Discurso durante a 36ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem à Campanha da Fraternidade de 2007, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, intitulada Fraternidade e Amazônia, com o lema - Vida e Missão neste Chão.

Autor
Sibá Machado (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Machado Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. IGREJA CATOLICA.:
  • Homenagem à Campanha da Fraternidade de 2007, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, intitulada Fraternidade e Amazônia, com o lema - Vida e Missão neste Chão.
Publicação
Publicação no DSF de 28/03/2007 - Página 6759
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. IGREJA CATOLICA.
Indexação
  • CONGRATULAÇÕES, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), IMPORTANCIA, DEFESA, REGIÃO AMAZONICA, SIMULTANEIDADE, DIVULGAÇÃO, RELATORIO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), ADVERTENCIA, RISCOS, UTILIZAÇÃO, RECURSOS NATURAIS, PREVISÃO, ALTERAÇÃO, CLIMA, AUMENTO, NIVEL, AGUA, OCEANO.
  • REGISTRO, HISTORIA, REGIÃO AMAZONICA, DESCOBERTA, RIO AMAZONAS, DESTRUIÇÃO, MEIO AMBIENTE, GENOCIDIO, COMUNIDADE INDIGENA, EXPLORAÇÃO, MINERIO.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, representantes religiosos aqui presentes, o nosso Cônego José Carlos Dias Toffoli, representante da CNBB, Senadores Flávio Arns e José Nery, acho realmente muito importante o convite que V. Exªs Senadores fizeram à CNBB para esta homenagem.

O trabalho que a CNBB desenvolve desde o início da década de 60, trazendo temas tão importantes da nossa comunidade e que visam chamar o Brasil à reflexão, é digno, sim, de homenagens que não apenas essa. Que possamos transportar esta homenagem - e tantas outras que não podemos mencionar - como símbolo do apreço do Senado Federal pela respeitabilidade, compreensão e interesse que tem nas Campanhas da Fraternidade.

Cônego José Carlos Dias, eu estudei um pouco na geografia a História da Humanidade e os diversos mecanismos tecnológicos de aproveitamento da natureza. Uma das coisas lá colocadas é que, quanto mais primitivo o ser, maior a presença de Deus na natureza.

Então, Deus estava na natureza, e o homem foi gradativamente, à medida que ampliava o conhecimento tecnológico, tirando Deus da natureza e colocando-o em si. Então, Deus está nos céus, e os homens são a sua imagem e semelhança. A natureza é um instrumento de Deus para que os homens pudessem viver bem, pudessem viver em harmonia e usufruir dessa oportunidade de ter passado pela Terra.

No surgimento do sistema capitalista, essa situação ficou a tal ponto que passamos a ter um grave problema da ocupação dos bens da natureza - a sua ocupação, a sua transformação, o seu benefício e o seu uso.

O que nós estamos vivendo neste momento, ter colocado a Amazônia como centro da reflexão do ano de 2007, não poderia ter sido melhor, porque é o momento em que a ONU promulga o seu relatório falando sobre o perigo do mau uso, principalmente dos combustíveis fósseis, do mau uso dos solos, do mau uso das florestas, da água e de tantos benefícios que a natureza nos dá, e impondo o iminente aquecimento do Planeta de até quatro graus centígrados, levando à possibilidade de se dizimarem grandes cidades litorâneas não só do Brasil, mas também de muitas parte do mundo. Sessenta e cinco por cento da população do Brasil mora no litoral - nas grandes cidades próximas ao litoral -, e muitas das cidades, a baixas altitudes, com o aumento do volume de água, certamente ficarão submersas. E o que dizer de países como Bangladesh, que, até a 200 quilômetros de interiorização nesse país - da beira-mar para dentro -, tem no máximo 10 metros de cota, com população de milhões de pessoas, um país muito pobre?

Essas reflexões me fazem jogar agora o pensamento na Amazônia. À chegada dos portugueses, já se dizia que havia um grande lago no centro da América do Sul de que emanavam dois grandes rios e que lá estava um grande Eldorado: ouro e prata em abundância. São culturas completamente diversas e adversas que, às vezes, se encontram de maneira conflituosa.

Os espanhóis tentaram descobrir esse grande lago a partir do Oceano Pacífico, e os portugueses o tentaram a partir do Oceano Atlântico. A Bacia do Prata foi uma tentativa de se chegar ao lago. E o rio Amazonas foi descoberto do seu montante - de onde partem os canais de nascimento desse rio - para a foz, pelo Sr. Orellana, o grande espanhol que navegou 6 mil quilômetros até chegar ao Oceano Atlântico a partir dos Andes.

