Discurso durante a 108ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre a crise de confiança junto à população, em razão das constantes denúncias de corrupção em todo o país. A gravidade da corrupção nas prioridades sociais, como a saúde e a educação.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Reflexão sobre a crise de confiança junto à população, em razão das constantes denúncias de corrupção em todo o país. A gravidade da corrupção nas prioridades sociais, como a saúde e a educação.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Papaléo Paes.
Publicação
Publicação no DSF de 10/07/2007 - Página 22838
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, RECEBIMENTO, CORRESPONDENCIA, CIDADÃO, DEBATE, PROBLEMA, CORRUPÇÃO, ANALISE, ORADOR, FALTA, ETICA, ABANDONO, PRIORIDADE, POLITICA SOCIAL, ESPECIFICAÇÃO, SITUAÇÃO, SAUDE PUBLICA, INFERIORIDADE, VALOR, TABELA, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS).
  • PROTESTO, ATUAÇÃO, JOAQUIM RORIZ, EX GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF), FECHAMENTO, PROGRAMA, SAUDE, EDUCAÇÃO, LAZER, POPULAÇÃO CARENTE, SEMELHANÇA, PERDA, PRIORIDADE, BOLSA FAMILIA, COMPARAÇÃO, RENDA, CIDADANIA, VINCULAÇÃO, ESCOLARIDADE, RETROCESSÃO, CONSCIENTIZAÇÃO.
  • DENUNCIA, FALTA, PRIORIDADE, AGUA, ESGOTO, SIMULTANEIDADE, DESTINAÇÃO, SUPERIORIDADE, VERBA, EDIFICIO SEDE, JUDICIARIO, CONCLAMAÇÃO, ATENÇÃO, APROVAÇÃO, ORÇAMENTO.
  • ANALISE, POLITICA PARTIDARIA, CONCLAMAÇÃO, FORMAÇÃO, GRUPO PARLAMENTAR, DEFESA, ETICA, PRIORIDADE, INTERESSE NACIONAL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Senador Papaléo Paes, Presidente desta sessão. Sr. Senador Mão Santa, a quem vou me referir algumas vezes nesta minha fala, hoje, continuando a sua - eu não imaginava que ia dar continuidade -, tenho recebido centenas de e-mails, mensagens, telefonemas, nestas últimas semanas, com um mesmo, um único tema, que é o problema que nos aflige a todos nesta Casa sob o nome de corrupção. Todos os dias. E dessas centenas, algumas dezenas, eu diria, é uma cobrança em cima de cada um de nós e em cima de mim também, por não estar aqui o tempo todo falando desse assunto. Eu não vou cair na tentação, por conta desses e-mails, de vir aqui falar sobre esse assunto da crise de confiança que temos por conta de fatos recentes.

            Evitei mesmo, durante todo o processo do Senador Roriz, dizer qualquer coisa, Senador Mão Santa, relacionada com as denúncias que terminaram levando-o à renúncia. Até porque eu acho que, no caso do ex-Governador e ex-Senador Roriz, poderia parecer que eu estava politizando o assunto, uma vez que temos tido embates políticos nestes últimos anos no Distrito Federal.

            Volto a insistir que há uma corrupção pior do que a que aparece, e o Senador Mão Santa está tocando nessa corrupção pior, que é a corrupção nas prioridades, Senador Mão Santa. Existe uma corrupção no comportamento de políticos; existe uma corrupção nas prioridades das políticas.

            Não há dúvida, e eu tenho me manifestado aqui em relação à situação do Presidente Renan Calheiros, a quem ajudei a ser eleito Presidente. Fazendo aparte, manifestei a conveniência de ele se afastar da Presidência durante todo esse período. Escrevi artigos sobre a nossa crise de confiança, mas hoje eu quero falar de uma corrupção que está escondida na outra. Essa talvez seja a pior de todas as corrupções: a corrupção de esconder a corrupção nas prioridades.

