Discurso durante a 70ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à excessiva edição de medidas provisórias pelo Governo Lula.

Autor
Mão Santa (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PI)
Nome completo: Francisco de Assis de Moraes Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA PARTIDARIA.:
  • Críticas à excessiva edição de medidas provisórias pelo Governo Lula.
Publicação
Publicação no DSF de 16/05/2007 - Página 14359
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, SISTEMA DE GOVERNO, DIVISÃO, PODERES CONSTITUCIONAIS, CRIAÇÃO, DEMOCRACIA.
  • CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EXCESSO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), USURPAÇÃO, FUNÇÃO, LEGISLATIVO, IMPEDIMENTO, ATUAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL.
  • CRITICA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), SUPLEMENTAÇÃO, ORÇAMENTO, COMENTARIO, AUMENTO, SALARIO, CONGRESSISTA, SIMULTANEIDADE, REDUÇÃO, EXPEDIENTE, PREJUIZO, ATUAÇÃO, LEGISLATIVO, DEFESA, TEMPO, PRONUNCIAMENTO.
  • REGISTRO, HISTORIA, CRIAÇÃO, ORDEM, CONGRESSISTA, BRASIL, COMENTARIO, IMPORTANCIA, PARTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), OPOSIÇÃO, GOVERNO, DEFESA, REFORÇO, LEGISLATIVO, JUDICIARIO.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Cumprimento o Presidente Cafeteira, que preside esta sessão de 15 de maio, as Senadoras e os Senadores na Casa, as brasileiras e os brasileiros aqui presentes e os que nos assistem pelo sistema de comunicação do Senado.

Senador Cafeteira, quis Deus V. Exª estar na Presidência hoje. V. Exª traduz a experiência conquistada numa luta de trabalho, luta da qual sou testemunha porque somos vizinhos. Conheci o Cafeteira bancário, conheci o Cafeteira líder, prefeito de cidade. Marcou-me o homem de palavra, Senador Suplicy - a sua propaganda era: “Prometeu, cumpriu”, e é por isso é que ele está aí. “Prometeu, cumpriu”, Heráclito Fortes. O povo o fez Governador do Estado, e o povo maranhense, em sua sabedoria, o trouxe aqui para representá-lo. Nós queremos dizer que entendemos isso, e V. Exª fica muito bem aí.

Os maranhenses, vaidosos de sua cultura e da tradição de seus poetas - “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá; as aves que aqui gorjeiam...” -, diziam ser São Luís a Atenas brasileira, e o piauiense, jocoso, dizia “apenas” em vez de Atenas. Realmente muita história - sou filho de maranhense de São Luís.

Temos de entender o momento que vivemos, entender o sentido desta Casa.

Guardo uma lição de meu mestre de cirurgia, professor Mariano de Andrade, do Hospital dos Servidores do Rio de Janeiro: para onde vamos, levamos a nossa formação profissional, Senador Suplicy, e a minha é de médico-cirurgião. Quando ele nos mandava operar, Heráclito, via-nos, cirurgiões novos, querendo mostrar capacidade e velocidade. Ele olhava e dizia: “A ignorância é audaciosa!”. Cirurgia não era corrida de cavalo, não se podia marcar pelo tempo, mas pelas complicações e pelas seqüelas que dela poderiam advir para o resto da vida do paciente.

Então eu trago aqui o ensinamento de que a ignorância é audaciosa. Fala-se em concurso de OAB, fala-se nesse concurso do Ministério da Cultura, mas tínhamos de ter aqui também para sabermos o sentido disto aqui. Tinha que ter, ô Garibaldi.

Cafeteira, Aristóteles disse, e nunca foi contestado, que o homem é um animal político. Esse animal político saiu por aí buscando uma forma de governo ao longo da história da humanidade. Muitas formas de governo foram procuradas, buscadas por esse animal político que é o homem. Tivemos muitas formas, mas a que mais encantou, sem dúvida, foi a monarquia, o governo dos reis, pelo aspecto místico de que o rei era Deus na terra, e Deus era rei no céu. Eles dominaram, mas não eram bem vistos pelo povo, conjunto de animais políticos.

E esse povo, decepcionado, Suplicy, foi às ruas e gritou: “Liberdade, igualdade e fraternidade”. Tombaram todos os reis do mundo - aqui demorou, aqui as coisas demoram: foram cem anos para esse grito chegar ao Brasil, somos retardatários. Foram cem anos! Ontem, treze de maio, nos faz lembrar que também para libertar os escravos o Brasil foi o último. Essa é a situação.

