Discurso durante a 30ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre publicação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), organizada pela pesquisadora Anna Maria Peliano, intitulada Desafios e Perspectivas da Política Social.

Autor
Papaléo Paes (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Comentários sobre publicação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), organizada pela pesquisadora Anna Maria Peliano, intitulada Desafios e Perspectivas da Política Social.
Publicação
Publicação no DSF de 21/03/2007 - Página 6064
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • IMPORTANCIA, PUBLICAÇÃO, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), ESTUDO, SUBSIDIOS, PLANEJAMENTO, POLITICA SOCIAL, DETALHAMENTO, SITUAÇÃO, SAUDE, ALTERAÇÃO, MAIORIA, MORTE, DOENÇA TRANSMISSIVEL, DOENÇA CRONICA, APREENSÃO, FALTA, RECURSOS, TRATAMENTO, INFERIORIDADE, NIVEL, EDUCAÇÃO, POPULAÇÃO, AUMENTO, GASTOS PUBLICOS, GASTOS PESSOAIS, INCAPACIDADE, TRABALHADOR.
  • NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, MODELO, SISTEMA, SAUDE PUBLICA, PRIORIDADE, PREVENÇÃO, DOENÇA CRONICA.
  • QUESTIONAMENTO, APLICAÇÃO DE RECURSOS, PROGRAMA, SAUDE, FAMILIA, AUSENCIA, REDUÇÃO, DOENÇA CRONICA, NECESSIDADE, MINISTERIO DA SAUDE (MS), MELHORIA, COORDENAÇÃO, PREVENÇÃO, PRESERVAÇÃO, REGISTRO, PROPOSIÇÃO, TRAMITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, OBRIGATORIEDADE, APLICAÇÃO, PERCENTAGEM, RECURSOS ORÇAMENTARIOS.

O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, este momento em que se reiniciam os trabalhos do Legislativo coincide com o início de mais um período de quatro anos durante os quais o Governo do Presidente Lula terá nova chance de fazer valer os milhões de votos de confiança nele depositados pela população brasileira.

Oportuno é, portanto, que se aproveite esta ocasião para uma cuidadosa análise do atual panorama sócio-político-econômico brasileiro e que se tracem estratégias de ação.

A esse propósito, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) lançou, no final do ano passado, uma publicação intitulada Desafios e Perspectivas da Política Social, organizada pela reconhecida pesquisadora Anna Maria Peliano. Entre as páginas 40 e 52 desse trabalho são abordados os principais desafios colocados ao sistema de saúde brasileiro. Por causa da extrema relevância das questões ali apresentadas, trago algumas delas ao foro de debate desta Casa legislativa.

Sr. Presidente, o Brasil vive hoje um quadro comum a diversas nações em desenvolvimento. Por um lado, tem-se uma relativa diminuição da mortandade e da incidência de doenças infecto-contagiosas - malária, tuberculose, dengue e Aids, por exemplo.

De fato, há apenas algumas poucas décadas, os grupos mais pobres da população brasileira - o que implica sua maioria - morriam majoritariamente de doenças infecciosas e nutricionais. Os processos de desenvolvimento econômico, de urbanização e de envelhecimento da população mudaram esse quadro.

Agora, essa mesma fatia populacional compõe o grupo de maiores vítimas de doenças crônicas não-transmissíveis (DCNTs) - como as cardiovasculares, as neoplasias e as do aparelho respiratório. Essa migração da causa mortis não é um fenômeno exclusivo do Brasil ou de países em desenvolvimento, mas adquire uma característica mais desfavorável nestes devido, sobretudo, à escassez de recursos, ao baixo nível educacional da população e à insuficiência ou à inadequação dos serviços de atenção à saúde.

É oportuno ressaltar que essas doenças crônicas têm um forte impacto sobre os orçamentos públicos e das famílias, visto que nem sempre levam seu portador à morte, mas o incapacitam por longos períodos. Não foi por menos que, em 2004, por exemplo, essas enfermidades responderam por cerca de dois terços dos auxílios-doença e das aposentadorias por invalidez.

Temos, hoje, que as DCNTs são responsáveis por 66% da carga total da doença, ou seja, a soma dos anos de vida saudável perdidos por morte precoce ou por incapacidade. Em 2004, as doenças do aparelho circulatório, as neoplasias e as doenças do aparelho respiratório responderam por aproximadamente 60% do total de mortes por causas definidas.

Esse novo quadro de saúde populacional obviamente torna necessária uma forte mudança de paradigma nas ações de saúde pública.

O modelo atual de atenção médico-hospitalar está defasado. Ainda priorizamos a doença em lugar de priorizar a saúde. O Sistema Único de Saúde (SUS) está mais voltado para a cura de doenças já estabelecidas do que para sua prevenção. Privilegiamos a cultura do hospital, da doença, dos tratamentos de alta complexidade, o que interessa sobretudo aos grandes grupos econômicos, responsáveis pelos tratamentos de alto custo, pelos transplantes e pelos exames de média e alta complexidade.

