumo e leite.

A inevitabilidade, assim, da expulsão de milhões de sobrantes e do dano crescente à biodiversidade como tributos necessários ao aumento da produção agropecuária é uma falácia.

A escolha do modelo de desenvolvimento do meio rural brasileiro é, acima de tudo, uma escolha política da sociedade, e não uma imposição econômico-tecnológica. O programa de biodiesel é um bom exemplo dessa nova visão. Diferente do Proálcool, é um instrumento para diversificar a matriz energética, combater o aquecimento global. Ele garante a democratização da renda e das oportunidades de desenvolvimento.

Nesses marcos é que se insere a atualidade da reforma agrária do Governo Federal. Projeta para o conjunto do País a democratização do poder e da renda, a ocupação mais equilibrada do território, uma estrutura fundiária democratizada, uma agricultura diversificada e sustentável, com homens e mulheres que trabalham, preservam o meio ambiente, valorizam suas identidades culturais. Seletiva, volta-se para as grandes propriedades improdutivas, que não cumprem a função social como reza a Constituição.

            A reforma agrária é parte desse caminho, moderno e atual, para o desenvolvimento nacional, para a construção da cidadania de um povo que não abre mão de sua esperança e de seus sonhos.

     Eu gostaria, inclusive, de aqui dar algumas informações sobre o projeto do assentamento Maísa, em Mossoró, no Rio Grande do Norte, sobre o qual tecia considerações, há pouco, o Líder do PFL, do Rio Grande do Norte, o prezado Senador José Agripino, a quem passei o telefonema do Ministro Guilherme Cassel, que me deu as informações de que a intenção primeira do Governo do Presidente Lula é a de aprimorar a qualidade de todos os assentamentos.

     Ali, no assentamento Maísa, já há 1.150 famílias, correspondendo a quatro mil pessoas. Todas têm casas com a devida eletrificação. Em 45 dias, haverá a ligação do sistema de irrigação, no assentamento. Há 1.150 cisternas construídas. Portanto, uma para cada uma das residências das famílias assentadas.

     Nos próximos trinta dias, serão colhidas 30 toneladas de acerola. No ano todo de 2007 serão 200 toneladas de acerola, comprovando, portanto, que o assentamento tem resultados positivos. Ademais, em convênio com a prefeitura, de responsabilidade da Prefeita Fátima Rosado, do PFL - o Senador Garibaldi Alves certamente tem conhecimento disso -, houve um entendimento com o assentamento Maísa para compra de hortaliças, semanalmente.

     Será inaugurada, nos próximos dias, a maior escola rural de Mossoró, com dez salas de aula. Além disso, está funcionando um centro de saúde com sete salas, provendo uma qualidade de atendimento à saúde muito significativa e superior àquela que havia até 2003.

     Acrescento que o Ministro Guilherme Cassel considera importante, ao mesmo tempo, ampliar a Reforma Agrária. Ele avalia que será próprio que haja, pelo menos, cerca de cem mil famílias assentadas nos próximos quatro anos. Mas é importante o propósito do Presidente Lula e do Ministro Guilherme Cassel, do Desenvolvimento Agrário, de, concomitantemente, assentar mais famílias e melhorar sempre a qualidade dos assentamentos, para que possam as famílias de agricultores produzir mais e melhor.

     Concedo um aparte, com muita honra, à Senadora Ideli Salvatti.

A Srª Ideli Salvatti (Bloco/PT - SC) - Senador Eduardo Suplicy, V. Exª prestou as informações devidas e necessárias com relação à questão da Reforma Agrária: os avanços e todas as ações implementadas nesses quatro anos pelo Governo Lula. V. Exª iniciou seu pronunciando falando de D. Ivo Lorscheider, uma pessoa que, ao longo de toda a vida, teve um comprometimento explícito, militante, cotidiano, com uma visão que na igreja se denominou Teologia da Libertação. Aqui no Brasil, temos nomes significativos em defesa desse ponto de vista. Alguns, inclusive, já não estão mais conosco, como, por exemplo, Dom José Gomes, cuja perda sempre lamentamos, lá em Santa Catarina, pois foi uma figura que realizou um trabalho belíssimo na organização dos agricultores, na organização das mulheres agricultores e em toda a luta pela reforma agrária. Temos, também, na Igreja, outros nomes, porque vivenciamos um período muito amargo, muito duro, muito difícil, durante a ditadura militar, em que parcela considerável da Igreja foi o nosso abrigo, foi, digamos, o nosso guarda-chuva, onde podíamos, minimamente, atuar e buscar fazer valer o direito dos mais oprimidos, dos injustiçados pelas condições de opressão e injustiça social que, infelizmente, grassam a tantos séculos no nosso País. Muitas figuras da Igreja tiveram a coragem de assumir esse papel, como Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Tomás Balduíno, Dom Mauro Morelli, Dom Ivo Lorscheider, Leonardo Boff, Frei Betto - poderíamos fazer uma lista imensa - e Dom José Gomes, que já não se encontra mais conosco. E agora, também, Dom Ivo Lorscheider. considero muito importante que o Senado se manifeste e coloque o sentimento profundo de perda que se abate sobre todos, porque ele foi um personagem da história do nosso País que teve lado, teve compromisso, teve militância, teve coragem evangélica de estar ao lado dos pobres e dos oprimidos.

