Discurso durante a 131ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Transcurso amanhã, dia 23, do Dia Internacional para Relembrar o Tráfico de Escravos e sua Abolição, instituído pela Unesco.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Transcurso amanhã, dia 23, do Dia Internacional para Relembrar o Tráfico de Escravos e sua Abolição, instituído pela Unesco.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 23/08/2007 - Página 28283
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • ANUNCIO, DIA INTERNACIONAL, HISTORIA, TRAFICO, ESCRAVO, CRIAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO), IMPORTANCIA, CONSCIENTIZAÇÃO, POVO, DIREITO A LIBERDADE, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
  • NECESSIDADE, OBJETIVO, EDUCAÇÃO, DEMONSTRAÇÃO, INFLUENCIA, CULTURA AFRO-BRASILEIRA, RELEVANCIA, DESENVOLVIMENTO CULTURAL, BRASIL, SOLICITAÇÃO, CUMPRIMENTO, MUNICIPIOS, LEI FEDERAL, INCLUSÃO, ASSUNTO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, CURRICULO, ENSINO, EXPECTATIVA, APROVAÇÃO, ESTATUTO, IGUALDADE, RAÇA, HOMENAGEM, LUTA, PERSONAGEM ILUSTRE.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Senador Papaléo Paes, amanhã, dia 23, é o Dia Internacional para Relembrar o Tráfico de Escravos e sua Abolição. É uma data instituída pela Unesco.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aprendemos, ao longo das nossas vidas, a falar muito na palavra “liberdade”. Sem dúvida, ela é fundamental em todos os aspectos da nossa existência.

            Em linhas gerais, poderia dizer que somente a liberdade pode consagrar a cidadania plena. Ela é essencial a uma criança ao longo do seu desenvolvimento. É importante para os jovens, para que afirmem sua personalidade. É fundamental para os adultos, para que possam ser donos de suas vidas. É vital para os idosos, para que possam envelhecer com dignidade.

            Sabemos que liberdade é o direito também de ir e vir de todos os seres humanos. Tenho certeza de que todos nós consideramos um absurdo o seu cerceamento. Essa noção de liberdade sempre existiu. Todos sempre quiseram ser livres, mesmo sabendo que algumas regras e deveres deveriam ser cumpridos e seguidos.

            Mas nem sempre, Sr. Presidente, as pessoas respeitaram a liberdade e o limite umas das outras. Refiro-me à retirada de pessoas de suas casas, de seus lares, de suas famílias, de suas pátrias. Falo, aqui, de milhões de pessoas que, ao longo dos séculos, foram transformadas em escravos e escravas por pessoas e por nações.

            O tema não é recente; ele remonta ainda ao início das civilizações. A escravidão é um exemplo desse acontecimento terrível para todos os povos.

            Para nós, brasileiros, o fato mais recente e marcante foram os mais de quatrocentos anos do tráfico de escravos africanos para o continente americano. O assunto é de tal importância e relevância que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura instituiu o dia 23 de agosto, amanhã, como o Dia Internacional para Relembrar o Tráfico de Escravos e sua Abolição.

            O período da escravidão é considerado um dos mais trágicos, um dos mais tristes do mundo. Para muitos, o período deveria ser esquecido. Para nós, não: deve ser lembrado, para que situações semelhantes, Sr. Presidente, não voltem a acontecer.

            O objetivo desse dia é examinar, de forma coletiva, as causas históricas, os métodos e as conseqüências dessa tragédia, assim como avaliar e lutar contra os crimes cometidos em todos os continentes, nesse caso específico, contra os crimes hediondos ligados à escravidão de seres humanos.

            É fundamental lembrarmos a importância de medidas educacionais, para que os jovens entendam mais sobre o processo e a influência da cultura negra não só no Brasil, mas no mundo.

            No Brasil, o último país do mundo a abolir a escravidão, a maioria dos livros trata o tema como algo distante, Sr. Presidente. Os negros são simplesmente escravos; pessoas, para eles, destituídas até de valor. Senador Cristovam Buarque, até os dicionários ligam a palavra “escravidão” ao negro - escravidão lembra negro, como se a história da humanidade só apontasse os negros como escravos. Os negros e outras etnias, que foram escravos, Sr. Presidente, podem ter costumes diferentes. É verdade, nem todos são iguais, mas nada que os fizessem inferiores. Pelo contrário, eles sabem dos seus direitos e dos seus valores.

