Discurso durante a 32ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem a memória do educador, intelectual e Senador Darcy Ribeiro, pelo transcurso do décimo aniversário de seu falecimento.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a memória do educador, intelectual e Senador Darcy Ribeiro, pelo transcurso do décimo aniversário de seu falecimento.
Publicação
Publicação no DSF de 22/03/2007 - Página 6113
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, DARCY RIBEIRO, SENADOR, DETALHAMENTO, BIOGRAFIA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, EMPENHO, DEFESA, DEMOCRACIA, EDUCAÇÃO, BENEFICIO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.

     O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta; Sras e Srs. Senadores; Parlamentares; senhoras e senhores convidados; ilustres componentes da Mesa; Ministros; Magistrados, minha assessoria preparou um belo discurso sobre Darcy Ribeiro, mas seria algo frio pura e simplesmente ler o discurso e cumprir com o dever como se isso fosse uma desobriga, Senador Cristovam Buarque. E não o é. Darcy Ribeiro era uma figura que efetivamente se colocava acima das divergências ideológicas, com sua enorme coragem de propor, com sua fantástica capacidade de criar, com sua inesgotável coragem de dizer, até porque Darcy Ribeiro não pode ser confinado aos limites do grande político que foi, porque ele não era só um político. Passou pela Vice-Governadoria do Rio de Janeiro, foi Ministro e Senador da República, teve passagens brilhantes por todas as ocasiões que a vida pública lhe propiciou, mas Darcy Ribeiro não era uma pessoa propriamente da política. Darcy Ribeiro era um educador; Darcy Ribeiro era, sobretudo, um grande antropólogo que, como ninguém, formulava, à sua maneira, por sua disciplina básica, o Brasil.

     Eu tinha concordâncias e discordâncias em relação a ele. Se eu fosse discutir economia com ele, eu não chegaria praticamente à concordância alguma, mas eu não conseguia deixar de admirá-lo, de ver nele um gênio da raça brasileira. Viveu momento conturbado da vida pública do País, o que antecedeu o golpe de 1964. Certa vez, no exílio, estava ele na França, precisamente em Paris, e se inscreveu como um antropólogo qualquer para fazer parte dos debates de um congresso de Antropologia sediado em Paris. Lá, Ministro Pertence, ele tinha de dizer alguma coisa básica do que havia feito na sua vida acadêmica, na sua trajetória, enfim. Ele, então, tirou dos seus livros as idéias fundamentais e alguns dados curriculares, Senador Dornelles, que fizeram com que a direção do congresso o chamasse, minha querida Vera, ao plenário, à mesa, e o apresentasse como uma raridade. Ele havia sido o único antropólogo do mundo, até aquela altura, que, ao mesmo tempo, além de brilhante na sua produção acadêmica, havia idealizado, criado e dirigido, como reitor, uma universidade: a UnB. Havia sido Ministro da Educação de um governo de um País com as dimensões do Brasil e havia sido Ministro-Chefe da Casa Civil da Presidência da República. Tudo isso se deu durante o curto período do Presidente João Goulart, mas tudo isso representava a inteligência borbulhante de Darcy Ribeiro.

     Em Paris, ele foi apresentado como raridade. Afinal de contas, nem sabiam - os antropólogos reunidos em Paris - que, mais tarde, ele ainda seria Vice-Governador do Rio de Janeiro e seria brilhante Senador pelo Estado do Rio de Janeiro, mas um Senador que o Brasil não permitia que o Rio de Janeiro dele se ocupasse com exclusividade.

     Portanto, sinto que é muito mais relevante dar este depoimento, procurando sair do esquema do discurso que a assessoria, muito competentemente, preparou.

     Darcy Ribeiro era uma figura que tinha coerência básica em suas idéias, com seus acertos e com seus erros, quando trabalhava e formulava política. Mas a ele não se podia cobrar coerência, não se podia cobrar linearidade, porque ele não era linear - pura e simplesmente, ele não era linear. Ele era um gênio, e aos gênios se tem de permitir um pouco mais.

     Escrevia de maneira fácil. Sua irreverência, para quem não o conhecia, às vezes, beirava o rude, mas era sempre carregada de humor muito cortante. Só não achava graça aquele que era vítima direta e imediata da irreverência dele, mas os demais, em volta, naturalmente, Ministro Pimenta da Veiga, tinham de rir com Darcy.

     Ele era uma figura corajosa, uma figura que pautou sua vida inteira ao lado da democracia, num País que precisava valorizar a luta pela democracia. Até hoje, eu me preocupo muito com ela - a democracia está consolidada no Brasil, quero crer nisso - e, aqui, reajo toda vez que imagino que qualquer esgar de autoritarismo possa aparecer, venha de onde vier, porque a democracia não é mais a plantinha tenra de Octávio Mangabeira, mas é uma planta que tem de ser regada, até porque existe motosserra, e não podemos admitir nada que possa desmatar essa árvore da democracia brasileira.