Por outro lado, o modelo curativista adotado nos hospitais não é apenas uma questão de opção governamental, mas também um aspecto arraigado na cultura brasileira. Uma maneira de mudar isso seria priorizar a atenção básica e oferecer equipes multiprofissionais que façam a orientação, o acompanhamento e a prevenção para impedir que as doenças apareçam ou se agravem.

Embora se saiba que a prevenção seja a palavra de ordem quando se fala em doenças crônicas não-transmissíveis, as ações integradas voltadas para a promoção da saúde e prevenção dessas enfermidades ainda são incipientes no Brasil. A maior parte dos recursos encontra-se alocada em ações de assistência à saúde: medicamentos, internações, atendimentos ambulatoriais e consultas médicas, mais assistenciais do que de prevenção. Apesar de terem sido ampliados os recursos para a atenção básica, as atividades de promoção e prevenção ainda não são o centro da política nacional de saúde.

Os investimentos no Programa Saúde da Família (PSF), por exemplo - que cuida da prevenção e da atenção básica -, aumentaram em cerca de 160%, contudo, o número de casos de DCNTs não diminuiu. Essa é uma evidência de que, apesar de os números consolidados indicarem que houve certa racionalidade no direcionamento dos gastos, algo está errado na aplicação efetiva dos recursos e, possivelmente, na fiscalização de sua aplicação.

O trabalho do Ipea, ao qual me referi no início deste pronunciamento, alerta, com exatidão, para a necessidade de ampliar e de fomentar políticas coordenadas que atuem sobre os fatores de risco envolvidos na expansão das doenças crônicas não-transmissíveis (DCNTs).

De fato, apesar da larga experiência do Ministério da Saúde na inclusão de diversos atores sociais, a articulação e coordenação de ações intersetoriais na promoção e prevenção ainda precisa avançar muito. Há a absoluta necessidade de se propor concretamente a articulação e a coordenação de ações envolvendo agências governamentais e entidades da sociedade civil de forma a gerar soluções consensuais para atuação conjunta eficaz sobre o problema.

No âmbito do Poder Legislativo, há muito que se fazer para que a saúde pública brasileira melhore. Em especial, quero destacar que um dos grandes obstáculos ao bom funcionamento do SUS reside na falta de regulamentação da Emenda Constitucional (EC) nº 29, de 2000. A falta da lei complementar prevista nessa Emenda permite que muitos gestores empreguem recursos da dotação orçamentária para a saúde no pagamento de despesas relacionadas a outras finalidades, como coleta de lixo, saneamento básico, proventos de aposentadorias, merenda escolar, vale-gás, bolsa-alimentação e outras.

Com o propósito de cumprir a determinação da EC nº 29, de 2000, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar nº 1, de 2003, de autoria do Deputado Roberto Gouveia, que regulamenta o § 3º do artigo 198 da Constituição Federal. Esse projeto recebeu pareceres favoráveis nas Comissões de Seguridade Social e Família (CSSF) e de Finanças e Tributação (CFT) daquela Casa Legislativa e, desde o dia 10 de abril de 2006, aguarda apreciação pelo Plenário. Este momento é mais que oportuno para reavaliar a urgência de apreciação dessa matéria.

Ademais, a pesquisa nas páginas eletrônicas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, utilizando-se apenas os argumentos “Sistema Único de Saúde” e “SUS”, mostra a existência de mais de duzentos projetos de leis em tramitação, o que revela a necessidade de que continuemos nos debates para o aprimoramento deste que é o maior sistema público de saúde do mundo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao longo das últimas décadas, como já mencionei, vemos uma migração das causas de mortalidade no Brasil das doenças infecto-contagiosas para as crônicas não-transmissíveis - como as cardíacas, as neoplasias (câncer) e as do sistema respiratório. O paradigma antigo de atenção à saúde voltada para a cura e o tratamento está fadado a levar o sistema público de saúde ao colapso. De outro lado, as doenças crônicas têm imposto uma carga financeira excessiva ao orçamento público, levando inúmeras pessoas em idade produtiva à incapacitação para o trabalho. A palavra de ordem agora é prevenção. Sem mudança de hábitos, nossa população continuará a ficar cada vez mais doente e o ônus social será excessivamente pesado.

Como há uma necessidade óbvia de ações multisetoriais que sejam capazes de interferir nos hábitos, e mesmo na maneira como a população enxerga o cuidado com a saúde, é absolutamente imprescindível que o Governo Lula nos surpreenda com uma demonstração de grande competência em desenvolver ações conjuntas, interministeriais, ações que sejam capazes de mobilizar efetivamente setores civis e não-governamentais da sociedade para que possamos combater os problemas de saúde pública que a modernidade nos propõe.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/03/2007 - Página 6064