            Pagar R$2,50 por uma consulta no Sistema Único de Saúde é corrupção pior do que R$2,5 milhões num cheque sem explicação. Não quero - longe de mim - justificar esses 2,5 milhões. Por esse tipo de corrupção, colocamos na cadeia; isso resolve a situação. Mas os R$2,50 de uma consulta não vamos resolver se não fizermos uma revolução neste País da maneira como se define às prioridades.

            Aqui no caso do Distrito Federal, por exemplo. Para mim, muito mais grave que a corrupção que envolve dinheiro foi o fato - aí discuto politicamente, me sinto à vontade com o Governador Roriz, Senador Mão Santa - repito, foi o fato de ele, no segundo dia de Governo, em 1999, ter encerrado o Programa Saúde em Casa. Um programa que atendia um milhão de pessoas no Distrito Federal, com médicos a uma distância não maior do que um quilômetro. E o Senador Eurípedes Camargo, que está aqui, foi testemunha como parte integrante do governo que coordenei, que dirigi, do Partido dos Trabalhadores e mais seis partidos conosco.

            Essa é a corrupção nas prioridades, o que é muito mais nocivo ao Brasil do que até mesmo a vergonha que sentimos da corrupção no comportamento de alguns políticos. Fechar o Programa Saúde em Casa com uma penada, demitir médicos, enfermeiros, psicólogos, dentistas que trabalhavam em casas que alugávamos perto de onde o povo estava. Essa é uma corrupção política maior do que a corrupção, simplesmente, da ética.

            Parar o Programa Bolsa-Escola, que aqui pagava um salário mínimo e transformá-lo em um programa assistencial, pagando muito menos que isso e sem a exigência da freqüência às aulas, essa é a corrupção nas prioridades que não estamos vendo, que está escondida. Porque vemos a podridão da superfície. No verbo usado pelo Senador Jarbas Vasconcelos, sentimos o odor, o fedor, como ele disse, da podridão da superfície. Mas, lá embaixo, há uma estrutura carcomida, viciada, corrupta, que esquecemos de denunciar, como acaba de fazer o Senador Mão Santa, com a consulta médica de R$2,50.

            Essa engrenagem podre, o odor dela não chega a nós; mas afeta os pobres, esquecidos, excluídos, porque raramente se publica em jornal com a força da denúncia do roubo de dinheiro público, quando passa das mãos do setor público para as mãos do setor privado. Mas o dinheiro que sai também das mãos do setor público para o setor privado sem, diretamente, prestar um serviço ou outro, a esse fechamos os olhos e não o denunciamos.

            Não se denuncia aqui, por exemplo, que o Governador Roriz, depois de tomar posse, fechou o Projeto Orla, em que o Governo havia gasto recursos para transformar a orla do lago em um setor que pudesse gerar emprego, lazer para os jovens. Essa é uma corrupção ainda maior.

            Não se falou sobre o fim do Programa Poupança-Escola, pelo qual se depositavam R$100,00 em uma caderneta de poupança se a criança fosse aprovada; e esse dinheiro só poderia ser retirado quando ela terminasse o segundo grau. Isso foi paralisado de um dia para o outro. Isso é uma forma de corrupção nas prioridades que não podemos, de maneira alguma, esquecer, deixar de lado, porque estamos vendo apenas a corrupção no comportamento dos políticos e não na prioridade das políticas, uma corrupção muito mais nociva porque mais duradoura e porque o Ministério Público não olha - não tem como olhar -; porque a Polícia Federal não tem como ir atrás e saber disso, e se descobrir não vai dizer que é corrupção e sim mudança de prioridade.

            Pagar R$2,50 por uma consulta é uma corrupção nas prioridades, pelo abandono da saúde pública; ou, pior ainda, pela ilusão de que há saúde pública. Engana-se a população. É corrupção sim termos parado no Distrito Federal um projeto como o Bolsa-Alfa, pela qual se pagava ao analfabeto para aprender a ler. No dia em que ele aprendia a ler e escrevia a sua primeira carta, ele recebia o valor de R$100,00, como se estivéssemos comprando a carta que ele escrevia. Aprender a ler depois de adulto, Senador Mão Santa - e V. Exª tem sensibilidade -, é muito difícil.