Então se ouviu aqui e se construiu isso. A primeira coisa foi dividir aquilo que era absoluto: o poder do rei, que não pode governar só - absolutismo simbolizado, Suplicy, pela frase “ L’État c’est moi”. Montesquieu dividiu o poder.

E aqui estamos. Uma inteligência democrática norte-americana definiu: é o governo do povo, pelo povo e para o povo. Dividiu-se o poder, e suas partes têm de ser eqüipotentes, igualitárias, harmônicas. E aí é que estamos na desgraceira, Suplicy: o nosso Presidente Luiz Inácio não tem ainda a concepção do que é a democracia.

A democracia não é só o falar ao povo - ele se comunica -, não é só ganhar as eleições, mas é justamente aceitar essa divisão de poder. E o nosso Presidente Luiz Inácio da Silva acabou com esse poder. Isto aqui é uma farsa. Na concepção de quem o criou, Montesquieu, sua finalidade seria fazer leis boas e justas, mas não fazemos leis: apreciamos umas medidas provisórias que são feitas pelo Poder Executivo, essa é a verdade.

Senador Heráclito, vem uma ridícula aí... Ô Suplicy, não sei desse negócio de feio e bonito, aquela confusão que está ali, mas que é ridículo, é, porque o Congresso deveria para fazer leis boas, mas fica discutindo se é bonita, se é feia, não sei o quê. É uma confusão doida! O Congresso não é para isso. Leis boas e justas! A verdade é que não se fazem leis.

É tanta medida provisória que se chegou ao ridículo, Senador Heráclito. Agora vem uma medida provisória para suplementar o Orçamento em maio!? Isso é o retrato da nossa fraqueza, da nossa debilidade. Em maio?!

Cafeteira, V. Exª foi prefeito e foi governador. Os prefeitinhos de São Luís, os vereadores da Atenas brasileira, São Luís, não permitiram que V. Exª suplementasse um orçamento em maio. V. Exª governou o Estado do Maranhão. Os Deputados, como eu, no Piauí, não permitiram... Mas vai chegar aqui uma medida provisória de suplementação de Orçamento, em maio, de R$8 bilhões! Isso é um deboche! Para que isso funciona? Ô, Neuto de Conto, para que a Comissão de Orçamento? Quanto gasto, quanta gente! Isso é ridículo!

Essa é a realidade, Cafeteira. Nós estamos desfigurados.

Outro dia, Pedro Simon, esse herói, esse patrimônio, apresentou uma pesquisa: só pouco mais de 1% acredita no Congresso. De 500, quase 600, só se acredita em seis, apesar dessa quantidade de congressistas. Mas esse montão fica discutindo se é feia, se é bonita, choram...

Aumentamos nosso salário, mas perdemos a nossa vergonha, a nossa dignidade e a nossa função, que é fazer leis boas e justas e controlar o Poder Executivo.

E as CPIs... Dizem que criaram uma, mas não é de apagão; é de apagado. A daqui não sai!

Heráclito Fortes, bravo, lutador, ô Heráclito, cadê sua CPI das ONGs, Heráclito? Aquilo é a maior vergonha! Tem ONG que ganha mais dinheiro do que a educação, do que a saúde! Heráclito, há crianças morrendo na porta do pronto socorro municipal de nossa Teresina, que não inaugura... E não se faz...

Cafeteira, meu repúdio: eu estava lendo ali um discurso de Petrônio Portella, o discurso mais importante desta Casa, não o mais emocionante. O Sarney, outro dia, fez um artigo muito bom, até me citou, fiquei orgulhoso. Foram tempos, neste Parlamento, Roriz, dos bravos oradores. Ele reviveu 55 anos e disse, Cafeteira, que o mais brilhante foi o do Carlos Lacerda quando quiseram cassá-lo por ele ter publicado uma carta confidencial do Itamaraty de contrabando de armas. E dava-se nome: “A Corrida dos Touros Embolados”, do Lacerda. E cita Brossard, Roberto Campos. Suplicy, desligue o telefone e vá ler o discurso de Roberto Campos! Olha, Cafeteira, esse negócio de a gente atender telefone aqui não dá certo. No cinema, desligam telefone; nas aulas e nos cursos também. Aqui se liga é o telefone. Por isso é que estamos caindo e caindo.