Desse dia para cá, contam-se tantas histórias que a ocupação da região passou a ser lugar de busca do Eldorado, onde estavam o ouro e a prata.

O ouro não apareceu em tão grande quantidade, mas a prata sim, com a montanha de Potosi, na Bolívia, que foi saqueada, seus povos praticamente dizimados, escravizados. Hoje, temos uma população boliviana tímida, amedrontada; acham que todos que vão lá são usurpadores. Talvez até com certa razão, Senador Nery.

O povo peruano, que perdeu suas esperanças, o grande império inca, que sucumbiu, foi praticamente destroçado pelos interesses espúrios de espanhóis. Esse foi o retrato da nossa Amazônia.

Tenho replicado várias vezes aqui desta tribuna que muitas cidades nascem nas beiras de rios e igarapés, e essas cidades imediatamente procuram copiar o rio Tietê de São Paulo: imediatamente procuram sujar as águas dos rios, dos igarapés, das microbacias. A mata é vista como sinônimo de preguiça, a pessoa que explora a floresta de maneira em pé é vista como preguiçosa, que não quer trabalhar, que não tem coragem. São culturas completamente diversas e adversas e que às vezes se encontram de maneira conflituosa.

No Estado do Pará, onde eu tive oportunidade de morar por seis anos, minha mãe um dia desafiou a mim e ao meu irmão Paulo para que o Paulo se metesse na política e eu seguisse a carreira religiosa, adentrando um seminário diocesano e, quem sabe, sendo padre. O caminho foi exatamente trocado: o Sibá está aqui hoje, seguindo a carreira política, e Paulo Machado é padre da prelazia do Xingu, lá na cidade de Altamira, no Pará. Então, a nossa família seguiu os dois rumos, e espero que a minha mãe esteja contente conosco.

Ao longo dessa experiência na Amazônia, conheci praticamente todos os Estados e muitos dos lugares. E aprendi, com aquela frase de Garrastazu Médici - “Terra sem homens para homens sem terra” -, que na visão militar se deveria ocupar aquele vasto território, porque estava desocupado, e não importava que famílias indígenas estivessem lá.

Ttivemos ainda, num passado mais remoto, a situação dos portugueses com os paraenses, a Guerra da Cabanagem, que dizimou 40% da população.

Então, a história da Amazônia tem sido uma história de sangue, suor e lágrimas, de muita dor. Eu espero que a reflexão da CNBB possa nos fazer repensar um modelo novo, diferente.

Eu acompanhei os debates de Belo Monte, lá no início dos anos 80. Eu disse para o atual Ministro das Minas e Energia, Silas Rondeau, que uma vez eu subi em caixote com bananas para fazer discursos contra a construção da hidrelétrica. Já fiz muito debate sobre a abertura das estradas, sobre o desmatamento desenfreado. Havia ali verdadeiras guerras, genocídios.

Morei naquela região no momento em que nasceu Serra Pelada, com a ocupação desenfreada de muitas fazendas. Muitos agricultores foram para lá em busca de um pedaço de terra. Naquela época, iniciou-se a construção da hidrelétrica de Tucuruí. Havia muita gente ali; era um formigueiro humano. Só em Serra Pelada, foram registradas 62 mil pessoas, entre elas inúmeros garimpeiros. Só a empresa Camargo Corrêa chegou a registrar mais de 10 mil peões na construção da hidrelétrica. Havia um número imenso de colonos, de assentados do Incra, peões, homens desempregados e muito pobres, principalmente do Estado do Maranhão. Surgiram muitos garimpos. Tudo aquilo era um colosso.

Morei em Uruará, cidade que praticamente fundamos. Digo a V. Exª que me tornei até coveiro voluntário, porque a cidade mais próxima da nossa comunidade era Altamira, que ficava a 200 quilômetros de distância. A cada vez que uma pessoa morria, era um verdadeiro problema levá-la para a cidade. Então, a comunidade resolveu construir um cemitério que ficou bem pertinho da minha casa, onde eram guardadas as ferramentas para cavar as sepulturas. Quando uma pessoa falecia, a família nos procurava para ajudar a cavar a sepultura. Por isso, cavei muitas sepulturas. Para surpresa minha, muitas pessoas foram mortas e sepultadas - certamente 70%, para não ser injusto - em razão de terem sido barbaramente assassinadas, por conflito de todas as naturezas: conflito por terra, questão dos garimpos, questão de assalto, de tudo o que se pode imaginar. Era um problema muito grande.