            Dá-se uma bolsa de US$2mil para um doutor estudar na França, fazer um pós-doutorado ou um doutorado; mas muita gente se recusa a pagar R$100,00 para um adulto aprender a ler. É muito mais fácil um engenheiro fazer um doutorado do que um analfabeto aprender a ler depois dos 30 anos de idade. O esforço mental, a persistência necessária é muito maior para aprender a ler do que fazer pós-graduação. Pagávamos R$100,00 apenas. Mas o programa foi parado, o que é uma forma de corrupção que ninguém denuncia. Ninguém é cassado pela corrupção nas prioridades.

            Felizmente, já tem gente sendo cassada ou obrigada a renunciar por causa da corrupção no comportamento. Às vezes, até pela suspeita; antes mesmo de se comprovar, as pessoas já renunciam. Quero lembrar que, desde 2005, há um projeto de lei, a que dei entrada, proibindo que quem renuncia a um mandato possa candidatar-se na eleição seguinte. Lamento que já esteja na Casa há dois anos, mas paralisado. Mesmo assim, insistimos em olhar apenas a corrupção que aparece na superfície.

            Hoje, no Brasil, temos esta tragédia da corrupção que tem de ser enfrentada, denunciada, combatida. O Senado está desabando junto à opinião pública por falta de credibilidade. Na hora em que resolvermos esse aspecto da corrupção no comportamento dos políticos, a sociedade brasileira e a política brasileira estarão ainda muito longe da ética. Para uma política ser ética não basta parar de roubar o dinheiro, é preciso aplicá-lo corretamente. É como fazíamos aqui com o orçamento participativo. O ex-Senador Eurípedes foi um dos que mais nos ajudaram a levá-lo adiante. Isso foi paralisado. Paralisar aquele projeto é uma forma de corrupção. Deixou-se de dar consciência à população brasileira. É como a mudança do nome Bolsa-Escola para Bolsa-Família. Insisto que é uma forma de corrupção. Não porque signifique roubar dinheiro, mas porque significa roubar a consciência do povo. Antes, ao receber o dinheiro sob o nome de Bolsa-Escola o povo pensava em educação, ao recebê-lo agora como Bolsa-Família pensa apenas na pobreza. Não pensam que estão se educando, mas que estão recebendo um dinheiro de ajuda. Essa é uma corrupção, Senador Papaléo Paes, na consciência da opinião pública, na maneira como o povo pobre pensa - e sabemos que o povo pobre não acredita que tem o direito de ter uma escola tão boa para seus filhos quanto a dos ricos. Talvez essa seja a maior das tragédias para a consciência pública do povo brasileiro.

            Os escravos tinham vontade de ser livres, mas os nossos pobres não têm vontade de educar seus filhos porque acham que não é direito deles. Pensam que a educação de qualidade é um direito divino para os ricos, como se nós, que temos dinheiro para pagar a escola dos filhos, fôssemos nobres e eles pobres, servos, excluídos.

            Ao mudar de Bolsa-Escola para Bolsa-Família, fez-se um retrocesso na consciência política e social do povo brasileiro, e essa é uma forma de corrupção, não no sentido de roubo do dinheiro, mas de roubo da consciência.

            Quando abandonamos os projetos que deveríamos fazer para melhorar o País, estamos fazendo política corrupta, ainda que não roubando dinheiro. Quando, no Distrito Federal, o programa Projeto Saber, que ensinava um ofício aos jovens e permitia que recebessem financiamento junto ao BRB para montar seu negócio, foi paralisado, houve uma forma de corrupção não do comportamento, mas da política.

