Discurso durante a 57ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração dos quarenta e cinco anos de atividades da Universidade de Brasília - UnB, inaugurada em 21 de abril de 1962.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração dos quarenta e cinco anos de atividades da Universidade de Brasília - UnB, inaugurada em 21 de abril de 1962.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 26/04/2007 - Página 11517
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), DARCY RIBEIRO, ANTROPOLOGO, FUNDADOR, LAURO CAMPOS, EX SENADOR, IMPORTANCIA, PARTICIPAÇÃO, HISTORIA, BRASIL, DEFESA, REDEMOCRATIZAÇÃO.
  • APOIO, PROPOSTA, EDUARDO SUPLICY, SENADOR, ANEXAÇÃO, PRONUNCIAMENTO, AECIO NEVES, GOVERNADOR, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), HOMENAGEM, OSCAR NIEMEYER, ARQUITETO, PROJETO, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB).
  • ANUNCIO, REQUERIMENTO, HOMENAGEM, DANTE DE OLIVEIRA, EX-DEPUTADO, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), ANIVERSARIO, TRAMITAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, DEFESA, ELEIÇÃO DIRETA.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Srªs e Srs. Professores, funcionários convidados presentes a esta sessão solene, Senadora e Ministra Emilia Fernandes, Reitor Timothy Mulholland, ex-Reitor Ibañez, vice-Reitor Edgard Mamiya, ex-Reitor Cláudio Todorov, para mim é uma felicidade muito grande poder estar nesta sessão presidida por um grande reitor que conheceu a UnB, o Governador e Senador Cristovam Buarque, depois de ter ouvido as palavras do operoso Governador Joaquim Roriz e o belíssimo discurso proferido pelo Senador Adelmir Santana. Essas evocações todas me levam a Darcy Ribeiro e ao Professor Lauro Campos que influenciaram tantas gerações.

Darcy Ribeiro, talvez o único antropólogo no mundo inteiro que tenha sido ao mesmo tempo idealizador, criador, primeiro reitor de uma universidade, Ministro da Educação de um País do porte do Brasil e, ainda por cima, Chefe do Gabinete Civil de um presidente da República -aconteceu tudo no curto período do Presidente João Goulart. E Lauro Campos, aquela figura doce que deixa saudades e que, durante todo o tempo que significou a resistência ao regime autoritário, influenciava para valer as cabeças dos jovens que se lançavam à luta por liberdade.

Mas gostaria de dizer, Senador Cristovam Buarque, que sou filho de um Parlamentar que teve a sorte de ter sido Deputado Federal, Líder do PTB, PTB de João Goulart, de Leonel Brizola, de Getúlio Vargas, e viu, talvez até por isso, aprovado na Câmara o seu projeto de criação da Universidade Federal do Amazonas.

Por coincidência, eleito Senador, como líder do Governo João Goulart, talvez até por isso, conseguiu ver finalmente transformado em realidade o seu sonho de dotar o Amazonas de uma universidade federal. Claro que a ditadura fez tudo para obscurecer isso e o populismo que a ela se seguiu não fez questão de divulgar. Esse é um fato que muito me aproxima da UnB: com ela, travei contato como estudante, num breve curso que fiz de Relações Internacionais ministrado pelo Embaixador Rubens Ricúpero, figura pública da melhor qualidade e do melhor nível. 

Como os fatos que me vêm à mente e que me trazem recordações as mais variadas da UnB, esse episódio último que mereceu repúdio do Senado como um todo, da boçalidade, da brutalidade, do racismo, algo que nos denigre como nação civilizada e que mostra a que ponto somos capazes de fingir que não somos racistas, tendo um forte sentimento desse porte dentro de certos corações menores e mais mesquinhos deste País. Abro um parênteses para dizer que - talvez até por defeito da formação pela qual optei - não consigo enxergar nada que não tenha um fundo econômico por trás; nada, nada! Para mim, tudo tem fundo econômico. O apartheid não era o ódio do negro contra o branco ou do branco contra o negro, era a tentativa dos boers e dos holandeses de garantir para eles próprios os melhores empregos, os melhores salários. Cria-se então a ideologia do racismo: eles são inferiores, logo, vamos dizer que eles são inferiores para mantermos para nós as melhores oportunidades de vida. Assim como os belgas não queriam levar Deus à religião, aos congoleses; queriam os diamantes e diziam: nós vamos levar Deus aos congoleses e voltavam com os diamantes, deixando o inferno que nós percebemos, historicamente, que foi o colonialismo.