Então, eu posso dizer que conheço um pouco, na pele, a situação da Amazônia: indígenas como em tantas áreas que já visitamos e conhecemos, o Estado de Rondônia com os cintas-largas, o Estado de Roraima e o próprio Estado do Pará. Em tantos outros lugares, essa relação é sempre assim: a terra é demais para os índios e precisa ser tirada, diminuída e ocupada de outra forma, porque eles são preguiçosos, não trabalham e não produzem.

Eu tinha um discurso escrito e até agradecerei à pessoa que me ajudou. Mas, Sr. Presidente, por não ter mais tempo, solicito a V. Exª que considere lido o discurso escrito para não perder o registro, cuja reflexão está muito boa, historiando corretamente como a Igreja criou a Campanha da Fraternidade.

Gostaria que a Igreja admitisse que não há símbolo maior para reflexão da fé cristã católica, e, tendo em vista o ambiente em que estamos vivendo atualmente no Brasil e no mundo, tem que ser uma reflexão de todos nós. Mais do que uma reflexão, ela deve se transformar em ações práticas para a solução dos graves problemas do Brasil, que, conseqüentemente, são problemas de todo o mundo.

Muito obrigado.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR SIBÁ MACHADO.

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            O SR. SIBÁ MACHADO (PT - AC. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores,

            Homenagem à CNNB e à Campanha da Fraternidade de 2007

            FRATERNIDADE E AMAZÔNIA

            “Vida e missão neste chão”

            1 - Breve história da Campanha da Fraternidade

           Em 1961, três padres responsáveis pela Cáritas Brasileira (organismo de apoio a projetos populares) idealizaram uma campanha para arrecadar fundos para as atividades assistenciais e promocionais da instituição e torná-la autônoma financeiramente. A atividade foi chamada Campanha da Fraternidade e realizada pela primeira vez na quaresma de 1962, em Natal (RN), com adesão de outras três Dioceses. No ano seguinte, 16 Dioceses do Nordeste realizaram a campanha.

           Essas primeiras iniciativas não obtiveram êxito financeiro, mas foram o embrião de um projeto anual da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e de todas as igrejas e dioceses do Brasil, realizado à luz e na perspectiva das Diretrizes Gerais da Ação Pastoral da Igreja Católica em nosso País.

           Este projeto da Campanha da Fraternidade foi lançado, em nível nacional, no dia 26 de dezembro de 1963, sob o impulso renovador e modernizador do Concílio Vaticano II, em andamento na época, e realizado pela primeira vez na quaresma de 1964.

           Especialmente na década de 1970 - mais precisamente entre os anos de 1973 e 1984, portanto início da década de 1980 - , sob o espírito da Teologia da Libertação latino-americana, as Campanhas da Fraternidade se concentraram em temas voltados para a realidade do povo sofrido, denunciando o pecado social e promovendo a justiça.

           Nos anos mais recentes, algumas Campanhas da Fraternidade ganharam o espírito ecumênico, com a participação de várias igrejas. Essa participação foi promovida pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC). Algumas voltaram a atenção novamente para questões sociais como, por exemplo, a Campanha de 1995, sob o tema “A Fraternidade e os Excluídos” denunciando a profunda exclusão social existente no Brasil.

           Tendo como objetivos despertar o espírito comunitário e cristão no povo na busca do bem comum e educar para a vida em fraternidade, a partir da justiça e do amor, as Campanhas da Fraternidade buscam renovar a consciência da responsabilidade de todos. É isto que esperamos da Campanha de 2007, quando o tema é a nossa querida Amazônia.

           2 - A Campanha de 2007 - “Fraternidade e Amazônia: vida e missão neste chão”

           De acordo com documentos da própria Campanha, o objetivo principal deste tema é:

           Conhecer a realidade em que vivem os povos da Amazônia, sua cultura, seus valores e as agressões que sofrem por causa do atual modelo econômico e cultural, e lançar um chamado à conversão, à solidariedade, a um novo estilo de vida e a um projeto de desenvolvimento à luz dos valores humanos e evangélicos, seguindo a prática de Jesus no cuidado com a vida humana, especialmente a dos mais pobres, e com toda a natureza.