            Muitos dos líderes quilombolas são descendentes de heróis em seus países de origem, pessoas que deram suas vidas pela liberdade.

            Dói, Sr. Presidente, dói na alma, no coração, na mente quando ouvimos a expressão: “Povo que não tem virtude acaba por ser escravo”.

            A grande verdade que poucos sabem é que, entre os negros escravizados, seqüestrados, estavam guerreiros, líderes, reis, príncipes, princesas, rainhas, homens e mulheres livres que foram tratados como gado, reprodutores de mão-de-obra gratuita, mão-de-obra barata. Foram subjugados pela força das armas e pelo poder econômico da época. Isso não tem relação alguma com ter ou não ter virtude.

            Os africanos escravizados tiveram a sua honra ferida, a auto-estima esfacelada; eles foram açoitados, assassinados. É triste dizer, mas temos de lembrar, que milhões foram violentados, para não falar nos milhares estuprados.

            Os reflexos disso perduram durante os tempos. O sofrimento a que foram submetidos nossos antepassados da comunidade negra, Sr. Presidente, eu poderia dizer que, de forma diferente, se mantém ao longo da vida.

            Essa história, a verdadeira história, deve se contada e ensinada às crianças, aos jovens e aos adultos.

            Ao entender o processo de formação do Brasil, nosso povo entenderá melhor nossa cultura, nossos costumes, nossas angústias e - por que não dizer? -nossas incertezas.

            Com certeza, tratará com enorme respeito a vida guerreira e heróica daqueles que se tornaram escravos pela força. Somente assim contribuiremos para a grande caminhada em direção ao fim dos preconceitos e das discriminações.

            Por isso, Sr. Presidente, devemos exigir o cumprimento da Lei nº 10.639, de 2003, que determina a inclusão temática “História e Cultura Afro-Brasileira” no currículo da rede de ensino.

            Hoje, mais de oitenta Municípios deste País descumprem a lei, desconhecem a lei, não aplicam a lei. Precisamos cobrar a adoção de medidas sócio-educativas, capazes de reverter o quadro atual.

            Volto a dizer, Sr. Presidente: nosso País é de maioria negra, e essa grande maioria forma as fileiras de desempregados e de trabalhadores com baixos salários. É essa maioria que está fora dos bancos escolares e das universidades. É essa maioria que é pouco retratada pela mídia, não tendo a visibilidade devida.

            Assim, Sr. Presidente, eu poderia aqui citar uma série de dados. Poderia lembrar o Estatuto da Igualdade Racial, matéria já aprovada aqui no Senado e que traz uma série de medidas para o conjunto da população brasileira, como forma de combater a discriminação, como o acesso à universidade, o direito à propriedade das terras dos descendentes dos quilombolas.

            Nas últimas semanas, Sr. Presidente, veja bem o quanto o preconceito ainda é forte em nosso País. Tivemos um debate sobre quem deveria ser ou não o Relator do projeto da Igualdade Racial. Alguns chegaram a dizer que a matéria é polêmica, já que foi relatada por um Senador que tem a pele branca. Que bobagem! Só poderia ter sido relatada mesmo por um Senador que tem a pele branca, porque Senador negro só tem um no Parlamento.

            Isso é uma bobagem tão grande que faço uma crítica a esses setores, mostrando o meu compromisso com a política de Wanadi. A essas pessoas eu digo: o Estatuto é também, sim, dos relatores. Brancos ou negros, eles trabalharam para o aperfeiçoamento da matéria, buscaram alternativas para ajustar o projeto, e, assim, ele foi aprovado por unanimidade aqui no Senado.

            O Estatuto é do Congresso Nacional, é do Executivo, é do Judiciário, é do povo brasileiro, de brancos e negros. A autoria é de todos aqueles que contribuíram para que ele fosse aprovado - pela redação final.

            Muitos podem não lembrar, mas essa discussão já aconteceu com o Estatuto do Idoso. Aconteceu com o Estatuto da Pessoa com Deficiência e em diversas outras matérias.

