Discurso durante a 160ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem a Dom Hélder Câmara, no transcurso do oitavo aniversário de seu falecimento.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a Dom Hélder Câmara, no transcurso do oitavo aniversário de seu falecimento.
Aparteantes
Cícero Lucena, Eduardo Suplicy, José Nery.
Publicação
Publicação no DSF de 20/09/2007 - Página 32122
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, HELDER CAMARA, BISPO, ARCEBISPO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), IGREJA CATOLICA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, CONTRIBUIÇÃO, HISTORIA, BRASIL, ASSISTENCIA, POPULAÇÃO CARENTE, SIMULTANEIDADE, CONSTRUÇÃO, FUTURO, LIBERDADE.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fiz uma solicitação à Mesa, Senador Delcídio Amaral, para realizarmos uma sessão de homenagem a uma das figuras mais importantes do século XX ou até mesmo de toda a história do Brasil. Essa figura se chamava Dom Hélder Câmara. Lamentavelmente, não foi possível, por muitas coisas que acontecem neste Senado, haver essa sessão especial. Eu gostaria de trazer a esta Casa muitos dos que conviveram com ele, os representantes da Igreja Católica. Mas, mesmo que esta não seja uma sessão de homenagem, decidi fazer uso da palavra para lembrar dele e da sua morte, ocorrida no dia 27 de agosto.

Tive o privilégio, Senador Delcídio Amaral, de conviver com algumas pessoas marcantes, como Celso Furtado, como Josué de Castro. Minha geração facilitou que nomes como esses surgissem, porque eram tempos de pessoas que traziam idéias novas para este País, eram tempos de grandes debates nacionais. Mas, entre esses, talvez nenhum tenha me marcado tanto quanto a figura de Dom Hélder Câmara, aquele a quem chamei, devido ao título de um filme, de “o santo rebelde”. Era um homem que conseguia ser rebelde e ser santo, ao mesmo tempo. Era um homem que, mesmo com sua grandeza, como seu reconhecimento nacional e internacional, ia à nossa casa conversar e ouvir opiniões, no tempo em que eu, simples estudante, tive a sorte de trabalhar com ele.

Sr. Presidente, vim aqui hoje lembrar a vida dele, com um discurso que, espero, fique registrado - espero que seja dado como lido, porque esse é o costume aqui -, pois, em vez de lê-lo, prefiro deixar soltar o sentimento que tenho ao lembrar dele.

Dom Hélder nasceu no Ceará, em família humilde, fez-se padre e bispo auxiliar e chegou a bispo e a arcebispo da minha cidade, Recife. O que ele trouxe de diferente, Senador Delcídio? Primeiro, o momento em que viveu fez a diferença. Dom Hélder ficou adulto, ficou influente, no momento em que o Brasil buscava novos rumos. Isso fez diferença. O País encontrava-se em ebulição, querendo sair do seu período rural, do seu período agrícola, puramente exportador, para se tornar um país urbano, industrializado. Esse momento de debate e de conflito teve muito a ver com o nascimento da figura humana que foi Dom Hélder Câmara. Como disseram diversos filósofos, cada um é si e suas circunstâncias. Naquele momento, Dom Hélder beneficiou-se de uma circunstância especial, em que o País estava em busca de rumo. Mas, se não fosse sua figura, ele não teria tido a grandeza que teve.

Dom Hélder era um homem que tinha o sentimento do seu povo, o sentimento da realidade deste País, o sentimento de como viviam e sofriam os pobres, mas ele tinha o sentimento do futuro. Há muitos que têm o sentimento do povo, mas que não têm o sentimento do futuro. Há estadistas que têm o sentimento do futuro, mas que não têm o sentimento do povo. Os que têm o sentimento do povo, mas não tem a visão de futuro caem no assistencialismo, na generosidade, na política do imediato, não na política de longo prazo da construção de uma nação. Os estadistas que têm a visão de longo prazo, mas não têm o sentimento do povo são capazes de construir uma nação inteira sem beneficiar a maioria da população, sem trazer a dimensão popular para dentro do projeto nacional. O projeto nacional fica sem o povo. Com o outro, o povo fica sem projeto nacional. Dom Hélder Câmara, como outros, representava a possibilidade do casamento do povo com o futuro, do povo com a nação. E o povo não recebia apenas ajuda, generosidade, mas recebia um projeto alternativo de nação. E ele carregou isso, com um sentimento de santo e com a rebeldia de quem queria mudar. Ele carregou aquele sentimento de alguém que quer fazer com que seu povo não apenas receba ajuda, mas também seja emancipado, seja libertado. Essa é a diferença.

