Discurso durante a 84ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Repúdio às declarações do presidente Hugo Chávez contrárias à manifestação do Senado brasileiro a respeito do fechamento da RCTV, a Rádio Caracas Televisão.

Autor
Valter Pereira (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Valter Pereira de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Repúdio às declarações do presidente Hugo Chávez contrárias à manifestação do Senado brasileiro a respeito do fechamento da RCTV, a Rádio Caracas Televisão.
Aparteantes
Cristovam Buarque, Heráclito Fortes, José Nery.
Publicação
Publicação no DSF de 02/06/2007 - Página 17857
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DIVULGAÇÃO, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, AGRESSÃO, CONGRESSO NACIONAL, MOTIVO, REPUDIO, SENADO, CONDUTA, GOVERNO ESTRANGEIRO, RETIRADA, CONCESSÃO, TELEVISÃO, PREJUIZO, LIBERDADE DE IMPRENSA, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA, AMERICA LATINA.
  • CRITICA, DITADURA, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, UTILIZAÇÃO, REDE DE TELECOMUNICAÇÕES, MANIPULAÇÃO, DIVULGAÇÃO, DOUTRINA, COMUNISMO, RECEBIMENTO, APOIO, POPULAÇÃO, ESTATIZAÇÃO, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA.
  • NECESSIDADE, CONGRESSO NACIONAL, APROVAÇÃO, MANIFESTO, REPUDIO, GOVERNO ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, AGRESSÃO, SENADO, EXPECTATIVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DEFESA, DIGNIDADE, SOBERANIA NACIONAL.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente, mas vou fazer um breve pronunciamento.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não poderia calar-me nesta manhã, quando, lendo a Folha de S.Paulo, deparei-me com a notícia que o jornal traz não só para o Congresso brasileiro, mas para toda a Nação, de uma verdadeira agressão do Presidente da Venezuela contra o nosso País. Digo contra o nosso País porque a agressão perpetrada pelo coronel venezuelano é contra o Congresso Nacional.

            Vejam o que diz o Presidente Chávez. A notícia é a seguinte:

O presidente venezuelano, Hugo Chávez, disse ontem, à noite, que o Senado Brasileiro age como um papagaio do congresso americano e que é mais fácil o Brasil voltar a ser colônia portuguesa do que o seu governo devolver a concessão ao canal oposicionista RCTV.

            O que o Presidente da Venezuela mostra, Sr. Presidente, é aquele traço típico de todos os ditadores: todos eles são intolerantes com qualquer manifestação contrária. Esse é o traço das ditaduras. Que autoridade tem o Sr. Hugo Chávez para criticar qualquer legislativo do planeta, Sr. Presidente? Um homem cuja biografia não só a América Latina, não só o povo brasileiro conhece, mas o mundo inteiro acompanhou os seus embustes, as suas agressões perpetradas em seu território contra as instituições democráticas.

            Disse o Presidente Hugo Chávez:

O Congresso brasileiro está agora subordinado a Washington. O Congresso do Brasil deveria se preocupar com os problemas do Brasil. O Congresso é dominado pelos movimentos e partidos da direita, que estão tentando que a Venezuela não entre no Mercosul.

            Ora, Sr. Presidente, travestindo-se de conselheiro, o Presidente da Venezuela vem ensinar que os congressistas brasileiros deveriam ficar adstritos aos problemas do País. Logo o Presidente Hugo Chávez! Logo um Chefe de Governo que está se intrometendo na vida de todos os seus vizinhos, financiando campanhas eleitorais de uns para depois influenciar, interferindo em negociações comerciais entre outros Estados, como aconteceu com a Bolívia e o Brasil, interferindo em todo processo eleitoral que ocorre na América Latina, usando inclusive recursos que deveriam ser utilizados para socorrer o seu povo, que está em situação de indigência. Agora, dá-se ao luxo de vir aconselhar o Congresso brasileiro a restringir a sua ação aos problemas brasileiros.