Vejo que as pessoas que explicitam o racismo são simplórias; meramente caíram no conto dessa ideologia. Sempre existe, por trás de todas essas manifestações obscurantistas, um fundo econômico. Não consigo entender de outra forma. Entendo sempre assim.

Lembro-me - e o Senador Adelmir Santana se referiu ao episódio de 1965, de demissões em massa de funcionários, de professores da UNB, enfrentando o regime que nascia - que, às vésperas do AI-5, quando Deputados saíram do Congresso Nacional, liderados, àquela altura, pelo Líder do MDB, que foi o depois Prefeito, depois Senador e depois Governador Mário Covas, houve um choque muito grande que resultou no ferimento físico do próprio Covas.

Há um episódio que, para mim, dentro do que era aquela coisa atrasada que representava o regime autoritário, terminou tendo um contorno delicioso de piada que eu guardo para o resto da vida. Eu próprio, Senador João Pedro, já Deputado, estava uma vez na Câmara de manhã e fui procurado pelo ainda não Deputado Sigmaringa Seixas, que me disse que precisava de alguns Deputados que se dispusessem a ir à UNB, porque estava havendo uma pancadaria muito feia. Estavam agredindo estudantes, professores e tudo o mais. Não que valesse muito a pena àquela altura ou que tivesse muito valor se dizer “eu sou Deputado”, para impedir que a agressão continuasse. Era mais provável até que você se solidarizasse, sendo agredido também, mas fomos lá e, depois de uma exaustiva sessão de negociações e de empurra para cá e puxa para acolá, chegou uma hora em que o Sigmaringa disse que tínhamos de conseguir o habeas corpus para os estudantes presos. Fomos ele e eu à casa do juiz Dario Viotti, já falecido, um juiz muito corajoso. Ele, talvez viúvo, morava sozinho e era uma pessoa visivelmente metódica. E pegamos o juiz Viotti fazendo a sua refeição, a sua ceia de jantar. Ele, repito, metódico - e descobri que era metódico, porque deixou um ovo cozido no centro do prato e ia comendo pelas beiradas o restante. Eu estava desde as 10 horas da manhã sem comer nada. O Sigmaringa conversava com ele, e eu olhava aquilo. Sai o habeas corpus, sai, não sai. Acabou saindo o habeas corpus. Nesse vai-e-vem, eu peguei o ovo e o coloquei-o todo em minha boca, de uma só vez. Engoli o ovo que estava no prato do juiz.

Fiquei ali sem falar nada, procurando não deixar vestígios. No carro, Sigmaringa disse: “Homem corajoso, não é Arthur?” Eu disse que o juiz era corajoso, sim, que era admirável. Apenas não sabia se ele ficara inteiramente satisfeito com a nossa visita. “Não”, disse o Sigmaringa. “Ele hesitou porque enfrentar um regime de força é duro, mas ficou satisfeito com a nossa visita”. Eu não disse nada para o Sigmaringa.

Voltamos e obtivemos a soltura dos rapazes. Tempos depois, o Sigmaringa disse: “Agora, eu descobri por que você disse que a coisa não era boa. Eu encontrei com ele no fórum e disse, na frente de advogados e outros juízes: olha, esse aqui é um homem bravo, o Juiz Viotti. Outro dia, fui lá com o Deputado Arthur Virgílio e conseguimos que ele fizesse algo muito corajoso, assinar o habeas corpus” - e aqui abro um parêntesis para dizer que já havíamos reconquistado o direito ao habeas corpus - “e liberasse os garotos que estavam presos”.