           Ainda segundo seus documentos de preparação, essa Campanha tem como objetivo também “denunciar situações e ações que agridem a vida, os povos e o ambiente da Amazônia, como os projetos de dominação político-econômica que perpetuam modelos econômicos colonialistas”.

           Gostaria de registrar que estes objetivos, por si só, já justificam a este ato do Senado Federal de homenagear a CNBB. A escolha do tema não poderia ser mais oportuna, pois, mais do que nunca, o mundo está com os olhos voltados para o nosso maior bioma, para a região que possui a maior biodiversidade do planeta. No entanto, essa riqueza não está a serviço do povo da região, pelo menos, não da maioria do povo Amazônida.

           De acordo com explicações da própria CNBB, “o elemento principal do cartaz da Campanha é a vitória-régia, conhecida por algumas tribos indígenas como ‘panela de espíritos’”. Essa planta é considerada um dos símbolos da Amazônia. É forte e tem raízes profundas que tocam o leito do rio. Ao mesmo tempo, é sensível, assim como o povo nativo da região, que sobrevive com muita garra, mas precisa do apoio fraterno de toda a sociedade brasileira.

           Sem sombra de dúvidas, a escolha deste tema “Fraternidade e Amazônia” é uma oportunidade - senão única, mas bastante importante - de conscientizar a sociedade brasileira sobre suas riquezas e seus problemas.

           3 - A realidade sócio-ambiental da Amazônia

           Em primeiro lugar, é importante lembrar que a configuração geopolítica da Amazônia vai além das fronteiras brasileiras, englobando o território de países vizinhos. A Amazônia pan-americana ocupa uma área de 7,01 milhões de km² e corresponde a 5% da superfície da terra, 40% da América do Sul, 59% do Brasil.

           Por sua vez, a Amazônia Brasileira compreende 10 Estados que são: Acre, Amapá, Amazonas, Goiás, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins. Maranhão e Mato Grosso. Esses Estados são parte da chamada “Amazônia Legal”, que foi instituída pela Lei 1.806, de 1953. O objetivo desta lei era, reunindo regiões com idênticos problemas econômicos, políticos e sociais, melhor planejar o desenvolvimento social e econômico da região amazônica.

           Ao longo da história, no entanto, o que vimos - e continuando vendo - foi uma exploração predatória que destroem completamente os nossos recursos naturais, as nossas riquezas. Na verdade, todo o processo de colonização do território Amazônico esteve sempre vinculado a fenômenos geopolíticos e econômicos decorrentes basicamente da busca de matérias-primas para o mercado externo. A Amazônia exportou óleo de peixe-boi, borracha, madeira, ouro, diamantes e, mais recentemente, soja.

           Durante o regime militar, a abertura da Transamazônica, entre outros grandes projetos - especialmente os projetos de colonização - provocaram profundos impactos sobre o meio ambiente e sobre as populações locais, em especial sobre as tribos indígenas. Em resumo, todos os projetos governamentais e os incentivos fiscais de “desenvolvimento”, até anos bem recentes, foram uma catástrofe para a região.

           Diante desta história - e da realidade atual - de mazelas sociais e destruição ambiental, é impossível tratar do desenvolvimento da Amazônia - e, por extensão, do desenvolvimento do Brasil -, sem estabelecer um paradigma que seja capaz de conciliar o progresso econômico, o bem-estar da população amazônica e a preservação do meio ambiente. Vivemos um momento crucial, em que o progresso obtido às custas da destruição da natureza não é mais alternativa possível. Ao contrário, é preciso implantar, com urgência, programas de desenvolvimento sustentável.

           Entrosar o crescimento econômico e a preservação da natureza, tendo como pilar central o respeito aos povos da Amazônia, é a máxima que permeia todas as ações da Campanha da Fraternidade de 2007. Sendo assim, a CNBB nos propõe conhecer melhor a realidade em que vivem os povos amazônicos e as agressões que sofrem no seu dia-a-dia para que possamos lançar um novo projeto de desenvolvimento para a região, à luz dos valores humanos e evangélicos.

           O novo paradigma amazônico passa, necessariamente, pelo apoio às inúmeras comunidades da região. O povo amazônico sabe como explorar a floresta sem destruí-la. Mais do que isso, o povo amazônico tem interesse em preservar a floresta, ao contrário daqueles que hoje usam o “correntão” e a moto-serra como estratégia de enriquecimento. Entretanto, as comunidades carecem de apoio para viabilizar o extrativismo e a exploração florestal sustentável.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/03/2007 - Página 6759