            Ora, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no momento em que o Senado Federal toma uma posição em defesa da liberdade, em defesa da liberdade de imprensa, tão cara para o Brasil e para a Venezuela, nós estamos, sim, cuidando dos nossos interesses, estamos cuidando, sim, dos interesses do povo brasileiro, que tem na democracia um de seus maiores patrimônios.

            O Congresso da República brasileira é composto de democratas, muitos dos quais estiveram nas ruas, nas praças, nos sindicatos, em todos os lugares, lutando contra uma aventura militar que por vinte anos confiscou a liberdade de imprensa em nosso País.

            A liberdade de imprensa é um patrimônio nacional, um patrimônio universal, do qual os congressistas deste País não podem abrir mão, e não vão abrir mão, mesmo que o genérico de Adolf Hitler venha a se arvorar em conselheiro de congressistas brasileiros.

            Insinua o Chefe de Governo da Venezuela que o Congresso Nacional brasileiro estaria seguindo as orientações e as estratégias do governo ou do congresso americano. Ora, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quantas vezes este mesmo plenário, esta mesma tribuna não foi ocupada por parlamentares de diversas matizes para tecer críticas com relação à condução dos negócios por parte do governo americano, por parte até do próprio congresso americano?

            A nossa independência não precisa ser proclamada aqui. Não precisa, porque a história do Congresso é uma história de respeito à liberdade, de respeito à independência. Tivemos um Congresso que durante muitos anos foi castigado por interferências de um regime autoritário que cassava mandatos e que suspendia direitos políticos porque não conseguia tutelar o Congresso Nacional.

            Hoje, que estamos livres dessas peias, das peias autoritárias, mais que nunca, este Congresso tem autoridade para censurar a conduta do Presidente da Venezuela, porque ela constitui uma ameaça não só à liberdade de imprensa daquele país, mas à paz de todo este continente, já que o Presidente Hugo Chávez vive interferindo na vida de todos os seus vizinhos.

            Veja, Sr. Presidente, a notícia que traz o jornal Folha de S.Paulo:

Este Congresso faz um mau favor à causa sul-americana. A esses representantes da direita brasileira, eu digo que é muito mais fácil o império português se instalar em Brasília do que o governo da Venezuela devolver a concessão à oligarquia venezuelana", disse Chávez, que elogiou a posição de Lula. Antes, Chávez já havia feito críticas aos senadores chilenos e americanos e ao Parlamento Europeu por resoluções contrárias ao fim da concessão da TV.

            Sr. Presidente, a reação que está havendo contra o Sr. Hugo Chávez é uma reação dos parlamentos democráticos, dos parlamentos que têm compromissos com a democracia e que estão assistindo à demolição paulatina dos pilares do regime democrático, inclusive com o uso das regras do próprio regime liberal.

            Infelizmente, o que estamos assistindo aqui - atônitos - é à consolidação de um regime que não só vai confiscar a liberdade do povo da Venezuela, mas vai trazer a inquietação, a intranqüilidade e o desassossego a toda a família sul-americana; e não só à família sul-americana, mas a todo o continente americano.

            De fato, o Presidente não quer e não vai devolver a emissora que foi proscrita daquele país, que perdeu o seu canal aberto. E não quer devolver por quê? Porque a área de comunicação está para as ditaduras como as águas estão para os peixes. É por meio da doutrinação, da lavagem cerebral que ele vai conseguir, ou pelo menos tenta conseguir, a hegemonia absoluta, característica fundamental de qualquer regime autoritário.

            Ouvi, aqui, há poucos instantes, a fala do Senador José Nery, defendendo um plebiscito para saber se a opinião pública brasileira aprova ou não uma transação.

            Veja, Sr. Presidente, aqui no Congresso, um Senador que representa um importante segmento progressista vem, fala livremente, defende a sua posição. Quando, na Venezuela, se fala em plebiscito - e agora se fala inclusive para saber se a sociedade da Venezuela aprova essa medida autoritária -, qual é a reação do Presidente? A reação do Presidente da Venezuela é rechaçar a proposta.

            Honra-me, Senador Cristovam Buarque.