Mas, Senador Cafeteira, queria dizer que li o discurso de Roberto Campos para aprender; davam sete discursos. S. Exª escreveu A Lanterna na Popa e disse que não era um grande orador.

Oh! Garibaldi, você já leu para aprender? Sete! Brossard fazia discursos de três horas e meia. Agora se está obstruindo, não V. Exª, que tem o espírito da lei, é democrata. Shakespeare disse que a salvação é a experiência dos mais velhos com a ousadia dos mais novos, que estão aqui. É isso que leva à sabedoria. Mas aqui estão tolhendo: na primeira legislatura eram 40 e 20 minutos. Diminuíram. E continuam diminuindo, diminuindo... Outro dia houve a palhaçada de dizerem que tinha que terminar às 18h30min. Quer dizer, aumentamos os nossos ordenados ontem para trabalharmos menos.

Teotônio Vilela, V. Exª o conheceu pessoalmente, Presidente Cafeteira. V. Exª fica tão bem aí, foi Deus quem o colocou. Atentai bem, Cafeteira, está se restringindo o tempo.

Brossard salvou esta Pátria, tirando-a da ditadura, fazendo um discurso de três horas e meia. Restringiram para uma hora. S. Exª fazia três discursos por semana ao invés de um. Aqui estão restringindo.

Queria citar Teotônio Vilela, e V. Exª conviveu com ele. Todos sabemos que mesmo moribundo, com câncer, pregava o renascer da democracia, dizendo que compreendia ao Parlamento três funções: fazer leis, fiscalizar o Governo, com as CPIs - a do Heráclito que não sai, travaram sua CPI, Heráclito - e a outra função parlamentar é parlar. Ele dizia que falar era resistir, sobreviver falando, e falar resistindo e sobrevivendo.

Quantas leis fizemos? Nenhuma. Carimbamos e homologamos medidas que não obedecem à Constituição. Não são de urgência, não são de prevalência e são muitas imorais, indignas e, com certeza, têm um final de corrupção. Cafeteira, V. Exª está aí porque tem história; V. Exª está debaixo de Rui Barbosa. E quis Deus estar aqui o Corregedor, é muito bom. Foi Deus quem o mandou, Romeu Tuma. V. Exª vai assumir a Presidência ou fica o Cafeteira? Vão ficar os dois?! Romeu Tuma é Corregedor do Senado.

Oh, Heráclito Fortes, eu governava o Piauí, e teve um rolo da Justiça. Saí do meu palácio do governo e fui ao corregedor, era Augusto Falcão. Esses problemas da Justiça. Saí sozinho do palácio. O senhor não é o corregedor, eu disse, então tem que corrigir as mazelas que existem no outro poder; é um contrapoder.

Senador Romeu Tuma, V. Exª, que é o Corregedor, tem muita responsabilidade. Quem planta colhe. V. Exª corrigiu este País no período mais difícil: transição democrática, Governo Sarney, mais de seis mil greves, e ele, com a autoridade, levava este País à ordem e ao progresso - cresceu muito no Governo Sarney: 8% -, mas é por isso que está colhendo o que plantou, e hoje é o Corregedor. Mas V. Exª tem de corrigir esse negócio de medida provisória.

Ô, Serys, V. Exª é professora; professora é a única profissão que se chama de mestre, igual a Cristo. Essa medida que vem aí, Suplicy, de quase R$8 bilhões para suplementar o Orçamento em maio, é ridícula, é uma palhaçada, é uma imoralidade. Com certeza, é corrupção, é coisa de “aloprado”. Em maio?! Ô, meu Corregedor, é a sua missão também, o senhor tem de corrigir tudo. Entendo assim; se estou errado, leve-me lá para essa Corregedoria.

A maior indignidade é chegar aqui uma medida provisória em maio, liberando quase R$8 bilhões - não sei descrever; o povo brasileiro que pagou esse dinheiro - em maio?! Onde está a Comissão de Orçamento? Ô Cafeteira, eu pedi suplementação orçamentária quando governei o Piauí, quando fui prefeito, mas eu pedia em novembro, em dezembro - houve inflação, não deu -, mas pedir em maio, Suplicy?!