Quando, com a generosidade que caracteriza muitos, damos esmola a uma pessoa que precisa, ajudamos aquela pessoa, mas não construímos o futuro do País só pela esmola, porque é uma transferência de renda de um para outro, não havendo enriquecimento do conjunto. O enriquecimento do conjunto vem quando, além dessa transferência de renda - que é necessária -, a gente oferece um projeto alternativo para a Nação, quando esse projeto alternativo é capaz de enriquecer o conjunto da sociedade e quando, como eu disse há poucos dias, além de crescer, a gente faz o País grande. Dom Hélder representava a alternativa, Senador Suplicy, de um líder que não apenas queria fazer o País crescer, mas que também queria fazer o País ser grande. E lutou para isso, dedicou sua vida a isso, com a humildade e com a santidade de uma Madre Teresa e com o espírito dos grandes estadistas que este País teve. Ele foi um estadista vinculado ao povo, não foi apenas um santo vinculado ao povo. Não foi apenas um homem de santidade, foi um homem de Estado na sua luta, na sua concepção, na sua missão.

O que traria Dom Hélder hoje, se tivesse chegado, com mais alguns anos, ao século XXI? Eu gostaria que este fosse o objeto de nossa reflexão: o que Dom Hélder traria hoje se estivesse junto conosco?

Concedo um aparte ao Senador Suplicy e, depois, ao Senador José Nery.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Cristovam Buarque, primeiro, quero expressar aqui minha comunhão com o propósito de V. Exª de homenagear Dom Hélder Câmara, que, ao longo de sua vida, praticou atos de solidariedade para com os pobres, para com o povo brasileiro, para com a democracia. Seu nome chegou a ser considerado proibido a certa altura do regime militar, que chegou, inclusive, a proibir que os meios de comunicação falassem positivamente de suas ações e de suas palavras, porque eram de extraordinário significado para o propósito de realização de justiça e de democracia. Essa é uma homenagem a Dom Hélder, mas também a V. Exª, que ontem me convidou e inúmeros Parlamentares, para que, na Comissão de Educação, tivéssemos o propósito de nos empenharmos na votação da proposta de emenda à Constituição sobre o voto aberto. Talvez, V. Exª já saiba, mas eu gostaria de aqui lhe informar que, enquanto V. Exª assumia a tribuna, há cerca de três ou quatro minutos, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, por unanimidade, acabava de votar, com o plenário cheio - havia lá mais de 20 ou 25 Senadores. Todos, depois de um diálogo, de uma reflexão intensa, acabamos votando o projeto do Senador Paulo Paim, que foi por todos nós assinado, e também a PEC nº 50, bem como a PEC do Senador Alvaro Dias, que incorpora a proposta maior do Senador Paulo Paim e que, após reflexão, mereceu parecer favorável do Senador Tasso Jereissati, que, antes, havia proposto uma certa restrição, mas, dado o debate, resolveu, no espírito do que V. Exª nos propunha, votar para que não houvesse mais, no Congresso Nacional, voto fechado para qualquer motivo. Nós nos encaminhávamos para a reunião da Comissão de Educação, para a qual V. Exª nos convidou, mas ficamos sabendo que V. Exª se encontrava na tribuna. O Deputado Fernando Gabeira e outros já estão lá. Agora, só falta o empenho para que votemos, se possível, até hoje à tarde, a PEC para o voto direto, o mais rapidamente possível, em primeira e segunda votação no Senado.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador Suplicy, pela informação; acho que o Brasil inteiro estava ansioso para ouvi-la.

Vou conceder um aparte ao Senador José Nery e ao Senador Cícero Lucena, pedindo um pouco de concisão a todos nós, porque fui um dos que convidou um grupo de Deputados e de Senadores para estar na Comissão de Educação, discutindo como pressionarmos para acabar o voto secreto, e, como anfitrião, eu não gostaria de chegar muito atrasado lá.

Concedo um aparte ao Senador José Nery.