            O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Senador Valter Pereira, quero primeiro dizer que fico feliz em ouvir o seu pronunciamento e de tantos outros em relação a esse ato de fechar uma televisão. Mas acho importante, com todo risco de ser mal-interpretado, lembrar que alguns anos atrás, quando houve um golpe contra o Presidente eleito da Venezuela Hugo Chávez, não houve grandes manifestações neste Senado. E V. Exª não tem culpa nenhuma, nem eu, porque não estávamos aqui. Eu gostaria de que a mesma reação que os democratas brasileiros têm - e democratas não no sentido do partido, mas no do sentimento - na defesa da livre expressão, que é corretíssima e, felizmente, nós temos, os mantivesse alerta para defender toda tentativa de golpe de Estado que possa ocorrer no Brasil contra presidentes eleitos, como houve contra o Presidente Chávez, eleito diretamente pelo povo da Venezuela.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - V. Exª tem razão, Senador Cristovam Buarque, quando diz que toda vez que houver uma tentativa de violar o resultado da manifestação da vontade popular ou de violar a liberdade e a democracia, o Congresso tem que reagir, e reagir com energia.

            De fato, o Congresso brasileiro não tem a obrigação só de falar das estradas do nosso País, das escolas que precisam de reparos, do ensino que precisa melhorar, da violência que se alastra pelo nosso País. Temos que preservar este bem chamado liberdade. Temos que preservar a vontade popular.

            Porém, divirjo de V. Exª em um ponto: quando coloca como legítima a eleição do Presidente Hugo Chávez. Realmente, o Presidente Hugo Chávez foi eleito. Mas V. Exª, mais do que ninguém, sabe muito bem quantos ditadores começaram a sua ascensão, começaram a consolidar os seus projetos autoritários usando exatamente as regras eleitorais estabelecidas por regimes democráticos. Quantas vezes desfilam isso pelos livros da nossa História! Vimos multidões e multidões nas ruas e nas praças ovacionando lideranças que se diziam libertárias, mas, na verdade, iniciando uma caminhada autoritária sob os aplausos, sob a ovação de toda a comunidade.

            Infelizmente, Senador Cristovam Buarque, estamos assistindo à repetição de tudo isso. É por esse motivo que eu diria, sem medo de afirmar, que o títere que está hoje comandando esse retrocesso na Venezuela é, de fato, um genérico de Adolf Hitler, de Mussolini e de tantos outros ditadores que infelicitaram o planeta e que se valeram de regras democráticas e se escoraram nos aplausos, nas ovações que recebiam nas praças públicas.

            V. Exª quer outro aparte, Senador Cristovam Buarque?

            O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Eu já tinha desistido, mas já que V. Exª falou eu vou dizer. Mais uma vez, fico contente de ver o seu espírito liberal e democrático, mas foi um discurso muito parecido com esse que levou ao golpe militar de 1964: a idéia de que João Goulart, Vice-Presidente eleito democraticamente, estava se transformando em um ditador, colocando os trabalhadores na rua, querendo tomar o poder, segundo se dizia, de maneira autoritária. O discurso de que um presidente foi eleito e virou ditador - e acontece, sim, é verdade, não há dúvida nenhuma - pode terminar legitimando, e quem tiver mais força bruta termine destituindo aqueles que foram eleitos, sobretudo se quem tiver maior força bruta tiver também condições de manipular a opinião pública. Entendo que não é a intenção de V. Exª, que é um democrata, mas é muito perigosa a idéia de dizer que o Presidente Hugo Chávez foi eleito democraticamente, mas está virando um ditador e isso justifica fecharmos os olhos se houver um golpe de Estado contra ele.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - V. Exª sempre encanta quando pede um aparte ou quando faz um discurso, mas, às vezes, deixa de exprimir alguma coisa que é necessária para que a verdade seja a mais abrangente possível. Não me consta que o Presidente João Goulart tenha fechado uma emissora de rádio neste País; não me consta, Senador Cristovam Buarque, que tenha havido um só gesto do Presidente João Goulart no sentido de restringir o direito de ir e vir das pessoas, o direito de se manifestarem. V. Exª se lembra muito bem das marchadeiras. Quem eram as marchadeiras? Eram aquelas que andavam pelas ruas, na “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, uma manifestação livre e independente que o Brasil fazia, e o Presidente com ela convivia. E convivia também com as manifestações sindicais; e convivia com a imprensa; e convivia com a oposição. É diferente. Comparar João Goulart com Hugo Chávez, V. Exª vai me desculpar, mas não há termo de comparação.