            E quero chamar a atenção... E vim com intenção de falar nisso, Senador Mão Santa, que agora preside a sessão, mas sua fala me deu mais argumentos. Vim para falar da corrupção nas prioridades das políticas, mais do que da corrupção no comportamento dos políticos. Dessa parte, já há gente demais falando. E não deixei de falar. Não estou sendo omisso, mas não vou concentrar meus discursos, todos eles, na questão da ética do comportamento. Quero falar também da ética nas prioridades. Prioridade na saúde, porque pagar R$2,50 a um médico para uma consulta é uma política corrupta.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Excelência, o que vale é o espírito da lei. V. Exª manifestou o mesmo raciocínio que eu. V. Exª falou na escola ideal para o pobre, e eu defendi as Santas Casas - falei da Santa Casa do Rio de Janeiro para aproveitar a queixa do Noblat -, que são os hospitais para os pobres do Brasil, com todo aparato, com toda decência. Quero dizer aqui, debaixo de Cristo, que, sempre, eu como todos os médicos que operam em Santa Casa tínhamos com os pobres a mesma dedicação, a mesma ciência com que operávamos os ricos que podiam pagar. Então, como essa escola que V. Exª imaginou, para nós, os hospitais Santas Casas cumpriam sua finalidade, chegavam ao pobre em igualdade de condições.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - E parar o apoio às Santas Casas é uma forma de corrupção. É para isso que quero chamar a atenção da opinião pública, que manda inúmeros e-mails, achando que a corrupção é apenas aquela do comportamento imoral de alguns. Tem de ser combatido isso. E volto a insistir: não tenho estado omisso, mas oriento meu discurso indo além dessa corrupção no comportamento, tentando trazer para o debate a idéia da corrupção e da ética, portanto, nas prioridades. Um Governo que não dá apoio às Santas Casas, mesmo que ninguém nesse Governo roube, não está sendo ético. Quando aquele prédio do TRT de São Paulo foi construído, e um Senador aqui foi cassado porque se apropriou do dinheiro que deveria ir para aquela construção por um ato de corrupção no comportamento, ninguém viu que o simples fato de fazer um prédio de luxo num País sem água e esgoto é uma corrupção, mesmo que ninguém roubasse dinheiro do orçamento daquele prédio. Tirar dinheiro daquele prédio para uma pessoa é corrupção no comportamento, mas colocar dinheiro público naquele prédio de luxo, numa sociedade pobre é uma corrupção nas prioridades. E essa é tão grave e de conseqüências mais graves ainda do que a corrupção no comportamento dos políticos que se apropriam do dinheiro público.

            O Sr. Papaléo Paes (PSDB - AP) - V. Exª me concede um aparte?

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu dou, com muito prazer, um aparte ao Senador Papaléo.

            O Sr. Papaléo Paes (PSDB - AP) - Senador Cristovam Buarque, é com muita honra que recebo sua concessão para que eu possa fazer um comentário sobre o seu discurso. Primeiramente, quero parabenizar V. Exª pelo comportamento ético, correto. Diante do fato de um companheiro seu, representante do Distrito Federal, estar sendo acusado de algumas irregularidades, avaliado e julgado nesta Casa V. Exª se manteve de forma admirável. Isso faz com que V. Exª, cada vez mais, tenha o nosso respeito nesta Casa.