O Sr. José Nery (PSOL - BA) - Senador Cristovam Buarque, associamo-nos à homenagem que V. Exª presta nesta tarde à memória de Dom Hélder Câmara, que, sem dúvida, é um dos pastores da Igreja Católica dos mais importantes nas últimas décadas. Dom Hélder foi um dos idealizadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), foi seu primeiro Secretário-Geral, foi o animador de vários projetos de largo alcance social elaborados pela CNBB, como a Feira da Providência, o Movimento de Educação de Base, a Comissão de Justiça e Paz, além de ser um dos mais firmes defensores dos direitos humanos em nosso País. Combateu a violência da ditadura, manifestou concretamente a opção preferencial pelos pobres, teve papel destacado no Concílio Vaticano II no processo de renovação da Igreja, relacionado com as exigências sociais e cristãs de um mundo renovado por justiça e paz. Juntamente com muitos bispos também integrados à linha da Teologia da Libertação - Dom Antonio Fragoso, de Crateús; Dom Paulo Evaristo Arns; Dom Pedro Casaldáliga e muitos outros -, notabilizou-se pela defesa dos direitos humanos, da justiça e da igualdade em nosso País. Foi também Dom Hélder construtor do processo de adaptação do espírito e das determinações do Concílio Vaticano II à realidade latino-americana. Por isso, teve papel importante na elaboração, na construção das Conferências de Puebla e de Medellín. Portanto, a homenagem que V Exª presta tão justamente a Dom Hélder Câmara, neste dia, merece toda a nossa saudação, porque, com certeza, com essa homenagem à memória e à história tão brilhante, tão humana, tão desprendida de Dom Hélder Câmara, V Exª está falando com milhões e milhões de brasileiros e brasileiras que acompanharam o trabalho de um dos mais notáveis filhos do Nordeste, nascido no Ceará, que foi radicado por muito tempo no Rio de Janeiro e que, a partir de 1964, durante vinte anos, foi Arcebispo de Olinda e de Recife. Parabéns a V Exª pela iniciativa, pelo pronunciamento, pela homenagem, que, com certeza, também é nossa, é de todo este Senado Federal, é de todos os que acreditam na justiça e na luta pelos direitos humanos! Acabamos de aprovar, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, o voto aberto em todos os processos e circunstâncias no Senado e no Congresso Nacional, o que também, com certeza, é uma forma de homenagear quem sempre lutou pela justiça, pela dignidade. Seu pronunciamento, nesta tarde, só engrandece aqueles que lutam pelos direitos humanos. Na homenagem a Dom Hélder e no trabalho que podemos fazer aqui para tornar o Brasil melhor, V Exª é uma grande expressão dessa luta. Associamo-nos a essa homenagem, que todo o Brasil, com certeza, reverencia, porque é feita com alma, com coração e com o compromisso de quem sempre luta por um Brasil melhor. Muito obrigado.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador José Nery, eu é que lhe agradeço. O discurso de V. Exª está tão bem afinado, com tantas explanações, que parece até que tínhamos combinado. E não avisei a nenhum de V. Exªs sobre esta minha fala.

Esta não é a sessão que eu gostaria de realizar, uma sessão especial, mas imagino que ainda poderemos vir a fazê-la. Mas não quis adiar muito em relação à data em que ele faleceu, 27 de agosto.

Ouço o aparte do Senador Cícero Lucena.

O Sr. Cícero Lucena (PSDB - PB) - Senador Cristovam, V. Exª foi muito feliz ao fazer esta homenagem a Dom Hélder. Fico bastante à vontade por ser de um Estado vizinho, a Paraíba. Conseqüentemente, vivenciei a influência da paz, do respeito aos direitos humanos do pregador e - por que não dizer? - do pastor de tantas ovelhas, que foi Dom Hélder. Como o exemplo já citado pelo Senador José Nery, a Paraíba também esteve representada na Igreja Católica pelo Arcebispo Dom José Maria Pires, chamado de Dom Pelé, que foi sucedido por Dom Marcelo Pinto Carvalheira, um dos maiores seguidores e um dos maiores amigos de Dom Hélder. Eu me somo a essa homenagem, em nome da Paraíba e de todos aqueles que tiveram a oportunidade de conviver e de principalmente aprender com Dom Hélder.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador Cícero Lucena. Fico feliz em ouvir esses nomes, com os quais trabalhei - trabalhei praticamente com todos - e que muito me marcaram, não apenas na minha vida espiritual, mas também na minha vida social, no meu compromisso político.

Sr. Presidente, não é o momento, a meu ver, de a gente fazer a homenagem que deveríamos. Vou continuar insistindo para conseguirmos um espaço para realizar uma sessão plena de homenagem a Dom Hélder. Eu só não queria deixar em branco o aniversário da sua passagem, quando ele deixou esta vida e passou para a história. Foi um homem que teve o sentimento do povo e o sentimento da Nação, que teve a urgência do presente e o compromisso com o futuro. Essa é a grande lição dele, e nós, Senadores, deveríamos aprendê-la.

Estamos aqui, Senador Lucena, prisioneiros do curto prazo e prisioneiros da elite. É preciso que o povo penetre nesta Casa por nosso intermédio, é preciso que o futuro esteja presente nas nossas formulações. É isto, sobretudo, o que aprendi com ele: a possibilidade de a bondade casar com o estadismo e de o presente, a urgência e a pobreza casarem com os sonhos de uma grande nação; a possibilidade de fazermos aquilo que é preciso para minorar a tragédia imediata, mas sem nos esquecermos da necessidade de construir a grandeza futura.

Dom Hélder foi isto: um santo rebelde. Mostrou que era capaz de perceber o que o povo sofre hoje - e ele se ligava a esse povo intimamente -, sem jamais esquecer o sonho de, um dia, esse povo ser emancipado, o que acho que seria possível pela educação.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/09/2007 - Página 32122