            Honra-me ouvir o aparte de V. Exª, Senador Heráclito Fortes.

            O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - É exatamente sobre esse assunto que quero aparteá-lo. O caminho que faz o Sr. Hugo Chávez é o inverso daquele feito pelo Presidente João Goulart. João Goulart procurou, por meio das reformas de base e da diminuição das desigualdades sociais, atender ao chamamento do povo. Ele foi às ruas; ele não colocou os tanques nas ruas. É um pouco diferente do Sr. Chávez. O Sr. Chávez interferiu no Judiciário, garroteou o Legislativo e agora entrou de maneira injustificável no segmento de imprensa, fechando uma emissora de televisão de cinqüenta anos de existência, numa atitude injustificável, inaceitável, que vem recebendo protestos do mundo inteiro. Conhecendo V. Exª como conheço, democrata que é, tenho certeza, Senador Cristovam Buarque, que está havendo uma falta de sintonia entre o que V. Exª disse - foi o que entendi - logo no início e no decorrer desse debate. Percebi que V. Exª quis dizer que, do mesmo jeito que o Brasil foi solidário com Chávez, quando vítima do golpe, ele não tem o direito de, no poder, agir da forma como está agindo. Por outro lado, quero lembrar mais, o Sr. João Goulart não modificou a Constituição, garantindo a ele próprio reeleições sucessivas. São dois fatos completamente diferentes. Daí por que acho grave. E o mais grave, Senador Cristovam, foi a maneira agressiva com que ele tratou o Parlamento brasileiro, desrespeitando nossa autonomia, querendo cobrar do Presidente Lula o comportamento do Congresso Nacional, como se o Legislativo daqui não fosse independente.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Agradeço a V. Exª o aparte, Senador Heráclito Fortes. Realmente, V. Exª repõe o debate nos termos em que deve ser conduzido.

            Sr. Presidente, mais grave do que fechar o canal de televisão é o fato de que outro canal está substituindo a RCTV. E a quem pertence esse canal que está substituindo a RCTV? Pertence ao Estado, é um canal para Hugo Chávez.

            Então, estamos percebendo que há uma substituição das instituições livres, das instituições democráticas, da participação da sociedade no meio das comunicações por uma participação estatal, por uma intervenção estatal. Se isso não é fechamento do regime, paciência! Aí fica difícil saber o que representa esse fechamento.

            O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Senador Valter Pereira, V. Exª me permite um aparte?

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Senador José Nery, honra-me ouvir o aparte de V. Exª.