E ele disse: “Não houve qualquer coragem, eu só cumpri o meu dever. Mas aquele seu amigo Deputado é um moleque!”

Mas não deu realmente para reparar. Ele haveria de compreender que eu tinha direito à minha segurança alimentar naquele momento.

O fato é que a UNB faz parte da vida de todos nós que somos hospedados por Brasília e que queremos vê-la oferecendo o melhor ensino, dotada das melhores condições de trabalho e de aprendizado. Sentimos que é um dever pluriestadual, supraestadual, homenagearmos a UNB, e faço isso com o mesmo carinho como se estivesse falando da Universidade Federal do Amazonas ou da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde me formei no primeiro curso de graduação.

Senador Cristovam Buarque, ouvi a Senadora Serys Slhessarenko dizer que iria procurar ser breve, e eu disse que também iria tentar. É uma promessa que nem sempre consigo cumprir, mas, desta vez, vou conseguir, sim.

Esta é uma homenagem merecida, e seus autores estão absolutamente de parabéns por isso.

Desta vez, nós que contamos aqui tantas histórias de tempos passados, ligados ao obscurantismo, à ditadura, à agressão aos direitos da pessoa humana, agora sabemos que, com o upgrade que foi a democracia, temos outros problemas, e os outros problemas são melhores sempre; ou melhor, não melhores, são mais manejáveis, mais administráveis do que os problemas que se resumiam a ter ou não ter liberdade. Hoje, com liberdade, pode-se reivindicar e planejar a idéia de uma universidade melhor. A ditadura ficou para trás.

E gostaria muito de, daqui a alguns anos, Senador não sei, mas estar vivo, sim, porque sou muito adepto do art. 5º da Constituição de 88, que garante o direito à vida. E se o leio ao pé da letra, imagino que não morrerei nunca. E, se morrer, minha família tem direito de entrar com uma Adin reclamando, no mínimo, uma indenização muito forte, porque o art. 5º é claro: direito à vida. Então, estou presumindo que não morro tão cedo; ou melhor, não morrerei. Espero, daqui a não sei quantos anos, poder vir aqui várias vezes para ver a UNB comemorar o seu aniversário, as suas novas vitórias, discutir os seus novos problemas, mas sempre olhando para trás, sem saudades do tempo de obscurantismo, e olhando para frente, o futuro que a democracia lhe descortina.

Muito obrigado Sr. Presidente. (Palmas.)

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Sim Senador, com muita alegria.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Aproveito a oportunidade, Senador Arthur Virgílio, para também expressar os meus cumprimentos à Universidade de Brasília, aos reitores Timothy Mulholland, Cristovam Buarque, Antônio Ibañez e outros que estão à Mesa, lembrando algo que tem a ver com um eminente representante do seu Partido. Ainda no dia 21 de abril, tive a oportunidade, com outro Senador, de estar presente em Ouro Preto, onde o Governador Aécio Neves...

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Ele ficou felicíssimo com o vaticínio que V. Exª fez. “Estou-lhe dando aqui esse projeto para quando você for Presidente”. Ele disse isso para mim.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Ele fez ali um pronunciamento muito bonito sobre Oscar Niemeyer, relembrando todas as obras feitas por ele, dentre as quais, juntamente com Darcy Ribeiro e Lúcio Costa, a Universidade de Brasília.