            Depois, quero fazer referência a diversos programas que V. Exª conseguiu viabilizar em seu Governo, que serviram como laboratório, por meio de uma experiência bem-feita aqui no Distrito Federal, e foram aproveitados em outros Estados como programas do Governo Federal. Parabenizo V. Exª e faço aqui uma referência especial ao programa Saúde em Casa. V. Exª disse que no primeiro mês após o seu Governo esse programa foi extinto sem qualquer explicação a não ser a idéia de se economizar esse dinheiro, que havia sido muito bem aplicado, para construir obras de fachada, obras não condizentes com a realidade econômica e social da maioria da população brasileira. Quanto à Bolsa-Escola, programa que V. Exª criou, pôs em prática e fez com que todos nós passássemos a ver nele a salvação do nosso povo por meio da educação, atingindo a família mais carente, gostaria de dizer que com esse nome, como V. Exª frisou muito bem, a família tinha o compromisso de responder na escola pela bolsa que recebia. Hoje, com o nome de Bolsa-Família, e acredito que isso se deveu a questões políticas, para descaracterizar a origem desse belo programa, hoje, como V. Exª disse - estou sendo repetitivo -, pensa na família; deixou de pensar na escola e até as cobranças sobre a questão da escola diminuíram. Esse programa não apresenta a eficiência que tinha no tempo em que V. Exª o instituiu e no início da execução dele programa pelo Governo Federal. Então, faço uma referência muito firme à corrupção. V. Exª aborda, com muita propriedade, a corrupção que vai, diretamente, lidar com desvio de verba pública, com falcatruas, com roubalheiras e a corrupção intencional de desviar no sentido sem roubar dinheiro, mas que rouba esperança da população, destruindo aquilo que ela mais poderia esperar em termos de um caminho que levasse ao bem-estar da própria sociedade. Parabenizo V. Exª. Reconheço que sua presença engrandece todos nós e nos deixa sempre numa boa expectativa, quando V. Exª discute um assunto que foi tema de sua campanha a Presidente da República e, com certeza, reconhecido por todos como o tema mais importante das campanhas eleitorais do último ano. Ficamos sempre esperançosos de que homens como V. Exª possam, cada vez, mais lutar, ser perseverantes, persistentes e determinados para que nós tenhamos um país muito melhor, infinitamente melhor mediante a educação. Muito obrigado.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) -Eu é que agradeço.

            Acho que V. Exª não repetiu; agregou. No que diz respeito a certos aspectos, vamos precisar repetir muito. Não é fácil convencer as pessoas das coisas que não são vistas a olhos nus. É muito difícil, quando está tão visível a corrupção no comportamento dos políticos, mostrarmos que existe corrupção na própria prioridade da política. Repito: mostrar isso é muito difícil.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Dei 10, não minutos, mas a nota. Jamais vou cortar a palavra de V. Exª porque V. Exª, em 183 anos de Senado, está entre aqueles que mais defenderam a educação: Pedro Calmon e Darcy Ribeiro.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado, Senador Mão Santa.

            O importante é mostrar à opinião pública, sobretudo à população mais pobre, o que existe debaixo dessa corrupção que vemos. Apodrecendo na superfície da política existe uma corrupção intrínseca, latente, por baixo que, às vezes, não vemos, mas que é a que gera piores conseqüências para o futuro do País.

            Quando um governo muda uma política que vinha dando certo por outra só por razões de locupletar-se, só por razões de ter mais prestígio, só por ter mais votos, quando sacrifica uma geração futura em nome de uma eleição próxima está fazendo corrupção sim. Vamos lutar para que não haja comportamento corrupto entre os políticos, mas lutemos também para que não haja prioridade corrupta na política. E, com essa, o Brasil está tão acostumado que aconteça que parece natural. Parece absolutamente natural não pôr dinheiro em água e esgoto, para colocar em um prédio de luxo, como aquele do TRT, desde que nenhum Senador ou juiz se aproprie de uma parte do dinheiro, como se só fosse corrupção, pegar o dinheiro público e colocar no próprio bolso; como se, pegar dinheiro, que deveria ir para os pobres, e jogá-lo para a elite beneficiar-se, não fosse um tipo de corrupção também. É corrupção também, e é corrupção do maior tipo; e é a corrupção que gera mais problemas, permanentemente.

            Falo isso, como comecei dizendo, Senador Papaléo, Senador Eurípedes, por conta da quantidade de e-mails que eu recebo. E fico feliz que o povo brasileiro esteja com essa indignação diante do comportamento de alguns políticos, ou até mesmo da suspeita de comportamento de alguns políticos. Mas, o que me preocupa é que não chegam e-mails sobre a corrupção nas prioridades, não chegam telefonemas sobre a corrupção nas prioridades; não chegam bilhetes sobre o fato de que vamos elaborar agora o Orçamento, que vai ser cheio de corrupção; não corrupção de comportamento apenas, pois só vamos descobrir depois, mas corrupção de prioridades que vamos saber no dia em que aprovamos, e, mesmo assim, vamos aprovar, porque não vê e porque não cheira, como diz o Senador Jarbas Vasconcelos.