Senador Romeu Tuma, V. Exª é o Corregedor, e sei que nosso querido Presidente não está entendendo o jogo. Isto aqui é humilhar o Poder Legislativo. Eles têm de ser eqüipotentes, harmônicos, igualitários. Então, o Poder Executivo manda, e este Congresso, de cócoras, aprova medidas provisórias ilegítimas, ilegais, indignas, que, com certeza, vão cair na vala da corrupção. E, com certeza, foram feitas por aloprados.

Sr. Presidente, quero fazer um convite ao Brasil. A Ordem dos Parlamentares do Brasil é uma instituição criada por Ulysses Guimarães. À época, tornou-se muito importante, porque ele não podia usar a palavra como estou fazendo, pois os Parlamentos estavam fechados. Então, em São Paulo, juntou as Câmaras Municipais e as Assembléias, criando a OPB, que é mais paulista. Eu sou Conselheiro, assim como o Michel Temer. Resolveram torná-la nacional, e acho que é um avanço. É uma criação de Ulysses Guimarães, aquele que disse “ouça a voz rouca das ruas”, aquele que está encantado no fundo do mar, para nos dar coragem para ser Oposição e lutar.

Senador Romeu Tuma, temos um grupo do PMDB nesta Casa. Como Ulysses tinha os Autênticos, temos os Independentes. Os Independentes do PMDB, que dependem, sim, do povo, que dependem da ordem e do progresso. E é o único grupo que pode ter nome para garantir a alternância da democracia numa eleição: Pedro Simon, Jarbas Vasconcelos, Joaquim Roriz, Gerardo Almeida e outros - e eu estou lá para apoiá-los.

Esta é a Casa do confronto, Senador Romeu Tuma. Nós temos de fazer. Atentai bem! Cuba, Senador Epitácio Cafeteira, existe. Cuba está aí, não está? É democracia? A Venezuela eu conheço, tem outro discurso.

Hoje, só a sensibilidade está aqui me permitindo falar, se o Presidente fosse do PT já me teria cortado. Mas Deus escreve certo por linhas tortas: mandou os Senadores Epitácio Cafeteira e Romeu Tuma.

Mas a Venezuela existe. Eu conheço sua história. No Equador - meditai, Brasil! -, outro dia o cara ganhou lá. Ô, Senador Romeu Tuma, não falo nem do Chávez nem do Morales, mas esse entrou há quatro meses. Sabe o que ele fez? Um plebiscito, com a máquina do Governo. O povo deu. Fez uma Constituinte. Cassou dezenove Deputados, colocou os Suplentes, os Deputados recorreram à Justiça e conseguiram uma liminar.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PFL - SP) - Senador, vou dar mais dois minutos para V. Exª terminar.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI) - É o suficiente.

Aí ele mandou prender os juízes que deram a liminar.

Prendeu a metade dos Deputados; os outros fugiram para a Colômbia. Nicarágua tem; Bolívia está aí. Então, nosso dever é esse confronto.

Para isso, o PMDB está aqui, Senador Romeu Tuma, como nos tempos do Ulysses Guimarães, com os Independentes. Podemos dizer aqui como Rui Barbosa: “Não trocamos nossas convicções por cargos, por um Ministério”.

Orgulhoso, quero dizer que, neste ano, os melhores pronunciamentos foram Mãos Limpas, de Pedro Simon, e A Oposição Exercida com Direito, de Jarbas Vasconcelos.

É aqui que temos de fazer o confronto. Aqui é a última resistência. O Brigadeiro Eduardo Gomes - V. Exª, Sr. Presidente, o conheceu - combateu a ditadura Vargas. Getúlio era um ditador, mas, por uma sorte nossa, era um homem trabalhador, um estadista. Ele disse: “A eterna vigilância é o preço da democracia”.

E eu darei um ensinamento ao nosso querido Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Presidente Luiz Inácio, Miterrand, no fim de sua vida, em uma luta como a de V. Exª, tentou várias vezes a Presidência da França, perdeu-a. Conquistou-a e foi reeleito como Vossa Excelência. Lá, passou 14 anos. No fim do seu governo, teve um câncer. Como Teotônio, moribundo, cumpriu seu dever. Escreveu um livro.

Nem podia mais escrever, pediu a ajuda de um Prêmio Nobel da Literatura. E deixou a mensagem que quero levar ao nosso Presidente da República: “Se eu voltasse a ser Presidente, fortaleceria os contra-poderes”.

Então, com essas palavras, com o sacrifício e a história de Miterrand, peço ao Presidente da República que respeite o Senado do Brasil.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/05/2007 - Página 14359