Pensei nisso agora, de pronto, e fiz uma solicitação ao meu gabinete, porque gostaria muito de propor e requerer a transcrição, nos Anais desta homenagem à Universidade de Brasília, do pronunciamento do Governador Aécio Neves, que fala tanto em como Oscar Niemeyer se inspirou, por exemplo, lá naqueles morros e montanhas em torno de Ouro Preto. Em 1939, ali esteve para fazer o hotel de Ouro Preto e, depois, para fazer os desenhos das curvas e dos arcos que estão presentes, seja lá na Universidade de Brasília, seja aqui neste maravilhoso Senado, seja na Praça dos Três Poderes, aqui, na área dos ministérios. Aécio Neves até mencionou que ele se inspirara muito nas curvas dos morros e das montanhas de Minas Gerais, esquecendo-se de referir-se a algo de que ele entende muito, dito pelo próprio Oscar Niemeyer: que ele também se inspirou nas curvas das bonitas mulheres brasileiras. Aécio Neves nem mencionou essa parte do discurso. Portanto, está aqui, e gostaria muito que V. Exª pudesse ver, mas pode estar certo de que todos que gostam da Universidade de Brasília ficarão contentes. Não sei se V. Exª já viu mas quero, também, fazer a sugestão de que seja passado na Universidade de Brasília, se já não foi, o filme sobre os cem anos da vida de Oscar Niemeyer, que aqui, na semana passada, tivemos a oportunidade de ver e que tem tanto a ver com a história dos 45 anos da UnB. Meus cumprimentos.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Obrigado, Senador. Respondo a V. Exª, Sr. Presidente, e encerro este pronunciamento, primeiro, acolhendo com muito prazer o aparte e o documento proposto pelo Senador Eduardo Suplicy; segundo, dizendo que, pelo que conhecemos de Oscar Niemeyer, ele deveria estar pensando nas belezas do Rio de Janeiro, no seu amor por Brasília, no pôr-do-sol lá do nosso rio Negro. Agora, sem dúvida alguma, conhecendo como nós o conhecemos, que tinha curva de mulher no meio tinha, disso eu não tenho nenhuma dúvida, disso eu tenho pouquíssima dúvida.

Eu gostaria de lembrar - já que falamos aqui tanto para trás e a UnB é uma história de luta por liberdade - que o Senador Suplicy e eu uma vez fomos jogados numa fria danada pelo nosso inesquecível Dr. Ulysses Guimarães. Daqui a pouco, convido V. Exª e os Srs. Senadores outros que queiram - sei que se sensibilizarão - assinar comigo esse voto de lembrança. Estou hoje apresentando um voto de lembrança ao recentemente falecido, nosso inesquecível colega e amigo, seu e meu, Dante de Oliveira, porque, não sei quantos anos atrás, foi o dia não da derrota, mas da insuficiência de votos para se aprovar a Emenda Dante da Oliveira, das Diretas.

Vou, na verdade, apresentá-lo daqui a pouco, quando começar a sessão ordinária.

Naquele dia havia aí fora o nosso gentil General Newton Cruz. Ele estava com todo o seu amor para dar aí fora. Os manifestantes queriam sair em segurança. O Dr. Ulysses pediu ao Suplicy e a mim que acompanhássemos, com todas as nossas forças armadas, minhas e dele, os manifestantes até a rodoviária, a pé, para que eles pegassem ônibus lá. E fomos. O General Newton Cruz queria nos forçar a pegar a parte de trás dos ministérios, porque na parte de trás seria um massacre, não saberíamos nem quem estava fazendo o que com quem. Então, fizemos pé firme, eu e o Senador Suplicy, e dissemos: se tiver de haver repressão, vai haver. Vamos aqui pela Esplanada, com mais luz, com carros, com testemunhas.

Chegamos à rodoviária cercados por eles. Foi uma coisa interessante porque, graças a Deus, havia muitos ônibus à disposição e nunca vi as pessoas conseguirem entrar tão rapidamente em um ônibus, nunca vi tanta solidariedade dos motoristas, de saírem imediatamente com os ônibus, a ponto de depois nos pilharmos sozinhos, eu e o Suplicy. Aí o problema foi o caminho da volta, já sem os manifestantes a nos protegerem.

Tenho muito prazer em incorporar o seu aparte ao meu pronunciamento, ao mesmo tempo em que ligo esta homenagem à homenagem que quero fazer mais tarde, rapidamente, sem atrapalhar o restante da sessão, à Emenda das Diretas, portanto, à memória de Dante de Oliveira, que, tenho certeza absoluta, se liga ao espírito da Unb, que é um espírito de luta permanente por liberdade neste País. (Palmas.)

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM APARTE AO SENADOR ARTHUR VIRGÍLIO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e o § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

Pronunciamento do Governador Aécio Neves

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/04/2007 - Página 11517