            Vamos despertar para a corrupção nas prioridades; mas, sobretudo, não deixemos que aconteça a pior de todas as corrupções, que é a do comportamento dos políticos em se fechar, e impedir que nós vejamos a corrupção

            nas prioridades das políticas que, ao longo de toda a história da República brasileira, tem se repetido, ano depois de ano, quando fazemos os Orçamentos da União, dos Estados e dos Municípios.

            Atenção, vocês todos que estão preocupados com a corrupção no comportamento dos políticos! Acordem para a corrupção também nas prioridades das políticas! Definamos e cumpramos as políticas que vão servir para construir um país melhor.

            Para concluir, Senador Mão Santa, não quero deixar de falar algo que V. Exª considerou comigo antes de começarmos a sessão. Está na hora de construirmos o “nosso Partido”. Porém, para mim, hoje, o “nosso Partido” não tem nada a ver com as nossas siglas. Que cada um fique na sigla do seu Partido, no sentido da organização política. Vamos construir um Partido no sentido da causa que defendemos.

            V. Exª, que lê tanto e que gosta tanto de história, lembra que o Partido Abolicionista não era um Partido do ponto de vista da organização? Não. Os Abolicionistas, os que compunham o Partido Abolicionista, estavam nos três Partidos de então: os Liberais, os Republicanos e os Conservadores. É certo que quase todo Republicano era Abolicionista; é certo que a maioria dos Liberais era Abolicionista; mas é certo também que havia muitos Abolicionistas entre os Conservadores. Era um Partido Transversal.

            Sabemos que o processo eleitoral atrapalha a questão de se sair de um Partido para outro, do ponto de vista do Partido organizacional, do ponto de vista da sigla. No entanto, está na hora de constituirmos nesta Casa o Partido daqueles que querem cumprir com a ética no comportamento e nas prioridades: o “nosso Partido”, nosso no sentido de um grupo de pessoas, cada um filiado à sua respectiva sigla, até porque V. Exª sabe muito bem que a sigla depende mais das razões locais e eleitorais do que razão nacional de comportamento, de comprometimento de causa, mas criarmos um partido de causa, e não somente de organização.

            Uma das coisas que está destruindo a credibilidade hoje da nossa Casa, do Senado, não é o comportamento de políticos; é a falta de causas em discussão aqui dentro, de bandeiras diferenciadas, de debates entre propostas alternativas. Não há mais isso. O Presidente Lula adotou as políticas do Governo anterior. Quando vemos a Oposição subir à tribuna é para fazer críticas, e não para fazer debates com as propostas do Governo Lula, porque são as mesmas.

            Está na hora de voltarmos a debater causas. Está na hora de criar um partido daqueles que defendem as éticas, as duas éticas, a ética no comportamento e a ética nas prioridades.

            Essa é a maneira como eu gostaria de concluir meu pronunciamento, a partir de uma provocação de V. Exª, Senador Mão Santa, conversando anteriormente. Comecei com a provocação sobre os R$2,50, o valor de uma consulta médica, para mostrar que isso é algo corrupto, do ponto de vista das prioridades e concluo falando da necessidade, como V. Exª mesmo falou, de termos um partido nosso, um partido das éticas e não apenas um partido da ética, como muita gente, hoje, sugere e que, acredito, não vale fazer um partido da ética, porque, senão, todos temos que ser dele ou teremos que expulsar os que não entrarem nele.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte?