Então, é sob esse contexto que temos de sentir mesmo, de estarmos profundamente entristecidos com a sua ida, com essa perda para o nosso País, para todos aqueles que defendem a causa da justiça e a causa da maioria da população. Parabenizo V. Exª por estar encabeçando o requerimento, que eu assinei, assim como vários outros Parlamentares. É uma perda muito grande para o nosso País e, principalmente, para aqueles que, durante tanto tempo, por não terem nenhuma alternativa de socorro, se utilizaram daquele adágio popular de se queixar ao bispo. Eles se queixaram e tiveram acolhida em várias figuras da Igreja, mesmo algumas não sendo bispo. No caso de Dom Ivo, Sua Eminência cumpriu a tarefa de acolher as queixas, o choro, a amargura e o apelo dos que estavam sofrendo.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Agradeço a V. Exª, Senadora Ideli Salvatti.

Quero assinalar que também assinaram o requerimento o Presidente Renan Calheiros e os Senadores Mão Santa, César Borges, Papaléo Paes e Heráclito Fortes.

O Sr. Renato Casagrande (Bloco/PSB - ES) - Senador, permite-me um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Senador Renato Casagrande, ouço V. Exª, com muita honra.

O Sr. Renato Casagrande (Bloco/PSB - ES) - Senador Eduardo Suplicy, quero assinar o requerimento.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Está sobre a mesa.

O Sr. Renato Casagrande (Bloco/PSB - ES) - Eu gostaria de assiná-lo, Presidente Senador Mão Santa, pelo reconhecimento da vida, da história, da dedicação, dos serviços prestados por Dom Ivo Lorscheider ao nosso País e à nossa democracia. Dom Ivo foi da CNBB em um momento de muita dificuldade política no Brasil, na época da ditadura militar, quando não havia nenhuma liberdade política, individual ou coletiva. Sua presença e sua ação sempre foram um sustentáculo para os democratas brasileiros. Sua morte faz com que possamos relembrar sua história, sua trajetória e o compromisso que a Igreja teve - e precisa ter - com a consolidação das nossas instituições. Quero parabenizá-lo pelo pronunciamento e pelo requerimento de iniciativa de V. Exª e, juntamente com a população brasileira, reconhecer todo serviço e trabalho prestado por Dom Ivo durante sua militância religiosa e direção frente à CNBB. Ele merece o nosso aplauso e o nosso reconhecimento. Obrigado, Senador Eduardo Suplicy.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Obrigado, Senador Renato Casagrande. Agradeço a V. Exª pela solidariedade e pela homenagem que faz ao extraordinário líder religioso Dom Ivo Lorscheider.

Quero assinalar que o Senador Gilvam Borges também assinou o requerimento, assim como o Senador Renato Casagrande.

Concedo um aparte ao Senador Garibaldi Alves Filho, que acredito que também queira fazê-lo.

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Já o assinei. Eu estava viajando e soube do falecimento de Dom Ivo Lorscheider ao chegar aqui.

            Quero prantear sua memória. Quero dizer, a exemplo do Senador Renato Casagrande, da sua atuação, que foi destemida, que foi corajosa, principalmente quando o País experimentava o regime militar, a sua dureza e todas aquelas conseqüências que vimos de perto. Dom Ivo foi sempre uma palavra muito altaneira e um líder religioso que não se deixava influenciar por correntes, mas que era sempre um intransigente defensor da nossa democracia, além, é claro, de um religioso muito atuante.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado, Senador Garibaldi Alves Filho. Suas palavras completam a homenagem que todos nós no Senado desejamos fazer a Dom Ivo Lorscheider, que tanto contribuiu para que pudessem as pessoas, no Brasil, ter condições de vida, de dignidade, também com muita religiosidade.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/03/2007 - Página 3807