            O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Senador Valter Pereira, é verdade que essa decisão do governo da Venezuela em relação a uma emissora de televisão causou impacto, mas é necessário que tenhamos elementos mais efetivos para conhecermos as razões que levaram a essa decisão. Creio que não estão suficientemente esclarecidas as razões dessa decisão com a qual todos nós, democratas, socialistas, que defendemos todas as liberdades, bem como a liberdade de imprensa, não concordamos. Mas não podemos deixar de considerar a disputa política e ideológica de projetos da sociedade que estão em curso na Venezuela e não podemos deixar de considerar um conjunto de ações de conteúdo democrático e popular que estão em curso naquele país. Não fosse assim, não teríamos assistido à eleição e à reeleição do Presidente Chávez, com um aspecto que precisa aqui ser lembrado: uma forte oposição. A Oposição no Brasil é feita pelos partidos políticos, pelas organizações da sociedade, pelos movimentos sociais, mas, na Venezuela, pelo que temos conhecimento, a Oposição é comandada por grandes monopólios, por grandes grupos econômicos que têm, em alguns dos meios de comunicação daquele país, a referência para fazer diretamente, de forma bastante incisiva, o combate ao Governo, que pode ter seus defeitos, mas que foi eleito pelo povo. Portanto, quero chamar a atenção para o conceito de ditadura que vem sendo dito e difundido no curso desse debate sobre a situação atual da Venezuela. É verdade que precisamos conhecer melhor qual é realmente a situação interna dessas forças que disputam no país projetos, rumos etc. É preciso conhecermos melhor o que há na Venezuela, para emitirmos opinião com maior precisão, com maior clareza, porque, a meu ver, o que está acontecendo na Venezuela tem aspectos positivos, principalmente do ponto de vista das riquezas do País, tanto é que estão em processo de nacionalização e de estatização vários setores estratégicos da economia, para direcionar mais recursos à educação, uma das bandeiras nas quais V. Exª, Senador Cristovam, é referência nesta Casa. Os lucros das empresas, os recursos orçamentários estão sendo colocados a serviço da melhoria da saúde da população. Inclusive, o Presidente Chávez trouxe de Cuba 20 mil médicos.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - V. Exª está me lembrando aqui da nossa ditadura; infelizmente, V. Exª nos está lembrando disso.

            O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Não, pelo contrário, Senador.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Os discursos da nossa ditadura eram os mesmos. Ninguém pode negar hoje, Senador Nery, os grandes avanços que ocorreram na ditadura. Ninguém pode negar aqui que isso ocorreu no plano econômico. Por exemplo, lembro a V. Exª que o Estatuto da Terra, que ainda é o estatuto mais avançado do ponto de vista social em nosso País, proveio da ditadura militar, mas, nem por isso, podemos justificar como virtuosa a intervenção militar, porque ela foi nefasta, confiscou a liberdade.

            O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Estamos falando, com todo respeito ao pensamento de V. Exª - e aqui o importante é isso...

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Mas V. Exª está defendendo uma ditadura.

            O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Não a estou defendendo. V. Exª considera um governo eleito democraticamente uma ditadura?

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - V. Exª está dizendo que essa emissora teria de ser punida, porque combate o governo.

            O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Eu disse a V. Exª e ao Plenário duas coisas. Primeiro, precisamos ter melhor ciência do que ocorre na Venezuela, para termos mais clareza, Senador Heráclito Fortes. V. Exª é o Presidente da Comissão de Relações Exteriores.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Mas todo mundo tem ciência de que lá está havendo castração à liberdade de imprensa. Isso não é dúvida para ninguém. V. Exª tem dúvida de que está havendo castração à liberdade de imprensa?

            O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Como eu disse, é preciso conhecer, entender as razões...

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Advirto o orador da tribuna e o do plenário. Não vou buscar o Regimento, mas a bandeira: “Ordem e Progresso”. Senador José Nery, se o aparte for concedido, V. Exª fala, e, regimentalmente, quero lembrar, o aparte é de dois minutos. Então, o lema positivista “Ordem e Progresso” cabe muito bem agora.

            O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Tenho a certeza de que o Senador José Nery não terminará esse aparte sem antes se manifestar sobre as agressões do Sr. Chávez ao Senado do qual S. Exª faz parte.