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador Eduardo Suplicy, com muito prazer.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Primeiro quero cumprimentá-lo por trazer esses temas ao debate do Senado. V. Exª aqui quer, com as suas palavras e reflexões, sobretudo fazer com que o Senado Federal melhore muito naquilo que constitui o nosso dever, a responsabilidade como representantes do povo, legisladores e fiscalizadores dos atos do Executivo. E quando V. Exª menciona a importância de aqui abraçarmos causas, e sendo V. Exª um dos exemplos de quem abraça uma causa como a da universalização da educação de boa qualidade para todos os brasileiros, a causa da erradicação do analfabetismo o quanto antes, de que possamos ter boas escolas em todo e qualquer município, que possamos assegurar o bom ensino fundamental até o universitário e para todos, V. Exª transmite um entusiasmo importante para todos nós, Senadores. Não estou tão pessimista quanto V. Exª há pouco, transmitindo que aqui não estamos tanto discutindo as causas importantes para o povo brasileiro, porque V. Exª é um exemplo vivo de quem discute e aqui coloca diariamente tudo aquilo em que tanto acredita. Então, V. Exª é um exemplo vivo de que a situação não está tão ruim assim. Por outro lado, V. Exª cita a questão da ética. Acho que isso não deve ser objeto de atenção de um partido; constitui obrigação de todos nós, dos 81 Senadores. Se, porventura, surgir uma situação em que qualquer um de nós tenha cometido falhas, erros, tenha agido de maneira que possa ser qualificada como atentando contra o decoro parlamentar, contra a ética, temos instituições no Senado Federal, na Constituição, no nosso Regimento Interno, a forma de lidar com isso. Por mais difícil que seja, para nós, avaliar o procedimento de colega nosso, de amigos nossos, de pessoas com quem aprendemos a conviver no dia-a-dia aqui, é nosso dever fazê-lo. Precisamos, sim, agir com toda isenção, responsabilidade e equilíbrio, solicitando as informações necessárias para tomar decisões por vezes graves. Mas isso constitui nosso dever e temos de fazê-lo.

            Por outro lado, V. Exª sabe tão bem, por todas as funções que assumiu ao longo de toda a sua vida, como intelectual, como professor, como reitor da Universidade de Brasília, como Governador do Distrito Federal, como Senador que tão brilhantemente tem sido aqui, como Ministro de Estado da Educação, que as responsabilidades de cada um têm de ser assumidas. Conseguimos fazer as coisas andarem muito bem sobretudo quando o procedimento de retidão é o que caracteriza a vida de cada um de nós. O importante é que possamos agir no dia-a-dia de forma reta. Como V. Exª sabe, quando uma pessoa, na chefia de qualquer organização, inclusive na chefia do Poder Executivo, age com retidão, as pessoas que trabalham em torno dela e que gostam de agir com retidão procuram se aproximar e se sentem bem em trabalhar daquela maneira. As pessoas que porventura imaginem que naquela organização poderiam tirar proveito de oportunidades para vantagens pessoais ou para quaisquer grupos acabam se inibindo, e vice-versa.

            Isso está em Desenvolvimento como Liberdade, de Amartya Sen, quando ele relembra que, na China Antiga, 120 anos antes de Cristo, havia uma inscrição na pedra dizendo que, quando o instrumento da construção é reto, a madeira sai reta; da mesma maneira, quando o chefe da organização age com retidão, as coisas tendem a andar com correção, porque os que imaginavam tirar proveito acabam se inibindo e os que agem corretamente é que se entusiasmam com o procedimento adequado. Por outro lado, se quem está à frente da organização começa a ser leniente, com procedimentos indevidos, então aqueles que agem com retidão tendem a se inibir e se afastar, e as ratazanas que se aproximam. É um lição importante do Prêmio Nobel de Economia Amartya Sen nesse livro tão proveitoso para todos nós: Desenvolvimento como Liberdade. Senador Cristovam, continue abraçando e defendendo as causas nas quais acredita, porque dessa maneira eu também me sentirei estimulado a defender as causas em que, V. Exª sabe, tanto acredito. Não quero de maneira nenhuma deixar de fazê-lo; vou prosseguir.

            Quero até lhe dar uma informação. Na próxima semana, farei uma visita, em Bangladesh, a uma pessoa com a qual convivi por alguns dias, recentemente...