            Na época, apresentei o Estatuto do Idoso e da Pessoa com Deficiência e fui questionado para ver se eu era idoso ou portador de deficiência para apresentar aqueles dois projetos. Grande bobagem! Essa é uma discussão pequena, para não dizermos medíocre, diante da importância das propostas.

            Devemos pensar como estadistas: o importante é aprovar leis que beneficiem o conjunto da população brasileira. Devemos parar de olhar somente para nós; parar de reivindicar a paternidade. Sejamos todos felizes por termos contribuído para elaborar um projeto tão importante para o povo brasileiro.

            Aos que dizem que o Estatuto já tem inúmeros relatores eu digo: que bom, como é bom! É sinal de que ele foi construído de acordo com a média do pensamento de toda a sociedade brasileira.

            O que me interessa é ver o projeto aprovado. Se alguém quiser dizer aos quatro ventos que é o autor da proposta ou que o autor é todo o povo brasileiro, que bom! Parabéns! Que todos nós sejamos autores e co-autores.

            Sr. Presidente, apresentei o projeto original do Estatuto ainda como Deputado e o reapresentei no Senado. Aqui, foi aprovado por unanimidade.

            Quero concluir, Sr. Presidente - e já sei que estou abusando da tolerância de V. Exª -, dizendo, Senador Cristovam, que, para mim, foi muito importante o relatório de V. Exª. Aprovamos ontem, sob a sua orientação, o “Ano Nacional dos 120 anos da Abolição Não Conclusa”. Apresentei o projeto, e V. Exª, de pronto, deu o parecer.

            Fico feliz por ser autor e co-autor com V. Exª, porque é bom que os relatores e os autores sejam aqueles que estão a defender o projeto ao lado da Casa.

            A intenção é fazer um debate em 2008 para refletirmos sobre o tema, para que possamos, de fato, ver a aprovação das políticas afirmativas.

            Sr. Presidente, eu gostaria muito que o dia 20 de novembro de 2008, data da morte do grande Zumbi dos Palmares, não se transforme em mais um dia de lamento, mas, sim, de festa, de vitória pela aprovação dos projetos que interessam ao povo brasileiro, ao povo negro e, com certeza, também àqueles que são brancos, índios, enfim, a todas as etnias.

            Quando o Estatuto da Igualdade Racial for aprovado, teremos conquistado a verdadeira carta de alforria da nação negra.

            É bom lembrar que em 13 de maio, Sr. Presidente, veio a liberdade, mas não vieram os direitos.

            Quero homenagear o Frei David, que deu a sua vida por essa causa. Parabéns meu amigo, Frei David. A sua história é um exemplo para todos nós.

            Cumprimento também o Frei Antonio Leandro da Silva, que coordena o Fórum em Defesa do Estatuto de Igualdade Racial, do PL nº 73/1999 e da PEC nº 02/2006, que cria o Fundo da Igualdade Racial.

            Cumprimento também o meu amigo Dojival Vieira, da Afropress, jornalista que vem fazendo um excelente trabalho na linha das ações afirmativas.

            No dia 12 de setembro, as entidades que compõem o Fórum Nacional estarão em Brasília, entregando um documento com cem mil assinaturas de apoio à aprovação dessas leis.

            Eu terminaria, Sr. Presidente, cumprimentando a todos e evocando os seguintes heróis da nossa história: Viva Zumbi! Viva Abdias! Viva Frei David!

            Esperamos que, assim, nós possamos ver um 20 de novembro melhor para todos.

            O Sr. Mão Santa. (PMDB - PI) - Um aparte, Senador.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Sei que ultrapassei o tempo e que, nos cinco minutos que já viraram dez, não é permitido apartes. Mas vou concluir com essa frase: “Sonho muito com o Brasil do futuro. O Brasil que vejo no futuro tem diversas cores, credos, costumes. Será um país plural. Uma pátria de todos, pois pátria somos todos!”

            Assim concluo, Sr. Presidente. O aparte depende de V. Exª, porque sei que meu tempo já se esgotou - fiz um apelo ao Senador antes de vir à tribuna, e ele me deu em torno de oito a dez minutos.

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Viva o Senador Paulo Paim, o Martin Luther King do Brasil!

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Muito obrigado, Senador Mão Santa.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/08/2007 - Página 28283