            O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Senador Valter Pereira, eu estava dizendo duas coisas. Primeiro, é preciso conhecer melhor o que está acontecendo na Venezuela. Em segundo lugar, temos de examinar que a situação lá é diferente, porque o que se diz - por isso, é preciso conhecer melhor - é que uma emissora de tevê, organizada sob interesses econômicos poderosos, age como um partido político. Aqui há os partidos políticos, a sociedade civil, os movimentos sociais que fazem política. No entanto, não podemos emitir, de pronto, um parecer. Por isso, defendo que é preciso conhecer melhor a situação vigente na Venezuela. Sei que V. Exª combateu a ditadura. Combati a ditadura desde a juventude e ficaria muito triste se fosse associado a qualquer defesa que relembrasse a ditadura, governos ditatoriais impostos por generais e não eleitos pelo povo. Portanto, guarda aí uma grande diferença! Na Venezuela, hoje, os mais pobres, os excluídos - dos pescadores aos trabalhadores rurais e aos moradores de periferias -, são atendidos por diversas políticas públicas. Há acesso à educação, garantia de médicos e de atendimento de saúde nas mais diversas localidades, nos locais mais distantes do país. Então, essas questões mereceriam de todos nós um exame mais acurado. É isso o que estou defendendo. Em relação ao meu pronunciamento referido por V. Exª há pouco, eu dizia da importância de um plebiscito ou de uma consulta popular - como disse o Senador Heráclito Fortes - para saber a opinião da população sobre a anulação do leilão de privatização da Vale do Rio Doce. Na Venezuela, a Constituição admite o chamado “plebiscito revogatório”, pelo qual determinado percentual de eleitores pode requerer ao Tribunal Eleitoral a realização de um plebiscito para destituir do poder o Presidente que estiver governando.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - E por que o Presidente rechaça essa hipótese?

            O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Na Venezuela, no primeiro mandato de Hugo Chávez, vamos recordar, houve um momento de grande conflito em que parcela importante da oposição se organizou e conseguiu o número de assinaturas necessárias para requerer ao Tribunal Eleitoral do país a realização de um plebiscito para revogar o mandato do Presidente da República. Uma vez que se conseguiu isso junto ao Tribunal, foi realizado o plebiscito, e o Presidente se manteve no poder com o apoio de mais de 70% dos eleitores do país. Então, eu queria que relativizássemos esse conceito de ditadura que está sendo aplicado à situação existente na Venezuela, para que pudéssemos emitir um parecer, uma opinião, uma observação com mais clareza, com conhecimento de maiores detalhes do que hoje ocorre naquele país. De maneira geral, penso que nossa atitude deve ser de preocupação. Devemos entender e querer que essa questão seja esclarecida. Nós, democratas, somos favoráveis à liberdade de imprensa, mas recomendo que tenhamos mais esclarecimentos sobre os fatos, sobre a decisão e sobre seu conteúdo, porque acho que não os temos. Por isso, manifesto-me nesse sentido e agradeço a V. Exª o aparte concedido.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Também lhe agradeço, Senador José Nery.

            O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Senador Valter Pereira, só gostaria de ouvir o Senador Nery, se fosse da conveniência de S. Exª, já que se manifestou aqui como um excelente constitucionalista venezuelano, mostrando que sabe de todos os mecanismos constitucionais da Venezuela. Peço ao Senador que se manifeste sobre a agressão que o Senado da República sofreu ontem por parte do Presidente da Venezuela e que dissesse se essa atitude é democrática. Esse seu silêncio está me deixando aqui inquieto. Eu gostaria de ouvi-lo. V. Exª está bem mais perto da Venezuela do que eu, que sou piauiense. Gostaria de ouvi-lo. Sei que V. Exª é um venezuelanista...

            O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Não, sou um brasilianista.

            O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - É um brasilianista. V. Exª está se aperfeiçoando nessa questão. Mas eu gostaria de ver o que V. Exª entende do que foi dito pelo Sr. Chávez contra o Senado.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - As ofensas lançadas contra o Congresso brasileiro, é essa a questão.

            O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Está, mais uma vez, ao lado do dócil, afável - se V. Exª não quer que chame de ditador -, democrático e simpático Presidente venezuelano. Fica a escolha de V. Exª.

            O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Sobre essa questão, ontem, manifestei opinião, dizendo exatamente o seguinte: sou defensor da autonomia, da autodeterminação dos povos. E, nessa questão, pela razão de não ter todos os elementos em relação ao assunto - por isso, defendi isso aqui -, penso que não deveríamos emitir opinião sobre o que acontece na Venezuela do ponto de vista das decisões que estão sendo tomadas lá. Da mesma maneira, o Presidente Chávez não deveria emitir opinião sobre questões de órgãos do Governo brasileiro, do Parlamento brasileiro. Então, não deveríamos fazer aquela recomendação - por isso, eu a achei incorreta - sem haver aqui um conjunto de informações sobre o que de fato está acontecendo na Venezuela. Por isso, defendi que não deveríamos enviar aquela recomendação. Foi isto que o Senado fez: enviou uma recomendação.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - V. Exª, então, não está devidamente convencido de que, na Venezuela, está havendo uma violação constante e permanente da liberdade de imprensa?