(interrupção do som)

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - V. Exª já esgotou os cinco minutos a mais do professor Cristovam Buarque.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Mas é que as palavras do Senador Cristovam foram muito estimulantes. Mas quero dar o exemplo de uma pessoa que abraçou uma causa extraordinária. Eu o conheci de perto e quis conhecê-lo ainda melhor. Vou fazer uma visita ao professor Muhammad Yunus, o Prêmio Nobel da Paz, em Bangladesh, por três dias. Terei alguns diálogos com ele. Vou conhecer a experiência do microcrédito e também conhecer mais uma pessoa que típica ou exemplarmente abraçou uma causa na qual tanto acredita. Que haja muitas pessoas no Senado Federal abraçando causas dentro de cada partido, promovendo um debate mais frutífero para o interesse do bem-estar, da paz e da justiça do povo brasileiro. Meus cumprimentos.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado, Senador.

            Em primeiro lugar, quero dizer que fiquei sete dias em Bangladesh com o professor Yunus, na sede do Grameen Bank. Sou um dos entusiastas da política que ele exerce.

            Mas ele mostra como, neste mundo, às vezes, a gente consegue abraçar melhor uma causa fora do que dentro da política, e melhor fora do que dentro da academia. Quando ele voltou dos Estados Unidos a Bangladesh para ser professor, a idéia dele era defender a criação do novo país. Bangladesh tinha dois ou três anos ainda de existência como nação, porque antes era parte do Paquistão. Ele ficou como professor, até que um dia descobriu uma causa lá embaixo, em uma favela pela qual ele passava todos os dias, quando ia de sua casa à faculdade para ensinar economia, sem perceber que o problema estava ali. Até que ele despertou para isso e mudou o rumo da vida dele.

            O senhor e eu saímos da academia para a política, mas ainda não conseguimos contaminar com essa causa. Quando o senhor diz, no início do seu aparte, que há causas aqui, acho que talvez o problema seja este: existem 81 causas; cada Senador tem a sua. Não temos o nosso partido, como falava Mão Santa um pouco antes. Então, não há debate. O senhor tem uma causa. Mas, quando o senhor e eu dizemos que temos uma causa, falamos sozinhos, não tem quem fique contra nem a favor. A gente não encontra, formando uma causa única, a causa das duas éticas: a causa da ética no comportamento e a causa da ética nas prioridades. A renda mínima é uma causa que ainda não contaminou do ponto de vista de fazer de cada um de nós um soldado ao seu lado. E é claro que a revolução pela educação é uma causa que não contaminou; todo mundo é a favor. Talvez até o defeito seja este: não tem inimigos. Em política, quando não se tem adversários, a causa não existe, está precisando encontrar.

            Acho que não existem inimigos para a causa da revolução na educação porque as pessoas ainda não acreditam que ela vá acontecer. No dia em que as classes médias e altas deste País souberem que, para entrar numa faculdade, seus filhos terão que disputar, em condições de igualdade, com os filhos dos pobres, aí vai começar a ter gente contra. Isso ocorrerá quando a gente mostrar que vai acontecer com as faculdades o que já acontece no futebol: a população pobre é que termina entre os da Seleção, porque há igualdade na educação para o futebol. Bola é igual uma a outra, mas lápis é diferente de computador, Senador Eurípedes Camargo. E existem as escolas do lápis e as escolas do computador, uma dos pobres e a outra dos ricos. Bola é a mesma para os ricos e para os pobres, por isso os pobres chegam à Seleção mas não chegam à universidade pública, gratuita, de qualidade, neste País.

            Então, faltam causas que unifiquem blocos aqui dentro que se oponham a outros blocos, que disputem, que briguem, como foi no debate pela democracia, como foi no debate na época das grandes reformas de base. E isso não estamos tendo hoje.

            Por isso, Senador Mão Santa, comecei e conclui com sua conversa e com seu discurso. Vamos fazer nosso Partido, o partido das duas éticas: a ética no comportamento dos políticos e a ética nas prioridades das políticas.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/07/2007 - Página 22838