     Darcy Ribeiro jamais foi pilhado, em momento algum, de concessão à qualquer tentativa de implantação de regimes autoritários no Brasil. Essa é uma marca, esse é um traço básico de coerência desse grande brasileiro.

     Darcy Ribeiro conviveu bastante com meu pai. À época, meu pai era líder do Governo Goulart no Senado, além de acumular a Liderança do PTB de João Goulart, de Brizola, de Miguel Arraes. Meu pai, pelo que me passava, tinha enormes discordâncias táticas em relação a Darcy Ribeiro, assim como Tancredo tinha discordâncias táticas em relação a Darcy Ribeiro.

     Darcy Ribeiro, por exemplo, não era contra a escalada que levou João Goulart até o discurso aos sargentos no Automóvel Clube; meu pai era contra isso, pois entendia que os passos deveriam ser mais cautelosos.

     Mas o que meu pai sempre me passava era que Darcy Ribeiro tinha uma capacidade tão brilhante de defender suas idéias, que, mesmo quando suas idéias não eram as mais acertadas para o momento, era um perigo enfrentá-lo, porque ele convencia, formava opinião e, às vezes, estava profundamente certo, sim, quando falava de educação, quando sonhava com educação, quando dizia, já àquela época - e V. Exª, Senador Cristovam Buarque, tem dito isso à farta neste Plenário -, que o Brasil não tinha saída se não investisse pesadamente em educação, em ciência, em laboratório, em tecnologia, em capital intelectual. Tudo isso fazia parte dos sonhos de Darcy Ribeiro.

     Esta sessão, a meu ver, é muito representativa, pois plena de admiradores de Darcy Ribeiro, de amigos de Darcy Ribeiro, de pessoas que, tendo ou não convivido com ele, tinham a exata noção do brasileiro imprescindível que era, aquele que, ao morrer, fez muita falta - e ainda faz - e que deixou aberta uma lacuna enorme. Tenho pavor de dizer que “fulano deixou uma lacuna impreenchível”, porque isso parece muito aqueles discursos tradicionais, aqueles discursos que, no fundo, levam ao vazio. Mas o fato é que, no momento, não há como fugir disto: Darcy deixou uma lacuna impreenchível na vida pública brasileira. Onde encontraremos o acadêmico, o político, o educador, o construtor de uma universidade traduzido em uma só pessoa, pensando desvairadamente - no bom sentido - o tempo inteiro; raciocinando, de maneira fulgurante, sem parar; produzindo e polemizando o tempo inteiro; encontrando energia para defender suas idéias? O tempo inteiro, brotavam do seu cérebro idéias novas e brilhantes. Sinto-me muito assim: alguém que se perfila à determinada escola econômica, que se perfila à determinada escola política.

      Mas, se alguém me perguntar “Arthur, você se sente uma pessoa que cria?”, eu diria:“Eu não me sinto uma pessoa que cria; sinto-me uma pessoa que procura, com coerência, defender, com o máximo de lucidez que possa encontrar dentro de si, idéias que não são minhas, idéias que eu próprio não as gastei”. Ou seja, procuro lastrear o que eu posso acumular de cultura pessoal para mim, nas fontes que julgo boas de nelas beber a água do meu aprendizado.

     Darcy, não! Darcy era a fonte. Darcy possibilitava que pessoas, como muitos de nós, pudessem ir a ele para beber suas idéias, para assimilá-las ou rejeitá-las, em parte ou no todo, ou não.

     Portanto, se ele é fonte, se ele foi esse brasileiro enorme, temos mesmo de comemorar e celebrar Darcy Ribeiro. Agora é hora de celebrar e não mais de sentir saudades. É hora de celebrar e de contar suas histórias, suas irreverências - e a Vera Brant sabe de cada uma! Talvez, Darcy Ribeiro fosse uma das figuras mais irreverentes que tive ocasião de conhecer na minha vida.

     Por isso, sobretudo neste momento, quero ressaltar a figura do intelectual e do brasileiro: era um intelectual, com todas as letras maiúsculas do termo, e um brasileiro que sempre pensou o melhor para o seu País, que foi capaz de procurar entender o mundo à sua volta, que foi capaz de fazer uma formulação que lhe era própria, que era muito dele, ideólogo de um partido, muito influente nas decisões adotadas por outro grande brasileiro, falecido recentemente, o Governador Leonel Brizola. Enfim, era alguém que deixava sua marca. Era impossível Darcy Ribeiro passar e as pessoas não notarem que Darcy Ribeiro passou por qualquer cargo, por qualquer recinto, por qualquer debate, porque, imediatamente, ele polarizava, e as posições se dividiam: uns eram a favor, outros eram contrários, mas todos, sem exceção - aí vinha a tal unanimidade; desta vez, Nelson Rodrigues que me perdoe, pois falo da unanimidade inteligente! -, reconheciam que ele era, de fato, um gênio da raça brasileira.

     Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/03/2007 - Página 6113