            O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Não estou convencido de que dispomos aqui de todas as informações para emitir, em nome do Senado brasileiro, uma recomendação, como feita aqui, sem que tenhamos condições de avaliar o que está em disputa, as condições de disputa política, as condições de divergência, e também aqueles que podem ser elementos negativos na experiência da Venezuela, bem como aquilo que pode ser elemento positivo na experiência da Venezuela. Por essa razão, precisaríamos ter mais dados, mais informações, sobre o contexto venezuelano, para emitir a opinião do Senado Federal. Essa é nossa opinião.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Agradeço a V. Exª o aparte, Senador José Nery, que sabe muito bem da admiração e do respeito que tenho pela sua história, uma história de homem que lutou sempre.

            O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Não consigo entender a defesa de uma conduta tão desigual. Se estivéssemos falando de um vizinho que não se intrometesse nas fronteiras, que não estivesse dando palpite nos países da América Latina, que não estivesse interferindo e, inclusive, financiando campanha, como todo mundo noticiou... Agora, diante desse vizinho, temos de assistir à demolição de todo o edifício democrático daquele país de braços cruzados. Estamos assistindo à demolição da liberdade, estamos assistindo a esses discursos intervencionistas que ele tem feito rotineiramente, ameaçando a paz em todo o continente.

            Senador Heráclito fortes, honra-me o aparte de V. Exª.

            O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - V. Exª há de compreender - eu compreendo - o engajamento do Senador José Nery nessa questão venezuelana. É um direito dele. O Senador José Nery é tido aqui como homem que tem ligações históricas com a Igreja, mas veja bem: o Sr. Chávez agrediu o Papa, e o Sr. Nery ficou silencioso, ficou silencioso. É impressionante esse engajamento. Não se mete nas questões internas, fez um discurso...

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador Heráclito, lamento interrompê-lo, mas apenas quero lembrar ao orador que zelo muito pela sua palavra. V. Exª disse que seria breve.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Estou sendo breve.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - O seu discurso acaba de completar 40 minutos.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Então, meu relógio parou.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Zelo pela palavra de V. Exª, que começou seu pronunciamento, dizendo que seria muito breve, que não faria como José Nery, que discursou por 50 minutos.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Não, eu não disse isso. O Senador José Nery sempre tem uma palavra abalizada...

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Então, V. Exª continua agora. S. Exª falou por 50 minutos...

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Vou concluir, vou apenas permitir esse aparte ao Senador Heráclito.

            O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Só quero concluir. Veja bem que S. Exª tem verdadeira ojeriza ao Sr. Bush. No entanto, dentro desse princípio do Senador Nery, deveríamos respeitá-lo, porque são questões internas; não devemos mexer nas questões dos Estados Unidos. No entanto, S. Exª fez um pronunciamento ali daquela tribuna, criticando o Sr. Bush e convocando os argentinos a se manifestarem contra a presença de Bush. São dois pesos e duas medidas. Vai falar o profeta Heráclito Fortes aqui e agora: esperem até que o Senado receba a comunicação de que José Nery será homenageado pelo Governo de Hugo Chávez com a medalha mais importante já concedida pelo Governo da Venezuela a um parlamentar estrangeiro!

            O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Permita-me, nobre Senador, um aparte?

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Pode falar, pois V. Exª foi citado.

            O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Para defender causas justas, causas que considero fundamentais dentro do exercício do mandato de parlamentar, com a visão de mundo e com o compromisso de transformação de situações injustas que ocorram em qualquer parte, não preciso - e digo isto ao Senador Heráclito com todo o respeito - de medalha alguma, de prêmio algum.

            O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - A medalha é o reconhecimento. Fique tranqüilo!

            O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Exato. Nesse sentido, não espero homenagem de quem quer que seja, a não ser pelo fato de querer manter-me fiel a uma visão de mundo, a um compromisso de transformação, à minha luta em defesa da justiça social contra as desigualdades, ocorram onde ocorrerem. E, nessa situação em particular, não posso comparar - é incomparável, em termo de conteúdo - o império do mal, que agride os países, que promove a guerra, que mata milhões de pessoas de fome com os ataques feitos pelos Estados Unidos, com um país que tenta fazer reformas, que tenta mudar sua história a partir dos interesses dos setores populares, dos interesses do povo mais sofrido, embora essa atuação desperte divergências, desperte disputas, desperte um conjunto de situações que está sendo debatido aqui. O que é importante em tudo isso, Senador Valter Pereira, é que manifestemos, aqui, nossas convicções, as idéias que professamos e a história política de cada um de nós e que o façamos num grau de maturidade, de debate político fraterno, sem que, além disso, queiramos atingir qualquer outro objetivo, a não ser o de fazer o debate sobre temas importantes relacionados ao Brasil, ao continente, ao mundo. E isso já estamos fazendo aqui. Portanto, quero cumprimentar V. Exª pelo pronunciamento e também pela oportunidade de poder, aqui, dialogar sobre questões que são importantes e que merecem nossa observação, no contexto em que estamos apreciando a situação da Venezuela. Muito obrigado a V. Exª.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Obrigado, Senador José Nery.

            Sr. Presidente, antes de encerrar, eu gostaria de dizer que nada justifica a substituição da liberdade de imprensa pela intervenção do Estado nos meios de comunicação. Nada justifica isso. Se houvesse alguma represália contra uma emissora que tivesse transgredido as normas jurídicas daquele País e se esse canal tivesse sido submetido ao processo licitatório - como ocorreria, normalmente, quando se trata de concessão -, é claro que os pecados do Sr. Hugo Chávez seriam muito mais discutíveis e que teríamos muito mais condições de defendê-lo. No entanto, estamos assistindo à substituição dos canais livres de televisão e de rádio por uma intervenção do Estado, ou seja, há o interesse velado em se criar um Estado autocrático, uma ditadura, que nasce, é bem verdade, de um mandato popular. Infelizmente, o Sr. Hugo Chávez valeu-se de um mandato popular, de uma eleição livre e democrática, para sufocar, para asfixiar a liberdade e a democracia.

            Falou, aqui, sobre esse mesmo assunto, o Líder do Governo, meu amigo, meu companheiro de Partido, Romero Jucá. S. Exª falou com muita propriedade. Além de expressar seu pensamento, sua indignação como democrata que é, creio que o Senador Jucá exprimiu o pensamento do nosso Partido. O PMDB jamais compactuaria com essa conduta antidemocrática, que está sendo imposta ao povo da Venezuela, por intermédio do seu Presidente.

            Portanto, creio que o Senado, como instituição, precisa reagir contra essa prepotência, contra essa arrogância e, sobretudo, contra a agressão inominável de um aventureiro golpista - golpista, sim, porque todos nós conhecemos sua história! -, que, hoje, prepara-se para, por meio de regras democráticas, consolidar seu velho ideário, que é o de estabelecer um regime autoritário, uma ditadura, cujo desfecho todos já podemos prever, até porque já passamos por essa experiência, por essa dolorosa experiência em nossa história recente.

            Entendo, Sr. Presidente, que, na semana que se inicia, é preciso que o Congresso - pelo menos, o Senado Federal - aprove moção de repúdio contra as agressões sofridas pelo Senado brasileiro por parte do Presidente da Venezuela. Espero que o Presidente da República, o Presidente Lula, também ultrapasse as restrições da sua diplomacia, dessa diplomacia de excessivo comedimento e de excessiva tolerância com esses aventureiros, e tome uma posição em defesa da soberania do Brasil, em defesa da dignidade do Congresso Nacional. O Presidente da Venezuela, quando agride o Senado, está agredindo toda a consciência democrática deste País.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

            


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/06/2007 - Página 17857